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Estudo revela contaminação do povo Yanomami por mercúrio

Estudo revela contaminação do povo Yanomami por mercúrio

Trabalho conduzido pela Fiocruz analisou quase 300 indígenas e peixes de 14 espécies. Resultado mostra contaminação alarmante do povo Yanomami pelo metal usado por garimpeiros na extração de ouro. Na imagem acima, análise da água do rio Mucajaí (Foto: Daniel de Oliveira d’El Rei Pinto/Fiocruz).  


 

Manaus (AM) – A grave crise sanitária na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, ganha um novo e dramático capítulo com a divulgação do resultado do estudo científico “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: Uma abordagem integrada saúde-ambiente”, nesta quinta-feira (4). 

O trabalho, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entre os dias 4 e 14 de outubro de 2022, analisou quase 300 indígenas na região do Alto Rio Mucajaí, nas aldeias Caju, Castanha, Ilha, Ilihimakok, Lasasi, Milikowaxi, Porapi, Pewaú e Uxiú. O resultado mostra que todos os homens, mulheres, crianças, adultos e idosos, apresentaram algum nível de contaminação por mercúrio, metal utilizado por garimpeiros na extração de ouro.  

Além dos indígenas, os pesquisadores analisaram 47 exemplares de peixes, de 14 espécies diferentes. Todas as amostras também apresentaram contaminação por mercúrio. De acordo com o relatório, a análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Environmental Protection Agency U.S. EPA  (sigla em inglês para Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos).

Ainda segundo o estudo, a análise das amostras de água não revelou contaminação por mercúrio. Porém, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis de mercúrio acima do nível 1 da Resolução Conama 454 (teores de Hg de 0,344 mg/kg na amostra de sedimento coletada a montante no rio Mucajaí; e 1,386 mg/kg na amostra coletada na região antes da Cachoeira da Fumaça). 

O ponto de partida para a realização da pesquisa foi um pedido feito pela Texoli – Associação Ninam do Estado de Roraima, que representa um subgrupo Yanomami que vive na região do alto rio Mucajaí, em Roraima. 

“Quando a gente fala de Terra Índigena Yanomami, vem na mente que todos que vivem naquele território são um povo único, homogêneo, e isso não é verdade. O que ocorre é que dentro da terra indígena existem seis subgrupos Yanomami, que falam línguas diferentes. E além desses seis subgrupos Yanomami, existe também uma outra etnia, que é o povo indígena Ye’kwana, que vive ali na região também”, explica o coordenador do estudo, o pesquisador Paulo Basta. 

Segundo ele, o subgrupo Ninam é um dos menores do povo Yanomami. Eles vivem no lado leste da terra indígena, localizada às margens do Mucajaí, uma das poucas regiões em que é possível chegar via terrestre. “A partir deste acesso, eles [os Ninam] têm um contato com a sociedade não indígena mais facilitado e isso traz impactos para o bem e mal”, disse o pesquisador em entrevista à Amazônia Real.

Efeitos do garimpo e da contaminação

Garimpo ilegal no rio Mucajaí (Foto: Paulo César Basta/Fiocruz).

O cientista aponta os efeitos do garimpo como de curto, médio e longo prazo. A curto prazo é o que se vê nos noticiários: a invasão territorial,  a desorganização social, a violência, homicídios, a violência sexual contra mulheres e crianças; a presença do tráfico de armas, de drogas e bebidas alcoólicas, além da devastação territórial que causa alterações no ecossistema. As enormes crateras deixadas para trás, na busca desenfreada pelo ouro, também potencializam outras doenças, como a malária. “O garimpo foi um dos principais vetores da introdução do coronavírus em terras indígenas”, destaca Paulo Basta.

No médio prazo, os efeitos passam por questões de insegurança alimentar, o que provoca desnutrição crônica. “A desnutrição compromete o sistema imunológico. As crianças estão mais suscetíveis a terem doenças infecciosas, quadros repetidos de infecções respiratórias,  quadro repetidos de diarreia, menos resistência a adoecimento por malária, enfim, tem uma série de consequências”, explica.

Para o pesquisador, a contaminação por mercúrio é apenas a “ponta” de um imenso iceberg. “No contexto da invasão garimpeira dentro das terras indígenas, todo mundo fala do mercúrio, da contaminação do mercúrio, o mercúrio como a primeira palavra de ordem. Na verdade, o mercúrio é só a ponta desse iceberg porque ele vai provocar danos que vão ser observados em médio e longo prazo”, assinala.

Basta explica os malefícios da exposição crônica e o caminho que o metal pesado  no corpo humano. “Uma pessoa se alimenta de pescado contaminado por mercúrio. O mercúrio é ingerido, cai na corrente sanguínea, é distribuído para diferentes órgãos do sistema e vai acumular principalmente no cérebro,  no sistema nervoso central. Esse processo de acúmulo é lento e insidioso, então a cada nova alimentação é um novo pequeno depósito de mercúrio”.

