Cali (Colômbia) — As convenções globais que enfrentam as crises da biodiversidade, do clima e da desertificação nasceram juntas em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco92), no Rio de Janeiro (RJ).
De lá para cá, elas têm caminhado separadamente, mas movimentos para que isso mude ganham força nos últimos anos e chegaram aos corredores e mesas de negociações da 16ª edição da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (COP16/CDB).
“Se isso acontecer, será um jogo de ganha-ganha”, avalia Ane Alencar, doutora em Recursos Florestais e Conservação pela Universidade da Flórida e diretora de Ciência da ong Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Segundo ela, isso deve ocorrer porque a crise climática acelera efeitos do desmate e outras ações humanas nos ambientes naturais. “Os impactos da mudança do clima, das perdas de biodiversidade e da desertificação custarão muito mais que os investimentos necessários em conservação”, ressaltou.
O Fórum Econômico Mundial já estimou que metade do PIB mundial é moderada ou altamente ligada à manutenção da biodiversidade. No fórum, empresas, governos, pesquisadores e outras lideranças dão os rumos econômicos planetários.
Tentando justamente amarrar pontos das três convenções, uma proposta de ações conjuntas pode ser aprovada na COP16, contou Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Se o texto passar no crivo dos representantes dos países, dependerá da aprovação na COP17, daqui há dois anos, em Londres (Inglaterra). “Será um plano de adaptação da biodiversidade à crise climática, com as três convenções atuando em pontos comuns”, indicou Dias.
O arranjo não seria o primeiro do tipo. Há duas décadas, as convenções da biodiversidade e de áreas úmidas, a de Ramsar, uniram esforços. “É um precedente para ações conjuntas entre acordos internacionais”, avaliou o diretor no MMA.
Abrindo caminhos
O esperado aperto de mãos entre as convenções pode complicar em pontos como a divisão de tarefas e de recursos. A ideia é a de que ações não sejam repetidas ou conflitantes, emperrando a implantação de cada acordo.
“É importante que as convenções conversem, mas também que cada uma mantenha seu passo e que os países sigam apresentando suas metas e agendas próprias”, ressaltou Ane Alencar (Ipam).
As contribuições de cada país à crise do clima também pesarão no desenho dos acordos.
“É um tema complexo para todas as nações”, disse Khateryne Madden, coordenadora de parcerias no acelerador de planos nacionais de ação pela biodiversidade. Ele é apoiado pelos governos da Alemanha, Noruega e órgãos das Nações Unidas.
Só 35 de 196 países entregaram seus planos até a COP16. Outros podem ser apresentados no evento.
Em muitos países a queima de gasolina, diesel e outros combustíveis fósseis é a maior fonte de gases de efeito-estufa, enquanto que em nações megadiversas, como Brasil e Colômbia, é a eliminação da vegetação natural, em todos os biomas.
“Nesse caso, a agenda é muito mais clara. Reduzir a destruição da vegetação nativa ajuda a reduzir emissões e a conservar a biodiversidade”, avaliou Ane Alencar.
“Nos demais países, se poderia investir mais em restauração”, lembrou Joana Coutinho Soares, articuladora da organização de jovens Engajamundo.
Uma análise em 19 países globais da The Nature Conservancy (TNC) descobriu uma grande falta de conexões entre planos de conservação e clima. “Isso pode ser melhor amarrado pela criação de parques nacionais e outras áreas protegidas”, avaliou Carolina Hazin, consultora de políticas da ong.
Isso é fundamental em biomas com baixa proteção legal como o Cerrado, que já perdeu mais da metade da vegetação original pelo avanço do agronegócio, e o Pantanal, com quase todo o território em fazendas.
“As metas de biodiversidade não envolvem só quantidade de área protegida, mas também devem resguardar a maior gama possível de diferentes espécies e de ecossistemas”, detalhou Ane Alencar (Ipam).
Outra pedra no caminho são as eleições presidenciais de 2026, lembrou María Pinilla Herrera, analista-chefe da Estratégia de Biodiversidade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) na Colômbia. “Uma troca de governo arrisca mudar a diretriz de unir as agendas de biodiversidade e clima”, disse.
O cenário não é diferente do brasileiro, reconheceu Bráulio Dias (MMA). “Há uma grande chance da extrema-direita voltar ao poder, e esses partidos não têm nenhum compromisso com o clima ou a biodiversidade”, afirmou.
O repórter viajou a convite do IPAM.
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