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Estupro coletivo e morte de mulher Baré são alerta para violência de gênero entre indígenas no Amazonas

Estupro coletivo e morte de mulher Baré são alerta para violência de gênero entre indígenas no Amazonas

Crime em Barcelos, no interior do Amazonas, causou comoção na cidade. Liderança indígena cobra justiça para a vítima do povo Baré. Na foto acima, Polícia Civil prende indígenas Yanomami envolvidos no estupro e no assassinato. (Foto: Ascom/Polícia Civil do Amazonas)


Manaus (AM) – Por volta do meio-dia da última sexta-feira (03), o corpo da indígena Rosimar Santos de Oliveira, do povo Baré, foi encontrado com marcas de violência e estupro em um capinzal no município de Barcelos (a 399 quilômetros de Manaus), no Amazonas. A indígena tinha 45 anos.

Três indígenas Yanomami são suspeitos de serem os autores dos crimes após um vídeo gravado pelos próprios homens circular na internet. Um quarto indígena está envolvido por ter ajudado na fuga dos criminosos. Dois indígenas foram presos nesta terça-feira (07).

Esta é a primeira vez na Amazônia que há registro de crime de estupro coletivo entre povos indígenas. É inédito também o registro de violência de gênero por parte de indígenas Yanomami em contexto urbano ou dentro dos territórios. Barcelos, que fica na margem direita do Rio Negro, tem uma população de 18.831 pessoas (segundo o IBGE). A comoção tomou conta do município, que abriga parte da Terra Indígena Yanomami.

Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, a pedagoga Maria Gelsima Nunes Ferreira, de 44 anos, do povo Yanomami, que integra Associação Indígena de Barcelos (Asiba), da qual Rosimar era a coordenadora, desabafou com indignação. “Foi cruel, foi brutal. Um homem só pegar uma mulher à força já é ruim, imagine quatro homens te agarrando, te batendo, te dando socos, te desmaiando e depois de você já praticamente estar morta ainda ser abusada, é muita crueldade, muita crueldade mesmo”.

Maria Gelsima disse que, mesmo sem desejar, chegou a ter acesso ao vídeo que circulou nas redes sociais. Sobre os acusados, ela revelou que os indígenas Yanomami “estiveram bebendo no dia primeiro de janeiro”. 

“Existe uma portaria escrita pela Funai proibindo vender bebida alcoólica para os Yanomami, mas como no dia primeiro foi a posse do novo prefeito, havia muitos Yanomami. Como teve bebida de graça, era o 0800, então eles entravam na fila e pegavam bebida e creio que no meio beberam bastante, né?”, afirma.

O prefeito citado por Maria Gelsima Ferreira é Radinho (UNIÃO), que tomou posse do cargo no dia 1º de janeiro.

Nesta terça-feira (07), a Polícia Civil do Amazonas prendeu Sirrico Aprueteri Yanomami, de 19 anos, investigado por participar do estupro coletivo e feminicídio da indígena Baré. Durante a operação, segundo a assessoria da PC, Sandoval Aprueteri Yanomami também foi preso por auxiliar na fuga dos autores logo após a ação criminosa.

Polícia Civil do Amazonas prende indígenas por participação no feminicídio e estupro coletivo em Barcelos(AM) (Foto: Reprodução redes sociais).

Conforme a Polícia Civil, o crime aconteceu na madrugada de sexta-feira (3), na rua Vereador José Basílio, centro de Barcelos. O delegado John Castilho, titular da 75ª Delegacia de Polícia do Interior em Barcelos, disse que o corpo de Rosimar foi encontrado em um terreno abandonado na zona urbana. O crime foi filmado e compartilhado em aplicativos de mensagens. Assim que tomaram conhecimento do caso, as equipes policiais iniciaram investigações e diligências para identificar e localizar os autores.

As apurações confirmaram a participação de Sirrico Aprueteri Yanomami, já preso, além de Klesio Aprueteri Yanomami, de 26 anos, e um adolescente de 17 anos. Ambos possuem mandados de prisão e apreensão, respectivamente, mas ainda não foram localizados, segundo a assessoria da Polícia Civil. 

Durante as investigações, foi constatado que os autores conheceram a vítima na noite anterior ao crime, em uma festa na localidade. Na madrugada, quando Rosimar voltava para casa, eles aproveitaram a oportunidade para cometer o crime.

Sirrico Aprueteri Yanomami e Sandoval Aprueteri Yanomami foram localizados e presos na comunidade do Cumaru, na região do médio Rio Negro, zona rural de Barcelos.

“Esse crime grave abalou profundamente a comunidade de Barcelos, tendo em vista que as imagens do ato criminoso também foram compartilhadas em redes sociais e grupos de WhatsApp. Aproveitamos essa oportunidade para reforçar o pedido à população: não compartilhem esse tipo de conteúdo”, disse o delegado-geral adjunto da Polícia Civil do Amazonas, Guilherme Torres, em entrevista divulgada pela assessoria de imprensa.

