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Fórum Brasileiro de Segurança Pública debate proteção da Amazônia

Fórum Brasileiro de Segurança Pública debate proteção da Amazônia

Imagem da violência policial contra indígenas durante comprimento de mandado Judicial, em Roraima (Foto: CIR/2021).


Manaus (AM) – Josi Tikuna, liderança e militante do movimento indígena do Alto Rio Solimões, no Amazonas, falou diante de uma plateia de especialistas: o tráfico de drogas está disseminado nas aldeias. Há estupros e aliciamento de crianças entre 5 e 12 anos para trabalharem com tráfico, as chamadas “mulas”. A região fica na tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil, e abrange cidades como Tabatinga, Benjamin Constant, Atalaia do Norte e São Paulo de Oliveira. Essa explosão na violência na região ocorreu entre 2015 e 2023.

Josi relatou a ineficiência das investigações policiais e a inércia do poder público, mesmo diante de denúncias documentadas com vídeos e fotos. Segundo a pesquisadora, pastores evangélicos estrangeiros estariam utilizando igrejas como pontos estratégicos para o tráfico nas aldeias indígenas do Alto Solimões. 

Segundo a pesquisadora, apesar da apreensão de quase 5 mil toneladas de drogas nos últimos anos pela Polícia Federal, as denúncias das comunidades indígenas sobre o avanço da violência foram minimizadas. “Os nossos boletins [dos indígenas] de ocorrência não são registrados. O Estado é ausente e o que ele tem feito é maquiar as informações. Falta respeito para lidar com as pessoas indígenas quando a gente faz essas denúncias”, disse.

Cerca de 200 especialistas entre pesquisadores, profissionais de segurança, gestores públicos, ativistas e jornalistas estiveram presentes, durante três dias, no 19º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Realizado pela primeira vez em Manaus, no Centro de Convenções Vasco Vasques, o evento contou com a presença de mais de 1,3 mil participantes, 45 mesas de debate e duas conferências. Correalizado pelo governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), os temas centrais do encontro precederam a realização da COP30 em Belém, no Pará, e destacaram os desafios da segurança pública na Amazônia.

A abertura ocorreu no dia 13 de agosto no Teatro Amazonas. O avanço do crime organizado foi o destaque, mas de carona temas relacionados foram lembrados, como a proteção de florestas e cidades, os impactos da crise climática e como esses fatores afetam a vida das populações amazônidas. O FBSP é uma organização não governamental, apartidária e sem fins lucrativos, fundada em 2006 por profissionais de segurança, gestores e pesquisadores para promover a segurança pública como um direito social. 

No último dia do encontro (15), o painel “Estratégias de autoproteção e denúncia para povos tradicionais” trouxe relatos de lideranças indígenas sobre os crescentes episódios de violência em áreas de fronteira. Foi nessa ocasião que Josi Tikuna, antropóloga e pesquisadora pertencente ao povo Tikuna e coordenadora do Projeto Agrovida-Naãne Arü Mã’ü, falou. A mesa foi moderada por Marina Bohnenberger, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e reuniu ainda Fábio Ribeiro, coordenador executivo do Observatório dos Povos Indígenas Isolados (OPI), e Susana Durão, antropóloga e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O problema relatado por Josi, de falta de respostas do poder estatal, já havia sido levantado, em junho deste ano, no 1° Fórum Internacional de Segurança Pública Social e Acordo de Paz em Contexto de Fronteira. Com a participação de 670 lideranças indígenas do Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia, mulheres dos povos Kanamari, Tikuna, Kambeba, Kokama, Witoto, Marubo, Kaixana e Mayoruna apresentaram propostas como a instalação de bases de fiscalização permanentes na tríplice fronteira, a criação de uma comissão intersetorial ministerial permanente, o fortalecimento das guardas indígenas e a abertura de um canal de comunicação direto entre órgãos de segurança e comunidades tradicionais.

19º encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em Manaus (Foto: Antônio Lima/Secom).

No evento  do FBSP, Josi voltou a destacar a importância da auto-organização indígena e da consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como exemplo de desrespeito, citou a lancha da Polícia Militar do Amazonas batizada de “Xamã”, apresentada no encontro, que teria usado o nome indígena sagrado sem consulta às comunidades. A lancha blindada é usada para fiscalização nos rios, com foco no combate ao tráfico de drogas.

Fábio Ribeiro apresentou um mapa atualizado dos registros de povos indígenas isolados no Brasil, que hoje somam 115, mas apenas 30 confirmados oficialmente pelo Estado, revelando um grave passivo no reconhecimento desses povos. Segundo Ribeiro, a omissão ameaça o direito fundamental à vida dos povos indígenas e abre espaço para riscos de genocídio. O Amazonas concentra o maior número de grupos indígenas isolados, principalmente no Vale do Javari, na fronteira com o Peru, com 48 registros. 

“É uma questão de segurança pública mesmo. Estamos lidando com um direito muito fundamental, um direito básico, que é o direito de existir. É o direito à vida. É o direito das pessoas estarem vivas. A gente vê hoje que em uma escala mundial, o conceito de genocídio passa por uma crise sistêmica. Alguns países estão tentando esvaziar essa categoria do genocídio, justamente para justificar práticas genocidas, fazendo um paralelo com o que está acontecendo em Gaza atualmente”, disse o coordenador do OPI.