Em adultos cronicamente expostos, o mercúrio pode causar sintomas brandos ou mais graves em três categorias básicas: sintomas sensitivos, sintomas motores e sintomas cognitivos.

“Na parte sensitiva há diminuição da sensibilidade das mãos, dos pés, começa a ter problemas de alteração da audição, alteração da visão, alteração do paladar. Fica um gosto metálico na boca, as pessoas começam a ter problema de irritabilidade, de insônia”, explica. Na parte motora, os sintomas são tremores nas mãos, fraqueza nas pernas, dificuldade de caminhar, dificuldade para realizar movimentos simples como caminhar e até segurar uma caneca ou um talher. 

Análise dos peixes (Foto: Paulo César Basta/Fiocruz).

O pesquisador aponta ainda outros sintomas, como a perda de memória, o que pode até ser semelhante ao que acontece com pacientes acometidos por Alzheimer.  “É um fenômeno que está se instalando de modo lento e insidioso”.

O grupo mais vulnerável  da população indígena, segundo Basta, é formado por mulheres em idade fértil e gestantes. Quando uma gestante come um peixe contaminado e absorve o mercúrio, o metal cai na corrente sanguínea e, por intermédio do cordão umbilical e da placenta, chega no bebê que está em formação. Estudos apontam que as concentrações de mercúrio presente no cérebro do bebê chegam a ser de cinco a sete vezes superiores às encontradas no corpo da mulher.

Ou seja, a contaminação por mercúrio no povo Yanomami começa ainda na fase pré-natal, o que pode levar ao aborto, ao comprometimento da vida reprodutiva da mulher, além do risco de gerar crianças com má formação, com síndromes neurológicas e paralisia cerebral.

Coeficiente de inteligência

Atendimento médico na aldeia Yanomami no rio Mucajaí (Foto: Simone Ladeia Andrade/Fiocruz).

O coordenador do estudo aponta que a contaminação por mercúrio afeta também o desenvolvimento do coeficiente de inteligência. “O nosso estudo avaliou 120 crianças abaixo de 12 anos. Dessas, 58 passaram por testes de avaliação de neuro desenvolvimento infantil. Por meio desses testes foi possível calcular o coeficiente de inteligência média das crianças. A gente espera, em condições normais, que crianças ou adultos de qualquer parte do mundo tenham um nível de coeficiente médio de inteligência na ordem de 100 pontos. As 58 crianças avaliadas tinham um QI médio de 68, mais de 30 pontos abaixo do esperado para a idade delas. Isso seguramente vai trazer problemas para essas crianças. Lesões neurológicas são irreversíveis, a criança não vai recuperar a inteligência ao longo da vida”, alerta.          

Revolta 

Ministra Marina Silva e Júnior Hekurari na Terra Indígena Yanomami, em 05 de abril de 2023 (Foto: Ibama).

O presidente da Associação Yanomami (URIHI), Junior Hekurari, diz que a contaminação por mercúrio tem as digitais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Essa é a digital que os ex-presidente deixou no povo Yanomami. Ele não exerceu seu papel de presidente, que era proteger a população. Ele incentivou a entrada de garimpeiros na terra indígena. Hoje o povo está contaminado, os peixes estão contaminados”, declarou ele à Amazônia Real.

Junior diz esperar que o atual governo possa finalmente retirar os invasores da terra indígena. “Queremos que o governo planeje a retirada dos garimpeiros. O governo tem que criar uma estratégia, um plano estratégico. Os garimpeiros ainda estão aqui, espalhados, contaminando o resto dos peixes e a população. Estamos sofrendo, o estado brasileiro tem que fazer seu papel de proteção  aos indígenas”, desabafa. 

O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, reforça que a invasão da terra indígena continua. “Os garimpeiros continuam subindo e descendo, voando de avião e helicóptero. Subindo nos barcos e entrando por outras regiões e comunidades”.  

Dário  vê com preocupação o resultado do estudo. “É uma situação difícil. O povo Yanomami está contaminado com mercúrio. A terra está invadida, destruída por maquinários. As crianças tomam água suja, os adultos, as mulheres gestantes. As crianças têm problemas neurológicos, tem criança nascendo sem braço. Isso já está acontecendo”, denuncia.  

Dário revela que os garimpeiros cooptam os jovens indígenas com bebidas alcoólicas, armas de fogo e celulares, entre outros itens. “O garimpo está interferindo na vida social. Mudando a cabeça [dos jovens]”, diz.

Ele vê avanços no governo Lula (PT), mas pede a desintrusão definitiva da Terra Indígena Yanomami. “Algumas coisas não mudaram. Os garimpeiros continuam causando problemas, fazendo ameaças de morte, violando crianças e mulheres. O governo federal precisa retirar todos os garimpeiros da Terra Yanomami, urgentemente”.       


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