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Estação Vostok: a missão à Antártida que mudou a história da humanidade

Estação Vostok: a missão à Antártida que mudou a história da humanidade

É possível dizer que não há nenhum local do mundo mais inóspito e curioso do que a Antártida, o continente mais seco, elevado, ventoso e frio do planeta. Situado no hemisfério sul, ao redor do Polo Sul, cobre uma área de quase 14 milhões de quilômetros quadrados, dos quais cerca de 98% de sua superfície é coberta por gelo, podendo chegar a 5 km de profundidade, e contém 70% da água doce do planeta.

Nesse local eternamente branco e gelado, as temperaturas podem chegar a −80 °C no inverno, e no verão podem variar entre −10 °C e 10 °C. Ninguém mora lá, ninguém pode fazer nenhum tipo de atividade militar ou de mineração na região por se tratar de um ambiente de cooperação internacional científico.

A Antártida possui quase 14 milhões de quilômetros quadrados. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Mas em dezembro de 1957, bem durante a Corrida Espacial, a então União Soviética, querendo explorar e entender o que é a Antártida, estabeleceu a Estação Vostok no Polo Sul Geográfico, mais conhecido como Polo de Inacessibilidade, por ser uma das regiões mais remotas e isoladas do continente. Os soviéticos, porém, não estavam lá apenas para pesquisar, estabelecer uma base científica na Antártida foi um componente político, visto que a presença deles na região reforçava o prestígio e a influência do país em um dos períodos mais delicados do século XX.

Em 1974, em meio à Guerra Fria, Claude Lorius, um glaciologista francês, pousou em território dominado pela União Soviética. Acontecia ali a Missão à Estação Vostok, que mudou o curso da humanidade.

A epifania de Lorius

O glaciologista Claude Lorius. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
O glaciologista Claude Lorius. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Em 1952, o Conselho Internacional de Ciência propôs um Ano Geofísico Internacional (IGY), uma espécie de arena global onde as nações podiam expressar suas rivalidades de maneira pacífica por meio da ciência e da exploração, em vez da destruição e da guerra, promovendo o intercâmbio de dados e resultados científicos. Foi uma maneira essencial de equilibrar a Guerra Fria e focar no futuro da humanidade no pós-guerra destrutivo de 1945. E isso não apenas impulsionou a pesquisa individual, mas também facilitou a troca de conhecimentos e técnicas entre as nações.

Em 4 de outubro de 1957, três meses após o lançamento do IGY, o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputinik 1, pela União Soviética, inaugurou a era espacial e oficializou essa arena global de estudo da Terra e do espaço. Houve também uma mudança drástica na percepção pública e na política internacional tanto quanto na rivalidade entre os soviéticos e americanos, que passaram a competir intensamente em várias áreas de exploração.

(Fonte: Science Photo Library/Reprodução)
Estação Vostok fica no Polo Sul Geográfico. (Fonte: Science Photo Library/Reprodução)

Foi nesse cenário que um dos mais proeminentes glaciologistas da época, Claude Lorius, embarcou na missão polar francesa à Antártida em 1957, visando realizar pesquisas sísmicas que revelaram montanhas e vales sob milhares de metros de gelo no continente.

Em 1964, Lorius retornou à Antártida para a base francesa Dumont d’Urville para testar brocas de gelo, e foi lá que teve uma epifania. Em uma noite, enquanto bebia uísque com amostras das pedras de gelo que havia brocado, refletiu: e se o ar preso no gelo contivesse informações sobre a atmosfera e o clima da Terra há milhares de anos? E se esses dados revelassem o destino da nossa raça?

A descoberta do século

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
O grupo de glaciologistas que viajaram à Antártida. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Segundo James White, diretor do Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina da Universidade do Colorado, em Boulder, o gelo é o melhor gravador do passado.

“É, na minha opinião, o melhor gravador, particularmente em escalas de tempo de anos a dezenas de milhares de anos. Então, se você quiser entender os últimos 8 milhões de anos do sistema climático, os núcleos de gelo são a melhor maneira de fazer isso”, disse White ao documentário Ice and the Sky, de Luc Jacquet, um diretor vencedor do Oscar que já foi biólogo e trabalhou na Antártida.

