É o Amazonas, a Pátria da Água
Autor(a): Thiago de Mello
Por Revista Xapuri
A meu lado, de pé na proa do barco, vento no peito, o menino olha silencioso a imensidão do rio. Acabamos de deixar a boca, cheia de garças, da floresta Paraná do Limão, que se abre no Amazonas, pertinho de Parintins.
Pela margem direita, diviso distante o perfil da cidade na terra firme da ilha de Tupinambarana. Noto que o menino se volta para o lado oposto, olhar fixo no rio, cuja pele fulgura, coberta de escamas de prata.
Por tanta que seja a luz, a vista não dá com a outra margem. Num tom de quem duvida, o menino me pergunta:
– Tudo isso é água?
– Tudo, lhe respondo. Tudo é água.
– Água, mais água.
– Ela está indo pra onde? Onde ela acaba?
– Água de rio termina no mar.
– E onde acaba o mar, que também é água?
– É água, só que salgada. O rio deixa de ser doce e vira mar. Mas ninguém sabe onde termina o mar.
O menino permanece calado por um tempo, o pensamento derramado no rastro de espumas que o barco grava e o vento vai apagando. Logo vem de pergunta nova:
_ E onde a água começa? De onde é que o rio vem?
– Vou lhe contar.
Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende e traça um risco trêmulo na face antiga da pedra: o Amazonas acaba de nascer.
A cada instante, ele nasce.
Descende devagar, sinuosa luz, para crescer no chão. Varando verdes, inventa um caminho e se acrescenta. Águas subterrâneas afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes.
Do bojo das nuvens alvíssimas, tangidas pelo vento, desce a água celeste. Reunidas, elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa planície verde, cortada pela linha do Equador.
Planície que ocupa a vigésima parte deste lugar chamado Terra, onde moramos. Verde universo equatorial que abrange nove países da América Latina e que ocupa quase metade do chão brasileiro.
Aqui está a maior reserva de água doce, ramificada em milhares de caminhos líquidos, mágico labirinto que de si mesmo se recria incessante, atravessando milhões de quilômetros quadrados de território verde.
É o Amazonas, a pátria da água.
Thiago de Mello – Poeta maior da Amazônia e do Brasil, encantado em 14 de janeiro de 2022, aos 95 anos, em Amazonas: Águas, Pássaros, Seres e Milagres – Editora Salamandra, 1998.