Entre as estratégias de proteção, Fábio destacou a política de não contato adotada desde 1987 pelo Estado brasileiro, a necessidade de fortalecimento do quadro técnico e de recursos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a construção de uma política nacional de proteção e  fortalecimento do controle social e da participação de organizações indígenas no monitoramento territorial. 

Jornalismo em territórios violentos

Familiares, amigos e amigas da Policial Deusiane Pinheiro, morta em 2015, pedem justiça durante manifestação em frente ao Fórum Ministro Henoch Reis, 10 anos do crime. (Foto: Raphael Alves/01/04/2025).

A Amazônia Real fez parte da programação do evento por meio do painel “Entre a Notícia e a Bala: desafios de comunicar em territórios violentos”, no dia 14 (quinta-feira). A mesa discutiu os riscos e responsabilidades da cobertura jornalística sobre segurança pública.

O debate foi moderado por Pedro Borges, jornalista e diretor da Alma Preta Jornalismo, e contou com a participação da repórter Nicoly Ambrosio, da Amazônia Real, Letícia Leite, CEO da Vem de Áudio e da Rádio Nacional dos Povos, Raull Santiago, diretor do Instituto Papo Reto, Diego Junqueira, editor sênior da Repórter Brasil, e Antonio Junião, fundador da Ponte Jornalismo.

Os convidados relataram experiências de censura, ameaças e violência enfrentadas por comunicadores e jornalistas, principalmente na cobertura de temas como violência policial e racismo nas periferias de Norte a Sul do Brasil. Os jornalistas também discutiram estratégias de proteção coletiva e a importância de uma imprensa comprometida com os direitos humanos.

Nicoly Ambrosio destacou casos emblemáticos da cobertura da Amazônia Real sobre racismo e feminicídio e expôs as dificuldades de se fazer jornalismo em diferentes territórios da região amazônica. No interior, relatou, os jornalistas enfrentam ameaças ao abordar conflitos no campo, grilagem de terras, violações de direitos humanos e crimes socioambientais; já nas cidades, a violência policial, o racismo e a LGBTfobia, especialmente a transfobia, marcam a pauta cotidiana.

A repórter também criticou a forma como a mídia tradicional cobre a violência, marcada pelo predomínio do jornalismo sensacionalista, pela exploração da imagem das vítimas, pelo excesso de notas policiais com linguagem apelativa e pela ausência de informações sobre o desdobramento dos crimes. Além disso, apontou a dependência quase exclusiva de fontes oficiais e a intimidação ou cooptação de outras fontes, consideradas alternativas na narrativa jornalística, o que restringe a pluralidade de depoimentos.

Entre os casos abordados por Nicoly estão o assassinato de Marco Aurélio, alvejado por policiais militares na periferia de Manaus em 2023; a agressão sofrida pela universitária Dayse Brilhante em 2020, vítima de racismo praticado por vizinhos, entre eles um coronel do Corpo de Bombeiros; e o feminicídio da soldado Deusiane Pinheiro, assassinada em 2015 pelo ex-namorado, também policial militar, em um crime que nunca foi julgado e cuja família segue ameaçada.

“O jornalismo feito na Amazônia expõe os jornalistas e as fontes a riscos e pressões constantes, desde intimidações até perseguições políticas e judiciais”, afirmou Nicoly Ambrosio.

Governo diz reduzir a violência

Wilson Lima e o secretário de Segurança, delegado Vinicius na entrega de viaturas Foto: Alex Pazuello/Secom/18/08/2025).

Na conferência “Caminhos Estaduais para Redução da Violência e da Criminalidade”, o governador do Amazonas, Wilson Lima, apresentou ações em andamento desde 2019 para a segurança pública do Estado. Ele destacou a realização do primeiro concurso público em 11 anos, em 2022, que resultou na nomeação de 2,8 mil novos policiais e bombeiros.

No campo tecnológico, citou a implantação do Sistema Paredão, que já conta com mais de 1,3 mil câmeras inteligentes na capital e região metropolitana, além de equipamentos de reconhecimento facial e leitura de placas instalados em ruas e viaturas da Polícia Militar.

O governo afirmou ainda ter investido 1 bilhão de reais desde 2019 na estrutura da segurança pública, ao renovar a frota da polícia com 621 viaturas e 100 motocicletas, estas últimas previstas para serem entregues até o fim de 2025. 

Para combater o crime organizado, foram instaladas pelo governo cinco bases fluviais avançadas, além da entrega de 10 lanchas blindadas. O estado mantém hoje as bases Arpão 1 e 2, embarcações blindadas e armamento pesado para patrulhar rios considerados estratégicos na rota do tráfico de drogas, como os rios Solimões e Negro. 

Segundo o governador, esses investimentos já apresentam resultados. Dados de 2025 indicam redução de 99% nos roubos a rotas do Distrito Industrial, queda de 50,7% nos assaltos a ônibus, além da diminuição de 28% nos homicídios e 19% nos roubos a comércios.

De acordo com Wilson Lima, o conjunto das medidas contribuiu para que o Amazonas registrasse, em 2025, a menor taxa de homicídios da série histórica, com queda de 16% em relação a 2024.

Visita do Conseg ao Compaj durante o Fórum de Segurança, em Manas (Foto: Mauro Neto/Secom/12/08/2025).

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