Foto: Aguilar Abecassis/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa
Uma apresentação que já dura mais de oito décadas. A Ladainha (nome que se dá a uma reza cantada) do boi-bumbá Garantido, de Parintins (AM) é uma tradição se repete todos os anos, no dia de São João Batista, para cumprir a promessa feita por Lindolfo Monteverde ao santo de levar um boi para brincar na rua caso fosse curado de uma enfermidade ainda na juventude.
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Mais do que um simples cântico, a ladainha representa a união entre religiosidade popular e resistência cultural, sendo uma manifestação que mistura fé, tradição e identidade cabocla. Sua origem remonta às raízes profundas da cultura ribeirinha amazônica e guarda vínculos estreitos com o sincretismo religioso e os rituais de devoção característicos do povo da região.



A palavra “ladainha” tem origem no termo latino “litania” e está historicamente ligada à tradição católica como um tipo de oração repetitiva, na qual se invocam santos e se pede proteção divina. Essa prática foi assimilada ao universo cultural do boi-bumbá na região amazônica durante o século XX, período em que os primeiros bois surgiam em apresentações nos quintais e nas comunidades, geralmente associadas a celebrações religiosas em homenagem a santos, com destaque para São João Batista, o mais venerado entre os santos juninos no Brasil.
Em Parintins, a fé popular sempre caminhou junto com as manifestações do boi, e a ladainha tornou-se uma parte fundamental desse ritual.
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No contexto do Boi Garantido, a tradição da ladainha teve início com Lindolfo Monteverde, fundador do boi vermelho e branco. Homem humilde e profundamente religioso, especialmente devoto de São João, Lindolfo costumava abrir as apresentações de seu boi com orações e cantos de caráter litúrgico, buscando proteção espiritual para o espetáculo e agradecendo pelas bênçãos recebidas, como a saúde dos brincantes e o êxito das celebrações.
Com o passar do tempo, esse momento passou a ser conhecido como a “Ladainha do Garantido” e foi consolidado como um dos marcos simbólicos do início oficial das apresentações do boi, como se lembra a filha de Lindolfo Monteverde, Maria Monteverde:
“A malária era uma doença que matava muitas crianças em Parintins, então quando meu pai adoeceu, minha avó falou para que ele se apegasse a algum santo. E ele escolheu São João Batista para se apegar e como três dias já se viu melhoras nele”.
A ladainha é entoada tradicionalmente nos ensaios gerais e no início das apresentações no Festival Folclórico de Parintins. Ela representa um momento de recolhimento e respeito, em que os brincantes, torcedores e a galera vermelha e branca se unem em oração. Mas no dia 24 de junho, dia de São João, os torcedores do Boi Garantido se reúnem no curral do Garantido, na Rua Lindolfo Monteverde, em Parintins, e de lá seguem por diversas ruas da cidade.
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Para saber para onde o boi deve seguir, pessoas enfeitam suas casas e acendem fogueiras. Esses são os sinais para que o Tripa que comanda o Boi Garantido durante a Ladainha saiba onde deve ir.
O conteúdo da ladainha pode variar de uma edição para outra, mas, em geral, inclui invocações a São João e a outros santos populares, com súplicas por iluminação, proteção e coragem para enfrentar a disputa cultural que está por vir. Frequentemente, os versos também expressam gratidão por conquistas anteriores e formulam desejos de sucesso nas batalhas futuras, tanto no plano simbólico quanto no concreto.
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A ladainha é vista como um dos momentos mais aguardados pelos torcedores do bumbá vermelho e branco. Apesar da evolução do festival e do uso crescente de tecnologias cênicas avançadas, essa tradição se mantém viva como um símbolo de fé e pertencimento. É nessa hora que o Garantido reafirma suas raízes, fincadas na Baixa do São José e nos corações de todos os que amam o boi do coração na testa.
Trata-se de um gesto de resistência cultural, uma conexão com o sagrado e uma homenagem ao legado de Lindolfo Monteverde, nascida da religiosidade de um povo humilde e que traduz a essência de uma tradição que atravessa o tempo.
*Por Hector Muniz, do Portal Amazônia.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
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