White ainda observou que tudo está suspenso no gelo: gases, partículas e isótopos, que pintam um quadro perfeito do ambiente do passado. O gelo é o único que não possui prós e contras, muito diferente de anéis de árvores ou sedimentos oceânicos, que precisam ser decodificados e interpretados pelos cientistas.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
O Ano Geofísico Internacional incentivou o início da Corrida Espacial. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Lorius ficou sabendo que os soviéticos tinham um ambicioso programa de perfuração na Estação Vostok. Apesar de se tratar do auge da Guerra Fria, a política não impediu que ele usasse das amizades e contatos que havia feito além das fronteiras do seu país com cientistas da América, Europa e União Soviética para conseguir o que precisava.

Em 1974, Lorius comandou um programa de perfuração no Domo C, a 1094 km em direção ao coração da Antártida, onde, na companhia de soviéticos e americanos, desenvolveu técnicas para coletar, transportar e analisar núcleos de gelo. Lorius projetou e testou brocas com a ajuda de Chester Langway, cientista do Laboratório de Pesquisa e Engenharia de Regiões Frias do Exército dos EUA.

Três anos mais tarde, eles extraíram um núcleo de gelo de 9 metros que revelou os últimos 20 mil anos do clima da Terra. O gráfico do estudo mostrou que os níveis de CO2 e temperatura ao longo da do planeta sempre mudaram em sintonia com os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera. Quando os níveis de CO2 estavam mais baixos, o planeta estava mais frio e vice-versa. 

Aquele foi o início de uma das maiores descobertas modernas.

Mudando o curso da humanidade

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Estação Vostok reuniu cientistas de várias nacionalidades para trabalhar em prol da humanidade. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Aquele núcleo de gelo foi apenas a ponta do iceberg, pois a maior revelação ainda estava por vir. A equipe de Lorius extraiu um núcleo de gelo que remonta a 420 mil anos, que estava localizado a uma profundidade de mais de 2 mil metros no gelo. Em 1984, o glaciologista voou até a Estação Vostok em um C-1300 e trouxe amostras do fragmento para Grenoble, na França.

A jornada em si para transportar a coluna de gelo de 2 metros, que em sua extremidade mais antiga tinha 160 mil anos, de Vostok para o laboratório do glaciologista Jean Jouzel em Saclay, na França, foi épica. Foi necessário transportar o gelo antigo em um avião americano até um navio soviético, que o levou para a costa francesa, onde um caminhão refrigerado o transportou para o Comissariado de Energia Atômica e Energias Alternativas, em Paris.

A equipe de Jouzel analisou imediatamente o deutério, uma forma pesada do hidrogênio que compõe a molécula de água. Quanto mais quente, mais deutério há na neve depois. Por meio de proporção matemática, eles calcularam com precisão as temperaturas dos últimos 160 mil anos.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
As alterações de temperatura da Terra não são mais naturais. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Em 1º de outubro de 1987, os resultados da pesquisa de Jouzel foram publicados na revista Nature sob uma declaração bombástica: o aumento do dióxido de carbono na atmosfera causa o aquecimento global. Alguns anos antes, em 1979, o meteorologista Jule Charney alertou que dobrar a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera aumentaria as temperaturas globais em até três graus, conforme suas simulações. Naquela época, todos acreditaram que era apenas especulação, mas os dados da missão de Lorius à Vostok mostraram o contrário.

Há milhões de anos, o planeta sofria com variações naturais de temperatura devido a uma alteração sutil em sua órbita ao redor do Sol. Ao receber mais radiação solar, os oceanos e o solo liberam mais CO2 em função da decomposição da matéria orgânica. Agora, no entanto, é a humanidade que está fazendo isso mecanicamente com seus meios poluentes.

Apenas um ano após a matéria de capa da Nature, a Assembleia Geral das Nações Unidas apoiou a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), comprovando que o que Claude Lorius descobriu em sua missão à Estação Vostok mudou o curso da humanidade para sempre.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Mega Curioso e são de total responsabilidade do autor.
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