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Família de Julieta luta para crime ser reconhecido como feminicídio

Família de Julieta luta para crime ser reconhecido como feminicídio

A Miss Jujuba, que percorria o país em apresentações como palhaça circense, foi assassinada em Presidente Figueiredo (AM), a caminho da Venezuela. Crime foi classificado como latrocínio, o que a família de Julieta e movimentos feministas contestam. Na imagem acima, a irmã da vítima, Sophia Hernandez (camisa lilás) (Foto: Danilo Mello/Aleam).


Manaus (AM) – Uma mobilização liderada pela família da artista circense e feminista Julieta Inés Hernández, a Miss Jujuba, cruelmente assassinada em Presidente Figueiredo, a 124 km de Manaus, no Amazonas, no fim do ano passado, pede para que o crime seja reconhecido como feminicídio pelo Poder Judiciário.  A ação é articulada em parceria com a União Brasileira de Mulheres (UBM) e evidencia as falhas na investigação do caso, que foi denunciado pelo Ministério Público do Amazonas como crime de latrocínio (roubo seguido de morte), estupro e ocultação de cadáver. 

A família da palhaça assassinada solicita a alteração da tipificação do crime, considerando que a violência contra Julieta apresenta características de um crime misógino e xenófobo, por ela ser mulher e migrante venezuelana. 

“Seu caso foi encerrado rapidamente, sem mais interrogatórios nem investigações e classificado como latrocínio. Mas seus objetos não foram roubados nem vendidos, foram escondidos para ocultar o crime”, afirmou Sophia Hernandez, irmã da artista, no plenário da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) nesta terça-feira (11).

Fundadora da  Rede Venezuelana de Palhaças, Julieta estudou no Centro de Teatro do Oprimido (CTO) e na Escola Livre de Palhaços (ESLIPA) no Rio de Janeiro. Ela foi assassinada enquanto viajava pelo de bicicleta, a caminho de seu país de origem, a Venezuela, onde passaria o final do ano. Foi uma das incentivadoras da criação do Grupo Magdas Migram e do coletivo Pé Vermei. Após a morte, artistas circenses, ciclistas, feministas e movimentos sociais realizaram manifestações em várias cidades do Brasil e do exterior, cobrando justiça. Também denunciaram a violência contra as mulheres. O sepultamento do corpo da artista foi no dia 12 de janeiro em Puerto Ordaz, na Venezuela.

Em entrevista à Amazônia Real, Sophia Hernandez declarou que não há outra maneira de classificar o caso. Ela participou de uma manifestação no Legislativo estadual com as presenças de Vanja Santos, da UBM; Dora Brasil, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher; e Denise Motta Dau, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Ministério das Mulheres.

“Primeiro, porque quando é latrocínio são menos anos de condenação e os tratamentos são diferentes e segundo e mais importante é porque foi um feminicídio e não podemos chamar por outro nome um crime de gênero. Julieta morreu por ser mulher, migrante e por viver uma vida em liberdade, como nós mulheres devemos viver”, disse.

Em nota publicada no dia 6 de junho, o Ministério das Mulheres manifestou apoio à ação. Segundo o comunicado, “o Ministério reconhece a preocupação dos familiares e advogados de Julieta pela ausência do devido tratamento jurídico ao caso como uma grave violação de direitos humanos das mulheres e dos migrantes e reforça a crença nas instituições brasileiras para que este caso e o de todas as mulheres que recorrem à Justiça não fiquem impunes, por suas vidas e pelo direito à memória”.

O Ministério declarou que irá monitorar e acompanhar o caso no âmbito jurídico e também político, ressaltando a importância de qualificar profissionais da área da segurança pública para investigar e julgar crimes com características de violência de gênero e feminicídio.

Nesta semana, a secretária Denise Motta Dau está ao lado de familiares e amigos de Julieta em uma visita aos órgãos públicos envolvidos no processo, como o Ministério Público do Amazonas, Tribunal de Justiça e delegacia do município de Presidente Figueiredo. Questionada, a representante do Ministério das Mulheres afirmou que o órgão está comprometido em dialogar com as autoridades no Tribunal de Justiça, na Defensoria Pública e no Ministério Público.

“Estamos empenhadas por conta de todas as características do crime envolvendo violência sexual e tortura contra a Julieta. O crime tem nitidamente traços de violência de gênero e portanto está qualificado dentro das características de um feminicídio por conta destas condições. Nós do Ministério das Mulheres estamos apoiando o pleito da família e dos advogados para essa reclassificação”.

Crime de gênero

Sophia Hernandez, irmã de Julieta Hernandez, ao lada da intérprete no plenário da Assembleia (Fotos: Danilo Mello/Aleam).

Para Sophia, há dificuldade em comprovar para as autoridades que os crimes cometidos contra mulheres são violência de gênero, principalmente relacionada à questão do feminicídio. Quando a família descobriu que o crime foi classificado como latrocínio,  ficou indignada. 

“Para mim não é difícil provar que é um feminicídio, é muito fácil, está aí para todos verem. O difícil é  que seja classificado como feminicídio pelo patriarcado, pelo machismo e pela falha judicial que há no estado do Amazonas”, manifestou.

Em Presidente Figueiredo, segundo a Polícia Civil, Julieta se hospedou no Espaço Cultural Mestre Gato, no dia 21 de dezembro de 2023. Ela estava de passagem pela cidade. O local é um espaço de apoio a viajantes, na rodovia BR-174, e fica a 15 minutos a pé do centro. Na madrugada do dia 23 de dezembro, a artista desapareceu. Um boletim de ocorrência foi registrado no dia 4 de janeiro. No dia seguinte, o casal Thiago Agles da Silva e Deliomara dos Anjos Santos confessou a autoria do assassinato. O corpo de Julieta foi encontrado no dia 6 de janeiro, no terreno do Espaço Cultural.

