Movimento divulgou carta nesta semana alertando para ausência de propostas concretas e de atenção à presença de indígenas na universidade. Lideranças pedem um vestibular indígena. Na imagem acima, representantes do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas, Meiam (Foto: Comunicação Meiam).
Manaus (AM) – O Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) e o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (Foreeia) divulgaram nesta semana uma nota pública em que expressam preocupação sobre o processo de consulta para a reitoria da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). As organizações chamaram atenção para a ausência de propostas concretas das chapas candidatas para a inclusão e permanência dos povos indígenas no ensino superior. Foi a primeira manifestação oficial do movimento de educação indígena do Amazonas sobre as eleições para a reitoria da Ufam. O primeiro turno das eleições acontece nesta segunda-feira (07).
Em entrevista à Amazônia Real, Izabel Munduruku, doutoranda em História na Ufam e coordenadora executiva do Meiam, destacou a necessidade de um compromisso real por parte da próxima gestão. “A nota tem um objetivo voltado para a questão educativa, não só dos povos indígenas, mas da própria comunidade acadêmica como um todo, inclusive dos próprios reitoráveis”, afirmou. Ela destacou que uma das principais propostas, que é o vestibular indígena, não foi cogitado por nenhuma das chapas.
Segundo a representante do Meiam, desde fevereiro passado, estudantes indígenas da universidade receberam convites de duas chapas para reuniões, mas decidiram que o processo de escuta deveria ser conjunto entre todos os concorrentes que procuraram dialogar com o movimento.
A nota do Meiam enfatizou a necessidade de a Ufam estabelecer uma estrutura e suporte acadêmico, psicológico e social para os estudantes indígenas, de modo que reduza a evasão causada pela falta de assistência da universidade. Problemas como moradia e a ausência de vagas específicas para professores indígenas no corpo docente foram apontados como desafios que mantêm um eixo eurocêntrico na universidade, desconectado das realidades e saberes tradicionais.
“A inexistência de um núcleo de apoio efetivo para os estudantes indígenas impede que as demandas sejam ouvidas e resolvidas de forma concreta. Precisamos que a Ufam estabeleça uma estrutura sólida de suporte acadêmico, psicológico e social e que paralise o processo de evasão indígena, ocasionadas pela falta de assistência satisfatória. Os problemas vão desde a moradia até a ausência de vagas específicas para professores indígenas no corpo docente, mantendo um eixo eurocêntrico que não dialoga com as realidades e saberes tradicionais”, diz trecho.
Os estudantes indígenas alertam para a presença de projetos alinhados a interesses mercadológicos e privatistas no processo eleitoral, que podem ameaçar a autonomia acadêmica e o acesso democrático ao ensino superior. A organização também criticou a conivência da atual gestão da reitoria da Ufam com empreendimentos que impactam territórios indígenas, como a exploração de potássio em território ancestral do povo Mura, em Autazes, no Amazonas.
Em 2023, a Ufam tornou-se aliada da mineração ao assinar um protocolo de intenções com a empresa Potássio do Brasil. Conforme revelou a Amazônia Real, os pesquisadores não sabiam que seus estudos seriam utilizados para fundamentar o acordo.
Desde então, o convênio entre e Ufam e Potássio do Brasil serviu de respaldo para que a mineradora avançasse em seu empreendimento no território. Apenas em setembro de 2024, a Ufam aceitou suspender o acordo, por recomendação do Ministério Público Federal, que ameaçava entrar com ação civil. Em fevereiro de 2024, a suspensão saiu no Diário Oficial da União.
“Em vez de atuar como instituição promotora de justiça social, a UFAM fortaleceu a presença de grupos econômicos e, juntamente, potencializou conflitos territoriais, pressionando as comunidades a aceitarem o projeto que compromete seu modo de vida. E não sendo o suficiente, usou da estrutura universitária para promover perseguição aos docentes que se solidarizaram e que prestavam assessoria especializada em direitos indígenas”, diz a nota do Meiam.
O Meiam possui uma trajetória histórica e reconhecida na luta por políticas afirmativas. Em 2004, o movimento conquistou a reserva de vagas na Universidade Estadual do Amazonas (UEA) para estudantes indígenas, em um período em que essa discussão ainda estava emergindo em outros estados brasileiros. Atualmente, a organização colabora com o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (FOREEIA) na construção de políticas voltadas às universidades e institutos federais do Amazonas.
Discussões com as chapas
Durante o encontro com as chapas, o Meiam apresentou uma carta-compromisso que inclui demandas históricas dos estudantes indígenas, como a implementação de um vestibular indígena, a ampliação de políticas de cotas, a melhoria da alimentação no Restaurante Universitário e um concurso específico para professores indígenas. “Temos pessoas qualificadas para discutir essas questões, mas a UFAM continua de costas para os povos indígenas do Amazonas”, contestou Izabel.
