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Fim dos lixões, uma promessa reciclada

Fim dos lixões, uma promessa reciclada

O não cumprimento do prazo para o fim dos lixões encerrado em 02 de agosto de 2024, conforme previsão do art. 11 do assim denominado “Novo Marco do Saneamento Básico”, instituído pela Lei 14.026/20, pode ocasionar alguns impactos bastante indesejáveis aos municípios e seus gestores.

Apesar das claras diretrizes expostas na lei, é preciso, no entanto, considerar a realidade enfrentada por muitos entes municipais e os desafios que obstaculizam a sua implementação, incluindo desde a falta de recursos financeiros e infraestrutura adequada, até a necessidade de capacitação técnica para os profissionais envolvidos na gestão de resíduos.

Registre-se que, o fim dos lixões é essencial não apenas para atender às exigências legais, mas também para garantir a saúde pública, a proteção ambiental e a melhoria da qualidade de vida da população, de modo que, caberia aos gestores municipais dedicar especial atenção ao cumprimento deste quesito essencial.

 O grave atraso nas políticas de saneamento ambiental é sinalizado por estimativa da Associação Brasileira de Resíduos e (Abrema), que indica que o número de lixões ainda existentes no país pode chegar a 3 mil, o que significa que em aproximadamente 32% dos municípios essa destinação inadequada persiste.

Nesse sentido, cumpre ressaltar que, a Lei n.º 14.026/2020 assegura a econômico-financeira da gestão ambientalmente adequada de resíduos ao prever a cobrança pelos serviços, incluindo no art. 29 a remuneração pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, que na hipótese de prestação dos serviços sob regime de concessão, poderão ser arrecadados pelo prestador diretamente do usuário.

Assim, se verifica que, os municípios que deixarem de atender essa meta essencial para a garantia da disposição final ambientalmente adequada dos resíduos, poderão sofrer conseqüências jurídicas, econômicas, políticas e sociais, dentre as quais destacamos as seguintes: 

1. Sanções Administrativas, que podem incluir multas e outras penalidades impostas pelos órgãos de controle e fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os órgãos ambientais municipais.

2. Responsabilidade Civil, uma vez que a não conformidade com a legislação pode resultar em ações civis públicas movidas por cidadãos, organizações não governamentais ou pelo próprio Ministério Público, visando responsabilizar o município por danos ambientais e à saúde pública, com pedidos de reparação e compensação por danos causados.

3. Implicações na Captação de Recursos, dado que osMunicípios que não cumprirem as exigências legais podem ter dificuldades em acessar recursos federais e estaduais destinados à melhoria da infraestrutura de saneamento e gestão de resíduos, limitando a capacidade de investimentos em projetos essenciais.

4. Perda de Credibilidade e Confiança, já que o não cumprimento das normas pode afetar a credibilidade da administração municipal, gerando desconfiança e insatisfação por parte da população, resultando em pressão política e social para mudanças na gestão.

 5. Ações Judiciais, pois a falta de ações eficazes para erradicar os lixões pode levar à judicialização da questão, com o Ministério Público ou outras entidades movendo ações judiciais para obrigar os municípios a cumprirem a legislação, podendo resultar em decisões judiciais que impõem medidas urgentes.

6. Impactos na Saúde Pública e Ambiente, visto que a continuidade dos lixões pode levar à deterioração das condições de saúde pública e ao agravamento de problemas ambientais, resultando em custos adicionais para o município em termos de saúde pública e recuperação ambiental.

7. Responsabilidade Penal, como, em casos extremos, a inação ou negligência na gestão de resíduos pode resultar na responsabilização penal dos gestores públicos, especialmente se houver evidências de que essa inação causou danos graves à saúde ou ao meio ambiente.

8. Repercussões Políticas, já que o não cumprimento da legislação pode ter repercussões políticas significativas, incluindo a possibilidade de perda de cargos eletivos em eleições futuras ou a pressão por mudanças na administração municipal.

9. Obrigações de Ajustes, visto que, em decorrência da legislação, os municípios são obrigados a planejar e executar ações para adequação da gestão de resíduos, e a falta de cumprimento pode levar a um estado de emergência em saneamento, exigindo ações imediatas com supervisão externa.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 2.554/2023, de autoria do deputado federal João Paulo Martins, que propõe a ampliação do prazo para o encerramento dos lixões no , prorrogando a meta para o ano de 2030.