A Amazônia Real mostrou que ela chegou a comprar leite para os cinco filhos do casal, pois a família vivia em situação vulnerável.

De acordo com as investigações, a artista foi estuprada e teve o corpo queimado pelo casal, o que para o advogado Carlos Nicodemos, representante da família, atesta os elementos objetivos de um caso de feminicídio. “Existiu ali uma evidência em relação a intencionalidade de agredir, violar, praticar misoginia e xenofobia. Isso só se evidencia na legislação penal como crime de feminicídio, o que não foi efetivamente apresentado pelo Ministério Público nem recepcionado inicialmente pelo Poder Judiciário”, afirmou em entrevista coletiva.

A acusação vai protocolar no processo um pedido para que haja a reclassificação da tipificação do latrocínio para feminicídio. Nicodemos ressaltou que o caso de Julieta viola vários tratados internacionais de direitos humanos, especialmente a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, a “Convenção de Belém do Pará” (1994), da qual o Brasil é signatário. 

“É um caso em que a Justiça deu uma resposta rápida, porém não condizente com aquilo que nós acreditamos que existe no próprio processo. É um caso que reúne todos os elementos de feminicídio”.

Conforme especialistas no tema, o assassinato de uma mulher é considerado feminicídio mesmo quando cometido por pessoas desconhecidas da vítima. Um exemplo  é um caso de estupro com morte, quando o autor não conhece a vítima. O feminicídio é o ato de matar uma mulher por razões que envolvam a violência doméstica e familiar, o menosprezo ou a discriminação à condição feminina. A penalidade é mais alta e sem multa por ser crime hediondo: a reclusão sobe de 12 para 20 anos, com o máximo de 30 anos em regime fechado.

Sophia afirma que sua luta é por justiça pela irmã, Julieta, e por todas as mulheres que morrem no Brasil. “Os dados são escandalosos”, disse. A família também pretende lutar para desvendar o que aconteceu em Presidente Figueiredo. A irmã da artista fará uma visita ao local do crime para entender porque a polícia classificou o caso como latrocínio. Ela disse que quando sua irmã estava desaparecida, o telefone da delegacia de Presidente Figueiredo não funcionava. 

“Todos os dias tentamos enviar denúncias e não funcionavam os telefones, emails, e a polícia foi a última a procurar pela minha irmã. Pela segunda vez estou em Manaus por uma mobilização muito grande que busca justiça necessária no caso, que é internacional e merece toda atenção nesse momento”, finalizou.

Direito à liberdade

Vanja Santo, da UBM Amazonas no plenário da Assembleia do Amazonas (Foto: Danilo Mello/Aleam).

Vanja Santos, presidente da União Brasileira de Mulheres, reforça que o movimento pela mudança na tipificação do crime contra Julieta para feminicídio é necessário para “abalar a estrutura machista da sociedade”.

“Nós lutamos para estar vivas e nós lutamos pelo direito à liberdade, por isso esse caso de Julieta para nós é muito emblemático nesse sentido. Nós só vamos conseguir balançar  com essa estrutura machista com formação e capacitação de agentes de poder para trabalhar com o combate à violência contra a mulher, o combate ao feminicídio. Não é possível que um tribunal e que uma polícia não leve a questão de gênero em consideração”.

Na segunda-feira (10), a Defensoria Pública do Estado do Amazonas recebeu Sophia Hernández, na companhia da defensora Carol Carvalho, que atua junto à Procuradoria da Mulher da Aleam, liderada pela deputada estadual Alessandra Campelo, além dos advogados da família e representantes da UMB. A Defensoria afirmou que vai atuar em defesa da vítima, além da punição exemplar dos crimes que atingem as mulheres em razão do gênero.

Na Defensoria, a comitiva foi ouvida pelo defensor público geral do Amazonas, Rafael Barbosa. Barbosa destacou que, no caso de Julieta, além do crime envolver a questão de gênero, envolve também “a xenofobia e a agressão a uma pessoa que é uma defensora dos direitos humanos”. 

“Em razão disso, a Defensoria Pública vai atuar além do seu papel de defender os acusados, trabalho que será feito pelo defensor que hoje atua na Defensoria de Presidente Figueiredo, mas também vai atuar em defesa da vítima”, disse. 

“O latrocínio é um crime de roubo seguido de morte e o feminicídio é um crime cometido contra uma mulher pelo fato dela ser mulher. Ela [Julieta] foi estuprada, torturada e queimada viva. O roubo dos seus pertences se deu no sentido apenas de esconder o crime, não foi o objetivo principal”, disse a deputada Alessandra Campelo. 

Ela lembra que o crime de latrocínio não é julgado em júri popular, ao contrário do feminicídio, e que embora as penas possam ser parecidas nos dois casos, tipificar o crime contra Julieta de forma correta “é uma questão de justiça social, porque a gente não pode admitir que quando uma mulher é morta por ser mulher o crime seja considerado um latrocínio. Os homens todos os dias são roubados e eles não são estuprados”.

Uma moção que pressiona o Judiciário pela mudança na tipificação do crime foi requerida pela deputada Alessandra Campelo durante a manifestação no plenário. O pedido foi aprovado por todos os 24 parlamentares e será enviada ao Ministério Público do Amazonas e ao Tribunal de Justiça do Amazonas.

Durante a Cessão de Tempo na Aleam, mulheres pedem Justiça para Julieta (Foto UBM Amazonas).

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