Foto: Camila Barbosa/Ascom Inpa
Em meio ao fragmento florestal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), em Manaus (AM), é possível encontrar quatro espécies de macacos que vivem nesse espaço. O macaco-de-cheiro (Saimiri ustus), o parauacu (Pithecia chrysocephala), o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) e o macaco-da-noite (Aotus trivirgatus). Esses animais encantam os visitantes do Bosque da Ciência, e aguçam a curiosidade científica. Uma recente descoberta, feita pela pesquisadora japonesa Makiko Take, revelou que duas dessas espécies — o macaco-de-cheiro e o parauacu — apresentam hábitos alimentares distintos.
Conforme a primatóloga, do Instituto de Pesquisa de Primatas da Universidade de Kyoto, no Japão, a pesquisa iniciou na curiosidade instigada pelo seu orientador, Takakazu Yumoto, que convidou Makiko ao Bosque da Ciência e apresentou a diversidade de macacos presentes na área florestal dentro da área urbana de Manaus, o que motivou a pesquisadora a entender como funcionava a interação desses macacos com o ecossistema local.
Intitulada ‘Ecologia alimentar de parauacu-de-cara-dourada em um fragmento florestal em Manaus, Brasil: Comparação com macacos-de-cheiro simpátricos’, a tese de doutorado de Makiko, utilizou um método bastante simples, mas, ao mesmo tempo, muito minucioso. Sentar, observar os macacos e tomar nota. A pesquisadora realizou o estudo por dois anos, período em que passava 12 horas por dia observando os macacos e anotando seus hábitos alimentares. A cada 10 minutos, Makiko verificava o que os grupos de macacos estavam fazendo e de quais árvores estavam se alimentando e registrava o comportamento dos grupos.
“Eu chegava no Inpa às 6 horas da manhã e observava os macacos até às 18 horas da noite. A cada 10 minutos eu registrava o que esses animais estavam fazendo e do que estavam se alimentando”, lembra.
Outro método de pesquisa foi a coleta de amostras dos frutos consumidos pelas espécies para medir características como tamanho, dureza e valores nutricionais, incluindo proteínas e lipídios. Essa análise foi essencial para identificar como cada espécie selecionava seus alimentos e para avaliar as diferenças entre elas.
“Eu coletei os frutos que eles consomem e medi o tamanho, a dureza e também o valor nutricional, como as proteínas e lipídios. Isso ajudou a entender como eles selecionam os frutos. Comparei os frutos que o parauacu come com os frutos que o macaco-de-cheiro come e identifiquei diferenças. O parauacu prefere as sementes de frutos verdes para suprir a proteína, já que ele não consome insetos, ao contrário do macaco-de-cheiro, que inclui pequenos insetos em sua dieta”, frisa.
Durante as observações, foi notado a capacidade do parauacu de consumir frutos, tanto verdes como maduros, o que permite que a espécie utilize a mesma árvore por mais tempo, garantindo acesso a recursos mesmo em períodos de escassez. “Essa dinâmica alimentar mostra como essas espécies se adaptaram às condições do fragmento florestal, onde o acesso aos recursos varia ao longo do ano”, explica Makiko.
O estudo contou com a participação da equipe de veterinária do Instituto. Conforme o veterinário da Prevet, empresa que presta assistência veterinária ao Inpa, Anselmo D’Affonseca, a sua colaboração na pesquisa foi para avaliar a relevância da suplementação alimentar na dieta de primatas dessa área.
“Nosso papel foi processar o alimento fornecido, ou seja, cortá-lo e distribuir nas quantidades determinadas pela pesquisadora, colocando-os em bandejas distribuídas ao longo das trilhas. Além disso, auxiliamos na instalação de balanças nas plataformas onde os alimentos eram disponibilizados, permitindo pesar alguns indivíduos e estimar o impacto da suplementação na dieta geral desses animais que vivem no fragmento”, explica D’Affonseca.
