A nossa civilização está na berlinda com relação à poluição plástica. Isso ficou evidente na quarta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação contra a poluição plástica, também conhecida como INC-4 (sigla em inglês), realizada abril em Ottawa, Canadá. Na era da ebulição climática, estamos no momento decisivo para a adoção de medidas que eliminem a contaminação e a poluição provocada pelos polímeros fabricados a partir do petróleo. A contaminação por esse tipo de material é uma ameaça à biodiversidade, ao clima e à saúde pública.
Antes da quarta rodada de negociações, mais evidências científicas surgiram para reafirmar o que já observamos no nosso cotidiano. Estudo publicado na Science Advances mostra que cada 1% de crescimento por empresas de bens de consumo está associado ao aumento de 1% na poluição plástica no meio ambiente. Adicionalmente, estudo da Lawrence Berkeley National Lab divulgado em Abril de 2024 mostra que 75% das emissões de gases de efeito estufa acontecem antes da etapa do petróleo virar polímero. Esse estudo indica ainda que a indústria do plástico aquece quatro vezes mais o planeta do que a indústria de aviação.
Além disso, cientistas, médicos e diversas pesquisas indicam que os seres vivos estão sendo invadidos por partículas de plástico. Já foram localizados microplásticos no leite materno, na placenta, no coração, no cérebro, no esperma, na corrente sanguínea e no pulmão. E os plásticos são produzidos a partir de combustíveis fósseis, e os químicos presentes nos plásticos afetam a fauna, flora e saúde humana. Esses pequenos pedaços são uma decorrência do desgaste de tecidos, utensílios e uma infinidade desenfreada de aplicações que precisam ser regulamentados por governos e banidos por todos os setores da sociedade.
No entanto, o que mais se vê são atores de distintos segmentos defenderem seus interesses comerciais. Na INC-4 circularam mais de 2.500 delegados, representando 170 países e mais de 480 organizações. Nós, representantes das organizações da sociedade civil da América Latina, entre elas a Aliança Resíduo Zero Brasil e a Global Alliance for Incinerator Alternatives (GAIA), participamos exaustivamente para que o melhor para coletividade fosse proposto.
Alguns países da África e da América Latina, como Ruanda e Peru, se posicionaram de forma mais ambiciosa ao sugerir metas de redução da produção dos plásticos até 2040. Entretanto, países como Rússia, Arábia Saudita, Irã, Kuwait, Barém, Cuba e Índia, um grupo não-oficial de países alinhados com a indústria de combustíveis fósseis autointitulado like-minded group,, vem utilizando de táticas para reduzir a ambição do tratado. Já o Brasil possui um posicionamento intermédio entre os dois grupos de países, apoiando a restrição de específicos polímeros e químicos em certas aplicações.
Entendendo que a divulgação do Manifesto da Sociedade Civil e de Cientistas para um Tratado Global Efetivo Contra a Poluição Plástica, com a adesão de 81 organizações de vários setores e distintas partes do País, contribuiu para evidenciar a posição da sociedade brasileira sobre o tema.
Defendemos metas globais de redução da produção de plástico para proteger a saúde humana e ambiental. É urgente considerarmos os riscos que esse material apresenta às populações atuais e do futuro, respeitando os limites dos diferentes ambientes e do planeta. Não há comodidade que valha o nosso planeta.
É necessário termos garantias de instalação de mecanismos financeiros que incluam um fundo que possibilite o acesso a recursos de forma acessível e inovadora para as atividades que implementem medidas para que essa transição seja justa e sustentável e priorize os grupos vulneráveis associados à cadeia produtiva do plástico.
E não podemos esquecer do papel relevante das catadoras e catadores de materiais recicláveis, muitas vezes organizados em cooperativas. No Brasil, atualmente o setor está enfrentando uma crise sem precedentes.
O Tratado está abordando todos esses aspectos e envolve intensa negociação. A proposta é que ele seja juridicamente vinculante, que incida na legislação dos países signatários, não esquecendo do impacto do ciclo de vida do plástico. Na avaliação dos membros da Aliança Resíduo Zero Brasil, a redução da produção de plástico e de polímeros precisa avançar muito. Na INC-4, esse tema não avançou suficientemente nas negociações.s.
Uma das novidades deste ano foi a aprovação de um trabalho intersessional, que possibilita que especialistas discutam propostas concretas para a regulamentação do setor. O envolvimento de atores da sociedade civil é fundamental pois há questões-chave para produtos plásticos e substâncias químicas preocupantes. Entretanto, a participação da sociedade civil foi limitada, e países como Brasil não se manifestaram em relação à inclusão da sociedade civil no trabalho intersessional.
É mais do que sabido que o atual sistema linear de uso e descarte é a raiz do problema da poluição plástica. Além de ser reconhecido por todos, precisa ser traduzido em ações concretas pelos países que assinarem o Tratado. Ou reduzimos a produção dos plásticos entre 11.8% a 17.3% por ano, ou estaremos fadados ao aumento da temperatura global em 1,5 ºC.
Ao final das negociações do Canadá, tivemos muitos avanços, mas fica clara a necessidade de se manter uma ação coordenada na negociação. No INC desse ano,196 lobistas da indústria petroquímica estiveram em Otawa, 37% a mais que no INC-3, realizado no Quênia em novembro do ano passado. É preciso estar atento e forte, como diz o refrão da música de Gil e Caetano na voz de Gal Costa.
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