As florestas tropicais do mundo armazenam cerca de 460 bilhões de toneladas de carbono, o que representa quase metade do estoque terrestre total e as colocam em uma posição crucial na regulação do clima do planeta. Mas as queimadas cada vez mais intensas estão mudando este cenário. Estudo publicado esta semana na revista científica Environmental Research Letters mostra como o fogo modifica a estrutura da floresta e, em última instância, pode levar ao seu colapso, com impactos que vão além do local.
A pesquisa, realizada por cientistas de cinco diferentes instituições, revelou que a biomassa acima do solo diminuiu em 44% na floresta queimada uma vez, e 71% em porções florestais queimadas duas vezes. O dossel florestal foi o estrato mais afetado após o segundo incêndio, com uma redução de 44% em comparação com a floresta não queimada.
O mesmo padrão de redução surgiu para a área basal – soma das áreas que os troncos das árvores ocupam na porção da floresta estudada –, que diminuiu em média 27,5% após o primeiro incêndio e em 53,8% após o segundo evento de incêndio.
No geral, as comunidades de plantas experimentaram uma perda de 50% da riqueza de espécies após dois incêndios, incluindo espécies dominantes e raras. As comunidades de plantas também se tornaram mais diferentes à medida que os eventos de incêndio se acumulavam, com diferença de até 61% nas espécies após dois eventos de incêndio.
O estudo foi realizado na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, localizada na região de Santarém, Amazônia Oriental, e considerou o impacto do fogo em árvores e palmeiras. Foram analisadas porções da reserva impactadas pelo fogo uma e duas vezes, nos incêndios de 2015 e 2017.
“A principal mensagem que trazemos com o estudo é o impacto que o fogo tem na floresta em termos de mudança de estrutura, considerando biomassa, área basal, carbono e composição florística. Todo mundo hoje fala de carbono, mas nós temos hoje uma grande parte da Amazônia degradada pelo fogo. Então, temos que olhar essa questão com preocupação, porque as florestas estão queimando e o fogo faz com que você tenha uma perda de até 71% de carbono”, explicou a ((o))eco Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi e uma das autoras do estudo.
O trabalho ressalta que as perturbações humanas na floresta – incluindo efeitos de borda e extração seletiva de madeira – abrem o dossel e permitem que os incêndios se propaguem. O fogo também atua como uma perturbação que promove mais incêndios. Florestas em regeneração, surgindo após incêndios florestais, frequentemente apresentam altas densidades de espécies pioneiras de rápido crescimento e demandantes de luz. Essa nova estrutura florestal tende a ser mais inflamável do que a floresta original não perturbada, tornando as florestas em regeneração mais vulneráveis a incêndios subsequentes e potencialmente criando um ciclo de feedback de degradação.
“Nossas descobertas destacam a necessidade urgente de garantir um futuro resiliente para as florestas amazônicas com ações necessárias para apoiar os meios de subsistência locais, ao mesmo tempo em que reduzimos a prevalência de fontes de ignição e permitimos a recuperação da floresta”, diz trecho do trabalho.
Segundo Vieira, o estudo sobre o impacto do fogo nas florestas, realizado com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS), deve ser continuado, com aumento de amostragem para áreas que queimaram em três eventos de fogo.
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