Anselmo ressalta que os resultados são relevantes e podem ser considerados inéditos. “É uma contribuição inédita para o estudo de uma população de primatas relativamente grande que prospera em um fragmento urbano de mata secundária, um ambiente restrito e modificado, os dados podem ser aplicados em estratégias de conservação, como a manutenção de populações em áreas fragmentadas ou até a reintrodução de espécies em locais onde foram extintas”, pondera.
Outra descoberta interessante foi a interação alimentar indireta entre espécies. O parauacu, com sua mandíbula composta de caninos mais fortes que o macaco-de-cheiro, consegue abrir frutos duros. Essa característica beneficia a nutrição de outros animais, como o macaco-de-cheiro e cutias, que aproveitam para se alimentar dos frutos que caem das árvores durante a alimentação do parauacu.
O estudo de Makiko foi fruto de uma parceria entre o Inpa e a Universidade de Kyoto, com financiamento do Programa de Pós-Graduação em Primatologia e Ciência da Vida Selvagem, Universidade de Kyoto, Japão, e pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS).
O pesquisador Wilson Spironello, orientador no Inpa por parte do Brasil, diz que a pesquisa ressalta a importância da cooperação internacional no âmbito de novas descobertas. “As colaborações internacionais são muito importantes porque é uma troca mútua de conhecimento e facilita o intercâmbio de alunos de um país para outro”, pontua
Makiko participou inicialmente como estudante do Projeto Museu na Floresta, onde se encantou pela diversidade de primatas da região. “Eu sempre admirei o parauacu por sua beleza e comportamento fascinante. Ele foi o foco ideal para meu estudo acadêmico”, comenta. “Eu só tenho a agradecer aos meus orientadores por seus apoios contínuos e pacientes, ao Projeto Museu na Floresta, ao Inpa e aos tratadores que sempre me auxiliaram e faziam companhia”, agradece.
Além do trabalho científico, Makiko desenvolveu um aplicativo voltado para a educação ambiental, o Projeto Making Biodiversity the Norm. “Quero que as pessoas de Manaus conheçam as vidas maravilhosas que existem aqui e entendam a importância de preservar esses fragmentos florestais. Esse aplicativo é uma maneira de conectar ciência e sociedade”, conclui.
Vera Silva, pesquisadora do Inpa e uma das coordenadoras do Projeto Museu na Floresta diz que o projeto foi uma cooperação entre o Brasil e o Japão, com apoio financeiro da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e universidades japonesas, como a Universidade de Kyoto e o Wildlife Research Center (Centro de Estudos de Vida Selvagem do Japão), coordenado pelo professor Shiro Koshima.
“Essa iniciativa foi muito importante porque permitiu várias colaborações, várias trocas de experiência e, principalmente, a formação de recursos humanos, tanto do lado do Brasil como do lado japonês, em técnicas em estudos de biodiversidade e de estudos visando a proteção da Amazônia”, comenta.
A cooperação permitiu 15 estudantes brasileiros, vinculados aos cursos de pós-graduação do Inpa, terem a experiência de estudar no Japão, uma experiência internacional em áreas de campo de biodiversidade do Japão. Além da oportunidade de conviver com colegas de outras nacionalidades, como da Malásia, da Índia e do próprio Japão.
“Eu acho que esse grupo que veio, japonês para o Brasil, e o grupo que foi do Brasil para o Japão, cria uma ligação que vai permitir futuras colaborações, cooperações e são pessoas que se interagem até hoje e vão se apoiar em diferentes momentos em relação às suas pesquisas e aos estudos da Amazônia”, frisa.
O Museu da Floresta possibilitou a construção de uma base de pesquisa e a renovação de estruturas do Inpa, que não eram reformadas há mais de 40 anos, e viabilizou melhorias na torre da ZF-2, localizada no quilômetro 14. Diversas ações foram realizadas no Bosque, incluindo a reforma da Casa da Ciência, que apresenta o formato atual. “Essas iniciativas foram de grande importância para a instituição, para o Inpa e para a Amazônia, sendo todas elas desenvolvidas e apoiadas por meio do Museu da Floresta”, pontua a pesquisadora.
*Com informações do INPA
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