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ToggleHá uma aura pulsante de mistério, misticismo, superstição e obscuridade ao redor da Romênia. Lar de lendas e histórias emblemáticas, como a dos vampiros, famosa por sua associação com o Drácula, de Bram Stoker, o país sustenta também uma influente tradição folclórica relacionada ao sobrenatural que estende suas raízes para todos os aspectos da sociedade.
Devido à sua forte relação com crenças e tradições religiosas, a Romênia, mais até do que muitos outros países, possui um laço muito estreito com exorcismos. A prática está associada à Igreja Católica, mas também é presente em diversas outras religiões, como as de matrizes africanas e judaicas, e envolve a desobsessão de uma pessoa possuída por entidades malignas ou demoníacas.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O exorcismo é muito mais conhecido na vertente católica, disseminado em livros e filmes ao longo das décadas, e envolve um processo rigoroso que inclui a avaliação de um clérigo treinado e a autorização de uma entidade eclesiástica, seguindo as normas impostas diretamente pelo Vaticano.
Em 2005, no coração de um convento ortodoxo no nordeste da Romênia, aconteceu o famoso exorcismo de Tanacu, em que uma freira com esquizofrenia foi torturada, uma atrocidade que expôs mais que a relação problemática da Igreja com a saúde mental, mas também do passado sociopolítico de repressão religiosa da Romênia.
As vozes de Cornici
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Quase nada se sabe sobre quem exatamente foi Irina Cornici. Nascida em algum momento de 1989, ela fazia parte de uma família financeiramente bem estruturada, mas após o suicídio dos pais, ela e o irmão acabaram em um orfanato. Aos 19 anos, Cornici começou a trabalhar como babá na Alemanha até que foi convencida por uma amiga que havia se tornado freira no mosteiro da Igreja Ortodoxa Romena de Tanacu, no condado de Vaslui, a fazer os votos e se tornar uma também.
Portanto, em janeiro de 2005, aos 23 anos, a jovem se mudou para o mosteiro para dar início à sua vida dedicada a Deus. Naquele mesmo mês, Cornici começou a rir durante as missas. De maneira incontrolável, ela também zombava e falava sozinha constantemente. Em abril, seu estado piorou a ponto de um médico ser chamado ao mosteiro para avaliá-la.
“Ela pensava que o diabo estava falando com ela e disse que ela era uma pessoa pecadora”, relatou Gheorghe Silvestrovici, o médico e psiquiatra que a tratou, em entrevista à NBC News. “É um sintoma de esquizofrenia e ela provavelmente estava tendo seu primeiro episódio.”
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Cornici foi encaminhada a um hospital psiquiátrico próximo, onde permaneceu em tratamento por duas semanas. Apesar disso, a comunidade no mosteiro seguiu avessa à possibilidade de Cornici sofrer de alguma doença mental e as invenções fantasiosas apenas pioraram seu caso. A amiga mais próxima da jovem afirmou que “Satanás” havia conversado com ela antes de tomar seu corpo.
Quando Cornici voltou ao mosteiro, em 20 de abril, o padre Daniel Petre Corogeanu e as freiras já haviam decidido que a jovem seria submetida a um exorcismo. Com isso, a fim de contê-la de movimentos violentos e bruscos, eles a algemaram de braços abertos a uma cruz de madeira e a ungiram com água-benta. Antes de se ajoelharem à frente dela para orarem, para que seu espírito fosse liberto do poder maligno, eles a amordaçaram para impedi-la de caçoar e amaldiçoar.
A jovem foi mantida assim por três dias até que seus protestos pararam e o padre determinou que ela estava “curada”. Eles a desceram da cruz e a colocaram em um quarto, onde recebeu pão e chá.
Cornici desmaiou logo após comer e as freiras não conseguiram acordá-la. Uma ambulância foi chamada e a jovem recebeu seis doses de adrenalina para seu pulso fraco, mas, antes de chegar ao hospital, já estava morta.
