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ToggleEntre o concreto e o ar fresco: a importância de áreas verdes nas cidades
Parques Públicos e Unidades de Conservação beneficiam não apenas a biodiversidade, mas a própria saúde e bem-estar da população
Por Daniella Mendes e Julia Mendes
Ar fresco, temperaturas amenas e biodiversidade. Essas talvez sejam as primeiras coisas que vêm à mente ao pensar em parques e florestas. Quando se trata de áreas verdes em cidades, essa relação é sentida de forma ainda mais explícita pelas pessoas, com benefícios diretos à saúde, redução de ilhas de calor e de temperaturas e até mesmo proteção contra enchentes e deslizamentos.
Um estudo realizado no Rio de Janeiro discutiu o quanto a qualidade do ambiente no entorno da população influencia inclusive no seu bem-estar psicológico, capaz de incentivar estilos de vida mais ativos e saudáveis, diminuindo o estresse e aumentando o contato social da comunidade.
Em sua pesquisa de mestrado na USP, Douglas Cirino aponta como a oferta de áreas verdes próximas às pessoas pode reduzir as taxas de internação por saúde cardiovascular e respiratória. Mesmo com todos esses benefícios, é comum testemunhar o avanço da malha urbana espremer cada vez mais a vegetação entre o asfalto e o concreto, enquanto força os animais a tentarem se adaptar a uma vida “urbana”.
A realidade das áreas verdes em regiões metropolitanas no Brasil varia de acordo com a preocupação da gestão pública e os interesses políticos vigentes. Enquanto parques urbanos e arborização de ruas e praças são responsabilidade municipal, a criação de unidades de conservação pode ser puxada não apenas pelo município, mas pelo estado e pela federação.
Em alguns municípios, como São João de Meriti, a situação é alarmante. Localizado na Baixada Fluminense, o município tem menos de um metro quadrado de área verde por habitante, enquanto cidades como Rio de Janeiro tem mais de 45 m²/hab. Os dados são do Mapa da Desigualdade 2023 da Casa Fluminense. Há apenas uma unidade de conservação no território: o Parque Natural Municipal Jardim Jurema, com cerca de 14,9 hectares. De acordo com a pesquisa de Leandro da Silva Gregório e Ana Maria Brandão, a devastação do ambiente contribui para a formação de ilha de calor e ausência de bem-estar da população. Os pesquisadores apontam em sua publicação que a mentalidade dos atores locais contribui para este quadro, motivado pela remoção de árvores de forma irregular pelos habitantes. No entanto, a prefeitura não tem política de arborização, poda de árvores e manutenção das calçadas para gestão das raízes. A falta de árvores na cidade também prejudica a manutenção da biodiversidade local.
Foto: Bruno Santos/Folhapress
Parques Públicos e Unidades de Conservação
Com o avanço das cidades sobre as florestas ao longo do tempo, estabeleceram-se as “áreas verdes” do espaço urbano, cada uma com características específicas. A coordenadora de mestrado em Arquitetura Paisagística do Programa da Pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB/UFRJ), Lúcia Costa, explica que tanto a ideia de parque público, quanto de unidades de conservação, surgiram no século XIX, mas vieram de contextos diferentes.
Os parques públicos foram idealizados por médicos do período industrial, quando as cidades eram locais insalubres, com propagação em massa de epidemias e doenças. Na época, de acordo com Lúcia, os médicos trabalhavam a partir da “teoria do miasma”, onde toda doença vinha do ar ruim. Por isso, era preciso que a cidade tivesse massa verde para filtrar e melhorar o ar. “Foi quando surgiu a metáfora do parque público como um pulmão urbano. Eles vieram como áreas para levar a natureza para dentro dessas cidades”, explica a coordenadora.
Já as unidades de conservação foram pensadas e criadas por ambientalistas com o intuito de fazer proteger determinado recorte do território, de modo que as gerações futuras pudessem estudá-lá, analisá-la e desfrutá-la. “Recortar para proteger”, resume a professora.
No entanto, segundo Lúcia, essa ideia do “recorte” é atualmente considerada uma falácia para a ciência, principalmente no contexto urbano, já que a cidade também está dentro de um bioma, tem seu valor ecossistêmico e cumpre um papel na conectividade com a natureza. “O bioma tem que ser considerado como um todo. Se eu moro na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, eu habito a Mata Atlântica. A cidade e o bioma são interdependentes. Eu não devo recortar para proteger, eu devo proteger o todo”, completa a professora.
Delimitar um território para que cumpra a função de uma área de preservação pode acabar isolando espécies em ilhas de vegetação com recursos limitados principalmente para mamíferos. “Estamos falando por alguém que precisa circular ou pelo dossel das árvores ou pelo território. Se você corta essa conexão com o território, não tem como ele sair daquela estrutura”, explica Lúcia.
Por isso, é fundamental promover a conectividade urbana para a circulação de animais, assim como a educação ambiental dos moradores para garantir o respeito à fauna.
A proteção da natureza no meio urbano não se limita somente ao campo ambientalista, mas representa um instrumento essencial para o funcionamento da cidade, com serviços ecossistêmicos que garantem o conforto térmico, com sombra e umidade, manutenção do solo e da vegetação que contribui com o escoamento da água da chuva, evitando alagamentos e deslizamentos, além de abastecer o lençol freático e os aquíferos da cidade.