O referido projeto encontra-se em análise na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e, se aprovado, poderá trazer um fôlego financeiro e operacional para os municípios, especialmente os de menor porte, que enfrentam grandes desafios na implementação de políticas públicas de gestão de resíduos sólidos.

No último sábado (20), o Lixão da Estrutural, como era chamado o maior lixão da América Latina em atividade, foi desativado. Foram 60 anos que o lixão a céu aberto. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Segundo justificativa do autor, a proposta busca adequar a legislação à realidade enfrentada por muitos municípios, sobretudo diante das dificuldades financeiras decorrentes da pandemia de Covid-19, o que de certa forma promove algum sentido considerando todos os impactos ainda em mitigação da crise pandêmica.

Conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, no art. 225, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

A não observância desse princípio basilar vincula diretamente a responsabilidade dos gestores públicos no cumprimento das metas ambientais, sendo que a ampliação do prazo não exime os municípios de seus deveres constitucionais, mas reconhece as limitações estruturais e financeiras.

Como pontua Édis Milaré, “a efetividade do Direito Ambiental não pode prescindir de um equilíbrio entre a preservação ambiental e a viabilidade econômica e social das políticas públicas” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 11ª ed. São Paulo: RT, 2020, p. 428).

Além disso, a medida atende ao princípio da segurança jurídica, previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que busca garantir estabilidade e previsibilidade nas relações jurídicas.

A ampliação do prazo, se aprovada, evitará a judicialização em massa de demandas ambientais, promovendo uma transição mais planejada e sustentável para os municípios na gestão de seus resíduos sólidos, mitigando os efeitos mencionados.

Reporta-se como relevante indicar que sanções, ressalvadas questões individualizadas de gestores, criam impactos sociais e econômicos da imposição pelas sanções aos municípios, afastando o necessário fortalecimento da cooperação interinstitucional e a busca por soluções tecnológicas adequadas à realidade brasileira.

Assim, ao passo que o descumprimento dos prazos estipulados pelo marco regulatório para o fim dos lixões pode redundar em graves desdobramentos, por outro lado, o atendimento desta exigência fundamental revela uma gestão comprometida com as metas de saneamento básico.

Por certo, o comprometimento com essas metas essenciais é um aspecto relevante para atração de investimentos, potencializando a economia municipal, e, certamente, implicará na redução de custos para a saúde pública.

Ademais, pela destinação ambientalmente adequada de rejeitos, poderão ser implementadas tecnologias avançadas de tratamento, como usinas de recuperação energética, e plantas de Tratamento Mecânico Biológico.

Conclui-se que a implementação de uma política ambiental robusta, focada no encerramento definitivo dos lixões, não é apenas uma imposição normativa, mas um imperativo ético e estratégico. Ao resguardar o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/88), os gestores municipais contribuem para o fortalecimento de uma sociedade mais justa e sustentável, alinhada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à equidade intergeracional. Como bem afirmou o jurista e filósofo Ronald Dworkin, “a integridade da lei exige que a comunidade trate seus membros como iguais em sua preocupação e respeito” – um ideal que, aplicado ao contexto do saneamento, revela a centralidade da justiça ambiental na agenda pública.

Portanto, o enfrentamento dos desafios estruturais e econômicos deve ser visto não como um obstáculo intransponível, mas como uma oportunidade para promover inovação e cooperação. A aprovação de iniciativas legislativas, como o Projeto de Lei n.º 2.554/2023, pode representar uma transição mais humanizada e realista, sem prejuízo do compromisso com a legalidade e a eficiência na gestão de resíduos. A trajetória futura dos municípios brasileiros, nesse sentido, dependerá de uma visão integrada e responsável, capaz de equilibrar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, assegurando um legado sustentável para as gerações vindouras.

Assim, que os governantes, em seu exercício de criatividade legislativa, não confundam o verdadeiro sentido da reciclagem – tão caro às políticas ambientais – com a perpetuação do hábito de postergar obrigações legais já impostas.

Que o novo projeto de lei, em sua nobre intenção de adequar prazos à realidade nacional, seja a última prorrogação de um cronograma que insiste em parecer elástico demais para os direitos constitucionais ao meio ambiente equilibrado e à saúde pública, quando finalmente a única coisa reciclada seja o lixo – e não os compromissos legais tão solenemente assumidos. Afinal, o país merece gestores que inovem em soluções, não em desculpas.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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