Segundo o delegado, o suspeito Sirrico possui histórico de prática de estupro em outro Estado.

Todos responderão por estupro coletivo e feminicídio. Já Sandoval responderá por favorecimento pessoal. Eles passarão por audiência de custódia e permanecerão à disposição da Justiça.

A Amazônia Real indagou da Funai e da Hutukara Associação Yanomami (HAY) se foi constituída defesa dos indígenas, mas não recebeu resposta.

A Terra Indígena Yanomami tem 9,6 milhões de hectares – é o maior território do País e sua área geográfica fica entre os estados do Amazonas e Roraima, homologado em 1992. Os limites fronteiriços ficam entre , Colômbia e Venezuela. A população é formada por 31.223 indígenas e oito povos, inclusive isolados da sociedade nacional.

No Amazonas, os Yanomami têm acesso de viagem de barco/canoas às cidades de Barcelos, São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro. É comum encontrar os indígenas nessas localidades buscando benefícios públicos, como Bolsa Família e INSS, além de acesso à educação, saúde e trabalho. 

Atualmente, os Yanomami são os povos brasileiros mais atacados pela exploração ilegal de seu território por grupos de garimpeiros e narcotráficantes. Em reportagem especial da Amazônia Real, o líder Davi Yanomami falou sobre as marcas das agressões de garimpeiros ligados a facções criminosas que apavoram os  indígenas.

Hutukara quer justiça

Na segunda-feira (6), a Hutukara Associação Yanomami prestou solidariedade aos parentes, amigos, lideranças e associações indígenas do povo Baré pelo assassinato de Rosimar Oliveira.

“Como representantes dos povos Yanomami e Ye’kwana, trabalhamos há 20 anos em defesa dos direitos e da vida dos povos originários, por isso, manifestamos nossa indignação contra toda e qualquer forma de violência, sobretudo a violência contra as mulheres indígenas. Somos 10 associações da Terra Indigena Yanomami que unidas fortalecemos nossas lutas e não vamos deixar passar esse ato violento. Pedimos justiça! Que todos os fatos sejam apurados e os culpados penalizados. Recebam os nossos sinceros sentimentos de solidariedade e  indignação”, diz a nota.

Manifestação realizada na tarde do dia 5 de janeiro em Barcelos pede justiça. (Foto: Reprodução Rep TV Globo).

A Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam) divulgou nota repudiando o crime e se solidarizando com a família de Rosimar. A Apiam diz que seguirá acompanhando as investigações para que os responsáveis sejam devidamente responsabilizados.

“A Apiam se solidariza com a família de Rosimar e reforça seu compromisso na luta por justiça e proteção dos direitos dos povos indígenas. Reforçamos que não compactuamos culturalmente com qualquer ato que viole a vida, e/ou práticas violentas interpretadas e naturalizadas como cultura. Este crime bárbaro não pode ser esquecido”, disse a coordenadora da Apiam, Mariazinha Baré.

Machismo

Em 2 de janeiro, Maria Gelsima Nunes Ferreira estava na casa dos sogros de Rosimar de Oliveira e soube do desaparecimento inesperado da vítima. 

Na foto acima, Rosimar de Oliveira (Foto: Reprodução redes sociais).

“O esposo dela chegou lá muito aflito procurando saber se ela tinha aparecido ou passado por lá, e ele não sabia. Isso foi dia 2 e no dia 3 também pela manhã. Ele apareceu lá na casa dos pais perguntando novamente se tinham visto. Por volta das 11 horas foi quando a gente ficou sabendo que tinham encontrado um corpo”, explica Gelsima, que logo em seguida precisou ir até o local para reconhecer junto à família, apesar de não ter conseguido se aproximar por limitação da polícia. 

O que aconteceu, para Gelsima, não estava relacionado a nenhum tipo de ameaça que Rosimar poderia ter sofrido por sua atuação no movimento indígena e, sim, por simplesmente ser uma mulher indígena.

“Apesar de eu ser Yanomami e conviver muitas vezes dentro do xapono (maloca Yanomami), ir lá com eles, realmente o Yanomami homem é muito machista e na cidade de Barcelos eu praticamente presenciei homem batendo em mulher, puxando pelo cabelo, brigando”, comenta Gelsima Ferreira. 

Enquanto pedagoga, ela disse que conversa sobre o assunto com professores Yanomami para que seja trabalhadas a dignidade e a garantia de direito das mulheres nas aldeias e comunidades. 

“Muitas vezes a sociedade entra para impedir, aí existem outras pessoas que dizem ‘ah, isso é cultural’, mas isso… Não é cultura uma mulher apanhar na rua, não é cultural isso. Talvez possa ser cultural lá dentro do xapono como eles agem, mas fora… eu creio que nem dentro do xapono isso não poderia ser cultural, né?”, reflete Maria Gelsima. 