Uma nação em choque
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A polícia foi acionada pelos médicos do hospital ao perceberem as marcas nos punhos e tornozelos de Cornici. Além disso, a autópsia afirmou que a jovem morreu de desidratação, exaustão e falta de oxigênio.
Acusados de homicídio qualificado, o padre e as freiras foram submetidos a um interrogatório que durou 11 horas. A um jornal romeno, Corogeanu ainda afirmou que “você não pode tirar o Diabo das pessoas com remédios” e que, portanto, um exorcismo se faz necessário.
A irmã Nicoleta Arcalianu, que também foi indiciada, afirmou que Cornici sabia que estava possuída por espíritos malignos porque estava “implorando para que a amarrássemos e a ajudássemos”.
A nação romena ficou chocada com o caso, que dominou a mídia do país, com um jornal chegando a declarar em sua primeira página: “A Romênia na Idade Média”. Muitas pessoas, sobretudo jovens das áreas rurais, puderam se relacionar com a história de vida de Cornici. A criação em orfanatos, depois a mudança para mosteiros e conventos ortodoxos em busca de ajuda espiritual ou comida e abrigo sempre foi a crônica mais antiga da Romênia. Não é para menos que a Igreja é a instituição considerada a mais confiável pelos habitantes do país.
O problema do país
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Mas a morte de Irina Cornici foi muito mais do que uma questão de fé equivocada — é um reflexo sombrio do crescimento explosivo da influência da Igreja desde o fim do governo de extrema-esquerda do líder Nicolae Ceausescu.
Por longos 15 anos, a religião foi controlada pelo Estado como parte das políticas autoritárias e repressivas do governo, inclusive a Igreja Ortodoxa que, apesar de ter assumido uma posição privilegiada durante o regime, serviu como instrumento de controle estatal. Ou seja, as autoridades religiosas eram monitoradas pelo governo e até coagidas a cooperar com o regime para “passar a mensagem adiante”.
Sendo assim, os cristãos romenos, no geral, enfrentaram vários tipos de perseguição e repressão pelo regime de Ceausescu, como restrições à prática religiosa, fechamento de igrejas e prisão a quem se opunha ao regime.
Quando a Revolução Romena de dezembro de 1989 derrubou o governo, o país experimentou uma onda de hipervalorização da religiosidade como resposta a anos de repressão. Não é para menos que a liberdade religiosa hoje é protegida pela Constituição, e os cristãos, assim como outros tipos de religiosos, podem professar e praticar sua fé livremente.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O que aconteceu é que a Romênia sofreu do mesmo problema que algumas regiões que estavam sob influência da União Soviética — um “descontrole” do clero, que permitiu que algumas instituições, como o mosteiro de Tanacu, ficassem à mercê de pessoas despreparadas como o padre Corogeanu. Além disso, com muitas igrejas sendo construídas, houve uma espécie de competição que saiu do controle. As autoridades religiosas já não conseguiam mais mapear o que estava acontecendo.
Segundo Dan Ciachir, especialista em Igreja Ortodoxa Romena, a pressão da demanda significa que qualquer pessoa pode se tornar padre. “Não há mais seleção. A quantidade substitui a qualidade”, disse ele ao The New York Times.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O padre Corogeanu foi um exemplo disso. Dez anos antes do crime, ele era apenas um jogador de futebol em Vaslui, sua cidade natal, que não seguiu na carreira porque não conseguiu ser aceito na Universidade de Bucareste. Sendo assim, optou por estudos religiosos na Universidade de Iasi e, um ano depois, foi recrutado por um empresário para construir um mosteiro nas colinas perto da cidade. Logo em seguida, ele foi ordenado pelo bispo local e acabou assumindo a administração do mosteiro.
Em 2007, Corogeanu foi condenado a 14 anos de prisão, enquanto as quatro freiras receberam sentenças entre 5 e 8 anos de encarceramento.
E, apesar de tudo, para muitas pessoas, a prisão dessas figuras religiosas segue sendo uma injustiça, porque muitos acreditam que Cornici estava realmente possuída por algo maligno.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Mega Curioso e são de total responsabilidade do autor.
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