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ToggleA expansão da infraestrutura de transportes no Brasil prioriza o escoamento de commodities enquanto ignora riscos ambientais e a diversidade socioeconômica de territórios como a Amazônia. Em entrevista a ((o))eco, o diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), André Luís Ferreira, analisa a construção do Plano Nacional de Logística 2025-2050. Ele defende que o desenho incorpore desde o início indicadores sobre emissões, conservação ambiental e impacto sobre comunidades tradicionais, não deixando essas análises para a fase de licenciamento. Ferreira também propõe a criação de soluções específicas para cadeias produtivas da sociobiodiversidade, como a do açaí, ainda invisibilizadas na matriz logística brasileira. Confira abaixo os principais trechos.
((0))eco – O Plano Nacional de Logística 2025-2050 está desenhando apenas obras ou envolve algo mais?
André Ferreira – Ele está baseado em um decreto de maio do ano passado que define o planejamento integrado de transportes para o país. Até o final deste ano, ele será concluído, com um conjunto de investimentos. Esses investimentos podem ser destinados à iniciativa privada, por meio de concessões organizadas pela Secretaria do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), ou feitos com orçamento público, integrando o próximo Plano Plurianual (PPA). O plano é uma primeira etapa fundamental nesse processo.
Toda a infraestrutura prevista servirá basicamente para escoar commodities ou existe algum foco em transporte público?
O que está na plataforma interativa hoje são projetos do atual PPA e projetos que estão sendo oferecidos à iniciativa privada. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo, mostra obras prioritárias do governo atual, que podem ser financiadas por meio público ou privado. Nos últimos dez anos, a maior parte dos investimentos foi voltada para exportação de commodities. O transporte de passageiros é minimizado, especialmente o interurbano, que não tem sido prioridade. O plano trata do transporte regional e interurbano, não do urbano. Em termos de passageiros, não há quase nada. O transporte rodoviário até pode beneficiar passageiros, mas os investimentos são pensados majoritariamente para carga.
Como está a inserção das questões ambientais nesse Plano, considerando as crises climática e da perda de biodiversidade?
O plano está na fase de avaliação dos impactos sociais e ambientais da infraestrutura de logística existente, incluindo desmatamento, emissões e perda de biodiversidade. A expectativa é que essa análise fundamente as decisões futuras, incorporando riscos ambientais e sociais no planejamento – algo que historicamente não ocorre. Costuma-se deixar isso para o licenciamento ambiental, quando o projeto já está escolhido.

Ou seja, projetos problemáticos poderiam ser barrados já na etapa de planejamento?
Exatamente. Com a possível flexibilização do licenciamento [em debate no Congresso Nacional], isso se torna ainda mais urgente. Projetos com riscos sociais e ambientais elevados devem ser descartados antes de chegar ao leilão ou de entrarem no orçamento público.
Dos projetos de transporte mapeados pelo IEMA, quais mais preocupam por seus impactos socioambientais?
Focamos na Amazônia pelos riscos maiores, embora haja grandes problemas fora de lá também. No momento, os projetos mais sensíveis são a pavimentação da BR-319, a Ferrogrão e o derrocamento do Pedral do Lourenço. Além disso, há concessões em curso para hidrovias como as dos rios Madeira, Tocantins-Araguaia e Tapajós. O problema é que não existe licenciamento ambiental para hidrovias como um todo, apenas para obras pontuais.
Então, o risco maior está no que virá embutido nas concessões e licenças?
Sim. Os editais definem cronogramas de investimentos que impactam na tarifa e precisam ser avaliados do ponto de vista socioambiental. Também há preocupação com trechos como a BR-230 (Transamazônica), especialmente na margem esquerda do Tapajós.
Por que vocês propuseram quantificar trechos em áreas protegidas e emissões de gases-estufa nos mesmos?
O plano de logística está definindo indicadores que orientarão projetos futuros. Um deles considera a proporção de vias em áreas de amortecimento de unidades de conservação. Mas é preciso ter também o número absoluto de quilômetros nessas áreas. A proposta é garantir que essa quilometragem não cresça. Ainda não pensamos em compensações [pelos impactos da logística em áreas protegidas], mas isso é um ponto importante a considerar.

Mesmo unidades de conservação menos restritivas à presença humana, como Áreas de Proteção Ambiental (APAs), têm funções conservacionistas.
Sim. Muitas espécies em risco habitam essas áreas. O ideal seria cruzar um mapa [de áreas já destinadas ou que deveriam ser voltadas à conservação] atualizado com a rede de transportes existente e futura.
O que mais vês como fundamental para uma boa condução do plano nacional de logística?
Primeiro, a sociedade civil precisa participar mais das etapas iniciais do planejamento. Ela costuma aparecer tarde, só no licenciamento. Segundo, há uma pressão crescente por escoamento de commodities pelos portos do Arco Norte, o que ameaça transformar a Amazônia num grande corredor de exportação. E por fim, precisamos de infraestrutura pensada para a Amazônia, não apenas na Amazônia. A infraestrutura atual ignora a pequena produção e a economia da sociobiodiversidade.
Cadeias como do açaí e outras baseadas em itens da floresta enfrentam dificuldades de armazenamento e transporte, apesar da demanda crescente.
Exato. Para mudar isso, é preciso energia elétrica, infraestrutura de transporte adequada, e um plano específico para esses produtos. Sem isso, a nova economia da Amazônia não sai do papel. Não existe nem uma matriz origem-destino dessas mercadorias. Tudo ainda está por ser feito.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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