Das cinco chapas concorrentes, quatro assinaram o documento apresentado pelo Meiam. No entanto, o movimento afirma que nenhuma chapa apresentou propostas concretas para a população indígena. Entre os pontos discutidos, uma das chapas propôs a criação de uma pró-reitoria para assuntos indígenas, o que foi visto como um avanço, mas insuficiente.
A professora do curso de Letras da Ufam no município de Humaitá, Danielle Munduruku, diz que quando procuraram o movimento de estudantes indígenas, as chapas vieram com propostas prontas, sem diálogo com os principais interessados.
“Não fomos convidados para pensar juntos na construção de um programa de universidade. Nenhuma delas apresenta um projeto político de universidade para pessoas indígena. A questão indígena, quando apresentada, é em perspectiva de ‘cota’, em outras palavras para cobrir tabela. Não existe um programa que pense na entrada, permanência e saída de estudantes indígenas”, disse Danielle Munduruku, que também é escritora e coordenadora da Juventude Munduruku do Amazonas.

A coordenadora do Meiam, Izabel Munduruku, reforça que o posicionamento do movimento não se trata de um apoio direto a qualquer candidatura, pois é um compromisso com as reivindicações dos estudantes indígenas.
No entanto, o movimento tem receio de que a carta-compromisso assinada pelas chapas candidatas tenha o mesmo destino de uma outra, enviada em 2021 pelo colegiado indígena do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Ufam (PPGAS).
Esse documento, intitulado “Ufam Mais Indígena”, reivindicava, entre outros pontos, um espaço cultural indígena, melhorias no restaurante universitário para contemplar a culinária indígena tradicional e melhores condições de permanência. Porém, a carta foi ignorada e arquivada pela gestão.
“Não apoiaremos candidatos que tenham relação com iniciativas da Ufam que favorecem a mineração em territórios indígenas ou que intensificam conflitos em nossas terras. Também não apoiaremos candidatos alinhados com a privatização do ensino superior ou com qualquer vínculo com a extrema direita. A carta que apresentamos é um convite à reflexão. Não se trata apenas de votar, mas de analisar criticamente quem são os candidatos, o que a atual gestão conseguiu avançar e quais candidatos representam uma continuidade dessa administração. Precisamos questionar se os candidatos já têm histórico de apoio à nossa luta, se já são nossos parceiros ou se nunca estiveram ao nosso lado”, disse Izabel
Vestibular indígena

Ao passo que as universidades fora do estado do Amazonas têm, gradativamente, ampliado suas políticas de acesso para estudantes indígenas, como a criação de vestibulares específicos, a abertura tem gerado um fenômeno preocupante para o movimento indígena, que é a evasão da juventude indígena do Amazonas para regiões distantes no Sul e Sudeste do país.
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo, são algumas das instituições que realizam Vestibular Indígena.
Essa migração, segundo Izabel Mundurku, traz uma série de consequências negativas. “Muitos desses jovens enfrentam dificuldades para retornar às suas comunidades por conta dos altos custos das passagens aéreas. Isso fragiliza a nossa perspectiva de território, afeta a saúde mental da juventude e reduz a presença indígena e a produção científica indígena no estado do Amazonas”.
A ausência de um vestibular indígena diferenciado na Ufam é vista como um dos principais fatores que contribuem para essa evasão. A demanda do movimento não se limita ao acesso, mas também à permanência. “Queremos um vestibular indígena com políticas específicas e permanência garantida desde o primeiro período. Isso inclui bolsas, alimentação adequada, apoio pedagógico e espaço físico de sociabilidade como um Centro Cultural Indígena”, reforça Izabel.
O movimento dos estudantes indígenas cobra que as chapas candidatas à reitoria da Ufam se comprometam com essas pautas. “Elas precisam nos ouvir, entender o que discutimos a nível nacional, compreender o que os povos indígenas consideram ciência. Só assim será possível construir, de fato, uma Ufam mais indígena”.
Segundo Danielle Munduruku, o primeiro passo para a construção de uma política indígena na universidade deve seguir as diretrizes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garante o direito dos povos indígenas de serem consultados e de participarem das decisões que os afetam. No contexto acadêmico, isso se traduz em medidas concretas voltadas tanto para estudantes quanto para professores indígenas.
Para os estudantes, Danielle destaca a necessidade de um vestibular específico e diferenciado, a criação de espaços físicos próprios, como malocas e centros de estudo voltados às epistemologias indígenas, além de alimentação específica nos Restaurantes Universitários (RUs) e um atendimento pedagógico que compreenda e explique a lógica do funcionamento universitário.