Para ela, é papel da Funai e dos demais órgãos competentes começarem a fazer projetos de conscientização dentro e fora das aldeias e comunidades, e não esperarem que casos como esse aconteçam para agir.

“Precisa começar a conscientização e deixar de tudo que acontece dentro lá da aldeia seja cultural, nós estamos avançando cada vez mais, são gente como a gente também que precisa ser conscientizado do respeito, da responsabilidade de como se comportar dentro e fora do xaporo”, diz. 

Medo do estereótipo

Após anos de luta enfrentando o racismo, indo contra a colonização, deparar com crimes cometidos pelo próprio povo traz um ar de medo e insegurança de como o povo Yanomami vai ser visto pela sociedade após o incidente. 

Maria Gelsima Ferreira teme ainda mais pelo estereótipo que deve enfrentar. “Por quatro pessoas agirem dessa forma o restante do povo Yanomami vai sofrer retaliação pela sociedade, porque já não era bem vista, né? Não era bem vista dentro da cidade e agora muito mais o medo bate que aconteça alguma coisa com alguém inocente. Que eles sejam punidos sim, conforme a lei, mas o medo também bate de acontecer algo com alguém inocente”, desabafa.  

Ela pede que os órgãos tomem medidas para evitar que a violência contra a mulher indígena continue acontecendo e passem impunes, mas teme que não aconteça nada. 

“Espero que a justiça seja feita, mas aí tem um outro lado que a gente tem que ver. Eles vão ter advogados por parte da Funai, né? E não sei como será se eles forem julgados, se forem para uma penitenciária eles irão conseguir sair de lá”, conclui. 

Mulheres pedem fim da violência

Em setembro de 2023, a III Marcha das Mulheres Indígenas teve como uma de suas principais demandas o fim da violência de gênero e de seus corpos. Enquanto oito mil mulheres caminhavam para o encerramento da marcha em Brasília, ao mesmo tempo, Maria Clara Batista, 15, do povo Karipuna, era vítima de violência sexual na cidade de Oiapoque, no Amapá. 

Ato durante a Marcha das Mulheres Indígenas (Foto: @webertdacruz / Cobertura Colaborativa).

Ela foi violentada e afogada na lama, em uma área de pântano. Ao conseguir deixar o local, procurou ajuda e foi internada, mas veio a óbito devido a uma infecção pulmonar gerada pela ingestão da lama. 

“O crime que tirou a vida de Maria Clara é um reflexo de uma sociedade que ainda enfrenta problemas como a intolerância, a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres, especialmente as indígenas. Este ato hediondo não afeta apenas a família enlutada, mas também todas as comunidades indígenas do Oiapoque, que clamam por justiça e proteção”, afirmou a Funai na época.

O que dizem as autoridades

Polícia Civil do Amazonas prende indígenas por participação no feminicídio e estupro coletivo de Rosimar Santos de Oliveira, indígena do povo Baré. (Foto: Reprodução redes sociais).

A Funai divulgou nota nesta quinta-feira (08) condenando “veementemente o crime contra a vida de Rosimar dos Santos Oliveira” que está trabalhando, junto com outras instituições, “para garantir que os suspeitos sejam responsabilizados e para que a família da vítima receba o suporte socioassistencial e psicológico adequado às suas especificidades étnicas.”

O órgão indigenista do governo federal informou que acionou a Força Nacional “para garantir a segurança e integridade da população local e mediar possíveis situações de conflitos interétnicos”.

“A Funai também tem realizado reuniões com a Associação Indígena de Barcelos (Asiba) e as comunidades Yanomami e Baré em busca de dirimir possíveis conflitos. É importante ressaltar que as comunidades condenam o crime e estão contribuindo com o processo de identificação dos envolvidos e na busca por justiça” (leia a nota completa).

A Força Nacional foi mobilizada em 4 de janeiro para prestar apoio à Funai e às forças de segurança locais, atendendo à necessidade de pacificação e preservação da ordem pública diante da situação de tensão envolvendo as etnias Yanomami e Baré.

“O efetivo da FNSP chegou à região no mesmo dia para reforçar a segurança e garantir a proteção das comunidades e do patrimônio público. Desde então, a Força Nacional tem atuado em cooperação com a Funai, as lideranças indígenas, a Polícia Civil, a Polícia Militar, a Guarda Municipal e o Exército Brasileiro. Reuniões de articulação foram realizadas para alinhar esforços na investigação do crime e promover o diálogo e a estabilização da situação local, que atualmente é considerada controlada”, diz a nota do Ministério da Justiça enviada à Amazônia Real. (Colaborou Elaíze Farias)



As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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