A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) identificou, em 2008, que a população de macacos-aranha-de-cara-branca, espécie endêmica da porção central da Amazônia, estava em preocupante declínio. O primata é considerado globalmente “Em Perigo” de extinção. A situação dele, no entanto, pode piorar ainda mais se as forças econômicas e políticas de Mato Grosso conseguirem, de fato, extinguir o Parque Estadual Cristalino II.
Alvo de grande pressão da agropecuária mato-grossense e de um imbróglio jurídico que dura mais de uma década, a unidade de conservação abriga grande parte da população de macacos-aranha-de-cara-branca da Amazônia. Se o parque for mesmo extinto e sucumbir a tais pressões (leia mais abaixo), a estimativa de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) é que a perda para a espécie possa chegar a 12 mil indivíduos.
O macaco-aranha-da-cara-branca – ou coatá-da-testa-branca (Ateles marginatus) – ainda é pouco conhecido da Ciência. Não se sabe ao certo quantos animais existem na natureza, mas a avaliação feita pela IUCN indicou que sua população diminuiu 50% nos últimos 75 anos.
Tal declínio é atribuído à caça e, principalmente, à perda de habitat. A área de distribuição da espécie estende-se entre o Pará e o Mato Grosso, mas apenas entre o rio Tapajós e seu tributário, o rio Teles Pires, e o rio Xingu.
“Este primata ocorre em uma das porções amazônicas mais ameaçadas. Tem uma série de empreendimentos previstos e outros já implementados que colocam uma pressão enorme sobre essa espécie”, diz o professor do programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFMT, Gustavo Canale.
Entre os empreendimentos citados pelo pesquisador estão as rodovias Transamazônica e a BR-163, além do complexo de usinas hidrelétricas do Tapajós e o projeto de ferrovia Ferrogrão, que impactam diretamente a área de ocorrência do primata.
Apesar de não haver ainda estimativa de população em toda sua área de ocorrência, sabe-se que dentro do Cristalino II há grande concentração da espécie.
Para chegar à estimativa de 12 mil indivíduos, Canale e outros pesquisadores consideraram o tamanho de cada grupo dos primatas lá existentes – cerca de 20 indivíduos –, a área de vida deles – 200 hectares –, e o tamanho total do parque, que tem 118 mil hectares.
“É uma extrapolação, mas isso equivaleria a perder duas vezes e meia a população inteira de micos-leão-dourados. Essa comparação ajuda a entender como a extinção do parque, apesar de parecer pequeno dentro da área de distribuição dessa espécie, traria um impacto enorme numa população”, diz o professor, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia e professor da pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT).
Sem chance de adaptação
Segundo Canale, a perda de tantos indivíduos da espécie, neste local específico, coloca o primata em situação ainda mais vulnerável quando considerado o futuro de mudanças no clima
Isso porque a região do Cristalino II está inserida em uma área de transição entre floresta úmida e cerrado, fazendo com que as espécies que ali vivem estejam mais adaptadas a ambientes mais secos e com menos vegetação florestal. Em um cenário previsto de seca e savanização da Amazônia, saber viver em ambientes assim será vital.
“A gente precisa proteger todo o pool genético dessa espécie, porque existe a possibilidade de as espécies mais ao sul, que estão em áreas mais secas, estarem melhor adaptadas às mudanças climáticas. Se eliminamos essas populações ao norte de Mato Grosso [onde o parque está inserido], a gente estará perdendo um pool genético que pode ser importante para o futuro”, diz o pesquisador.
Além disso, a pressão não é somente sobre essa espécie de primata. Segundo levantamento de biodiversidade realizado no âmbito do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), o Cristalino II possui outras 11 espécies de mamíferos de grande porte em perigo de extinção, entre eles o cuxiu-de-nariz-vermelho (Chiropotes albinasus), tatu-canastra (Priodontes maximus), bugio-de-mãos-ruivas (Alouatta belzebul) e onça pintada (Panthera onca).
Pressão crescente
Até julho de 2021, o Parque Estadual Cristalino II havia perdido cerca de 10 mil hectares de vegetação nativa. Após essa data e somente nos últimos anos, outros 13.840 hectares foram destruídos.
Foi justamente no final de 2021 que a Justiça Estadual do Mato Grosso decidiu pela extinção do parque, com o consequente agravamento do cenário de ameaças à unidade de conservação.
Os números do desmatamento foram levantados pelo Observatório Socioambiental do Mato Grosso (Observa-MT) e instituições parceiras na defesa da unidade – Rede Nacional Pró-Unidade de Conservação (Rede Pró-UC), Instituto Centro de Vida (ICV), Fundação Ecológica Cristalino (FEC) e Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad-MT).
Além do desmatamento, as organizações identificaram um boom de requerimentos de mineração. Até 2018, foram registrados 16 pedidos. Em 2022, após a decisão da Justiça Mato-Grossense, outros 46 pedidos foram feitos.
Mais recentemente, em 23 de abril de 2024, um recurso aberto pelo Ministério Público pedindo a revogação da decisão foi negado. Após a data, outro novo requerimento de mineração foi protocolado.
“Números de incêndios florestais, inclusive sobre áreas embargadas, e invasões, também passaram a se multiplicar”, diz o Observa-MT.
Entenda o caso
O pedido de extinção da unidade veio de uma empresa privada, a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo LTDA, que está instalada dentro e no entorno do Parque. A ação foi movida em 2011, sob a alegação de que os ritos processuais de criação do Cristalino II não haviam sido seguidos.
Ao longo da última década, o pedido da Triângulo foi negado em 1ª e 2ª instâncias. A empresa então recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a ação voltou a tramitar no Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT).
Em agosto de 2022, o TJMT decidiu, por 3 votos a 2, pela anulação do decreto que criou o Parque Estadual do Cristalino II. Réu no processo, o governo de Mato Grosso não recorreu dentro do prazo legal e com isso a decisão transitou em julgado
Por uma falha processual, o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), que é parte da ação, não foi citado sobre a decisão e sobre os prazos de recurso. Com isso, o processo foi reaberto e o MPMT pôde tentar reverter a decisão ao apresentar um recurso de Embargo de Declaração. O recurso foi negado no dia 24 de abril pelo TJMT e o decreto de criação da unidade tornou-se novamente nulo.
Na última semana, a União entrou na ação, pedindo a revogação das decisões judiciais anteriores, sob a alegação de que os títulos de posse da Triângulo eram nulos e, portanto, a empresa não tem direito de requerer nada. O embargo da Advocacia Geral da União (AGU) ainda será sendo analisado.
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