Cerca de 30% do território do estado do Rio de Janeiro é coberto por áreas verdes. Contudo, esse percentual varia muito dependendo do município de análise. Considerando os 22 municípios da RMRJ, por exemplo, cinco têm menos de 10% de território com áreas florestadas. São João de Meriti se destaca nesse sentido por não ter nenhuma área verde identificada, sendo a cidade mais cinza da metrópole, seguido de Belford Roxo e Queimados, ambos com apenas 4% do seu território coberto por vegetação. Todos esses dados são do Relatório Casa Fluminense: panorama sobre a crise climática na metrópole.
Conectividade natureza-cidade
Para as professoras da UFRJ, Lucia Costa e Mônica Marçal, a questão principal está em como a cidade se conecta com a natureza e vice-versa. Segundo elas, há atualmente um distanciamento entre ambas, o que gera impactos tanto sociais, quanto ambientais.
Sob o ponto de vista social, a saúde da população fica mais vulnerável às mudanças climáticas, como o calor intenso ou o risco de elevação do nível do mar. “As pessoas com maior vulnerabilidade são as que têm menos capacidade de defesa”, explica Lúcia.
Sob a visão ambiental, a professora de paisagismo explica que quando não há uma distribuição equilibrada dos elementos da natureza na cidade como água, fauna e flora, há um comprometimento da saúde ecológica, e consequentemente, da saúde da população.
“Essa é a importância da ação do Estado, do poder público, em compreender que a nossa saúde depende da saúde ecológica e do ambiente em que a gente vive, então se é negado a um determinado bairro da cidade o acesso às áreas verdes, à água limpa e a uma vegetação urbana e de qualidade, está sendo negado o direito a uma vida de qualidade com saúde e sem doenças. Tudo está interconectado”, completa Lúcia.
A conexão sociedade-natureza também acaba prejudicada pela forma que as leis ambientais são conduzidas pelo Estado, acredita a professora Mônica. Ela explica que, ao analisar a matriz da legislação ambiental brasileira, o ponto central é sempre o recurso, sem considerar o sistema como um todo, seja terrestre ou aquático. Além disso, cada lei é específica de um “recurso”, como água, minerais e vegetação. No entanto, para Mônica, a natureza é um sistema complexo que precisa de leis que a contemplem também sob o olhar coletivo.
“Quando vemos a nossa atual legislação, enxergamos uma colcha de retalho ambiental que não tem uma direção específica. As nossas leis estão falando sozinhas. A mineração pela mineração, não vai resolver um problema ambiental regional dentro de uma bacia hidrográfica, por exemplo. A implementação de uma unidade de conservação existe para um propósito, que tem que estar em comum com a Zona Costeira, em conjunto com a questão dos solos e com todas as outras questões ambientais”, reforça Mônica.
Parque Estadual da Pedra Branca
Com 17 bairros no entorno, o Parque Estadual da Pedra Branca é uma unidade de conservação localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Considerada uma das maiores florestas urbanas do mundo, o parque tem aproximadamente 12.500 hectares de extensão com trilhas, cachoeiras e áreas de lazer.
De acordo com o atual gestor, Fabio Mendes, o Parque Estadual da Pedra Branca é a principal atração para moradores e turistas da região, por conta da biodiversidade e locais de usufruto público. Mas principalmente, pelo fato da área ser mais fresca em relação aos bairros do entorno.
“A importância das pessoas aqui é enorme, porque se elas evitarem o fogo, haverá uma diminuição das queimadas. Se elas evitarem caçar, não perderemos espécies, ou se evitarem jogar lixo, não prejudicam a biodiversidade daqui, e por aí vai. Essa interação entre parque e morador tem que ser o tempo todo, porque realmente é o primeiro contato da saída da floresta com o começo da área urbana”, pontua Fábio, que reforça a importância de ações de educação ambiental com os visitantes.
O Parque Estadual da Pedra Branca é amplamente frequentado, principalmente pelos moradores do entorno. Segundo o gestor, o recorde de visitação no núcleo Piraquara – um dos 3 núcleos de divisão do parque – foi de 2.500 pessoas em um único final de semana. A média é de 1.900 visitantes por semana.
A unidade de conservação é um bom caso para analisar a interação entre a população local e a natureza, no caso, a Mata Atlântica. Um artigo publicado em 2014 na Revista Brasileira de Ecoturismo analisa a gestão do uso público no parque estadual e aponta que os principais benefícios dessa interação são a diminuição de atividades predatórias e ilegais e a transformação da comunidade em aliada da área de proteção.
Fábio tem um exemplo concreto dessa relação benéfica com os moradores. No início do ano, um incêndio atingiu o parque durante a madrugada. E os moradores, alguns deles funcionários da área protegida, começaram a apagar as chamas enquanto os bombeiros não chegavam. O combate só terminou às cinco da manhã. “Todo mundo que trabalha aqui tem o sentimento de proteger a unidade de conservação como um todo”, completa o gestor.
*Foto da capa: Rubens Cavallari/Folhapress
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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