Já no que diz respeito ao corpo docente, ela defende a realização de concursos com cotas específicas para professores indígenas, bem como a criação de códigos de vaga que considerem o perfil indígena dentro de cada departamento ou colegiado. “Esses são critérios básicos quando se deseja desenvolver políticas indígenas”, afirma.
As cinco concorrentes concorrentes foram procuradas pela reportagem para responder sobre as questões abordadas nesta reportagem. Apenas uma respondeu até a publicação dessa reportagem.
Em resposta às perguntas da reportagem, a Chapa Mudança! disse que manteve diálogo direto com coletivos de estudantes indígenas tanto na capital quanto no interior do estado, o que resultou na assinatura da Carta de Compromisso UFAM+ Indígena. A chapa é encabeçada por Tanara Lauschner, professora do Instituto de Computação da Ufam.
Entre as ações anunciadas, a chapa se compromete a implementar um vestibular específico para estudantes indígenas, aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Ufam, para garantir a participação de representantes dos movimentos indígenas na seleção do Programa de Educação Tutorial (PET) Indígena, respeitando aspectos etnolinguísticos. Também propõem fortalecer a estrutura dos projetos PET nas unidades acadêmicas, apoiar cursos e saberes tradicionais, além de fomentar a criação de um programa de pós-graduação em Educação Escolar Indígena e ações que valorizem a diversidade linguística nos demais programas da Ufam.
Sobre o diálogo contínuo com o movimento indígena, a Chapa Mudança! afirma que sua proposta de gestão é baseada no “respeito à diversidade e no combate a todas as formas de discriminação”, com “formações contínuas para servidores sobre educação antirracista e direitos indígenas, o não estabelecimento de convênios que firam os princípios da universidade, e a criação de espaços físicos adequados para a convivência e as práticas socioculturais dos estudantes indígenas.”
Em relação à produção acadêmica, a chapa informou seu compromisso de impedir que a universidade seja utilizada para interesses que violem os direitos dos povos e territórios indígenas. Para isso, defende a participação de representantes indígenas em bancas de autoidentificação e a criação de um documento orientador específico, construído em parceria com lideranças e movimentos de base.
A chapa ‘A Ufam do Futuro Começa Hoje!”, que tem Adriana Malheiro como candidata à reitora, enviou nota afirmando que se compromete com a criação da pró-reitoria de povos indígenas e multiculturalidade, com departamentos específicos para atender as diferentes demandas, como as questões linguísticas, alimentares, processos seletivos específicos e participação efetiva de representações indígenas. Adriana atualmente é pró-reitora de pesquisa e pós-graduação da instituição.
Segundo a nota, a candidata afirma que vai estabelecer diálogo constante com os povos indígenas através da criação do Fórum Indígena que terá como objetivo fazer ponte entre a gestão superior e a representação indígena.
Adriana Malheiro, na nota, assegurou que sua chapa, se eleita, não vai firmar parcerias ou convênios que possam afetar direta ou indiretamente os povos indígenas, de natureza física, cultural ou territorial, valorizando e respeitando a cultura do povo indígena.
Mais de mil indígenas

A Ufam possui atualmente 2.014 estudantes indígenas vinculados, institucionalmente à instituição. Segundo a assessoria, a presença “é um reflexo do nosso esforço contínuo em promover um ambiente educacional acessível e inclusivo.” Destes, 1.441 estão matriculados na graduação e 330 em programas de pós-graduação em diferentes modalidades e campis.
Segundo a Ufam, 1001 recebem bolsas permanência “como parte da nossa estratégia para garantir que eles possam concluir seus cursos com condições dignas e acesso a uma formação de qualidade”.
A Ufam não informou quantos programas de pós-graduação têm quantidades de vagas específicas para indígenas em seus editais, mas disse que tem “com a inclusão, com a criação de vagas reservadas em concursos públicos para povos originários”.
De acordo com a nota da assessoria, a instituição tem um sistema de registro em que o discente, ao ingressar, informa sua etnia. Esse dado permite a contagem e o acompanhamento dos estudantes indígenas, com a possibilidade de especificar sua etnia entre as 62 etnias cadastradas.
Desde a implementação da reserva de cotas, a Ufam contabiliza que 3.449 estudantes indígenas passaram pela instituição.
Na docência, a Ufam tem 119 professores indígenas atuando tanto na graduação quanto na pós-graduação.
Sobre o vestibular indígena, a instituição diz que “reconhece a importância da sugestão e está comprometida em buscar alternativas para melhorar cada vez mais o acesso de estudantes indígenas”.
Segundo a Ufam, 1001 recebem bolsas permanência “como parte da nossa estratégia para garantir que eles possam concluir seus cursos com condições dignas e acesso a uma formação de qualidade”.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor





