Desmatamento e incêndios florestais são grandes ameaças à biodiversidadeamazônica. A exploração madeireira torna a floresta mais suscetível a incêndios, iniciando um ciclo de degradação que elimina a floresta. Criar áreas protegidas é fundamental para coibir essa perda. Este texto é adaptado de um capítulo [1] publicado pelo autor no Atlas da Amazônia Brasileira [2].
Amazônia abriga uma biodiversidade de enorme valor e a perda da floresta amazônica elimina a maior parte dessa biodiversidade [3, 4]. O fato de que a floresta amazônica está sendo destruída pelo desmatamento é amplamente conhecido pelo público. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, as taxas de desmatamento na Amazônia voltaram a crescer pela primeira vez desde 2006 (Figura 1). Menos conhecida, mas potencialmente ainda mais perigosa, é a destruição da floresta pela degradação causada por incêndios florestais, extração de madeira e secas fortalecidas pelas mudanças climática. Cortar uma árvore é uma decisão consciente e as medidas do governo podem convencer as pessoas a não desmatar, mas a perda da floresta é muito mais difícil de evitar se as árvores estiverem sendo mortas pelo fogo e pela seca. Um fator importante na degradação florestal pode ser controlado: a exploração madeireira[5].
Seja legal ou ilegal, a extração de madeira abre buracos na copa florestal, facilitando a entrada de sol e de vento, além de deixar para trás os galhos mortos das árvores colhidas e as árvores acidentalmente mortas durante as operações de extração. Isso aumenta tanto a chance de uma área florestal pegar fogo quanto a intensidade do fogo [8]. Incêndios anteriores têm um efeito semelhante [9]. Após o primeiro incêndio, um círculo vicioso de incêndios florestais sucessivos pode destruir completamente uma floresta [10, 11]. Os incêndios florestais se tornam mais frequentes e mais danosos na medida em que a susceptibilidade da floresta ao fogo aumenta, o que, por sua vez, é aumentado tanto pela exploração madeireira como pelos incêndios florestais passados(Figura 2). É previsto também que as mudanças climáticas prolonguem a estação seca na Amazônia [12], aumentando a frequência de secas severas e a temperatura – efeitos que também tornam a floresta mais vulnerável ao fogo [13, 14]. O avanço contínuo da pecuária na região também aumenta a probabilidade de incêndios florestais ao converter a floresta contínua em pequenas ilhas com bordas secas e carregadas de madeira morta, além de fornecer fontes de ignição para incêndios florestais quando o fogo de áreas queimadas para limpeza inicial de terreno ou manutenção de pastagem escapa para a floresta [15 16].

A perda de sociobiodiversidade, bem como do estoque de carbono da floresta, responsável por evitar o aquecimento global, assim como a perda da função de ciclagem da água que fornece chuvas não apenas para a Amazônia, mas também para outras partes do Brasil e da América Latina, são razões importantes para interromper os processos de destruição da floresta amazônica [18-24].
Compreender as forças que impulsionam o desmatamento e tomar as medidas apropriadas para combatê-las é essencial para evitar esses impactos [25, 26]. Atualmente, a maior parte da discussão se concentra na repressão ao desmatamento ilegal por meio de fiscalizações e multas. Quando outras medidas são mencionadas, a discussão geralmente se volta para a restauração florestal. Infelizmente, isso é contraproducente no contexto amazônico: restaurar a floresta amazônica em um hectare de terra degradada [27] custa muito mais do que evitar a perda de um hectare de floresta original [28], e o benefício da restauração, tanto por hectare como por real investido, é muito menor em termos de sociobiodiversidade e clima. Os recursos disponíveis para ações ambientais são sempre insuficientes, e cada real gasto na restauração significa um real a menos para frear o desmatamento.
Parar o desmatamento exigirá abordar as causas subjacentes desse processo. Essas causas são muitas, mas focar nas principais é a estratégia lógica. Metade do desmatamento recente ocorreu nas terras públicas não destinadas. O desmatamento ilegal dessas terras é muito lucrativo e vem aumentando rapidamente na Amazônia [29-31], sendo incentivado por uma série de leis que buscam flexibilizar a grilagem de terras, aprovadas ou pendentes no Congresso Nacional [32]. Os atores mais importantes desse processo são grandes grileiros e pecuaristas [33].
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), estabelecido em 2012 pelo novo Código Florestal, facilita muito a grilagem de terras ao permitir que qualquer pessoa registre autodeclaração online de imóveis rurais sem inspeção no local, mesmo que o CAR não tenha nenhum valor jurídico de comprovação de posse ou propriedade [34, 35]. A legislação também estimula a grilagem ao perdoar mais de 40 anos de crimes ambientais. Permitir que o sistema atual continue implica em um desmatamento futuro maciço na Amazônia. A legalização de ocupações ilegais, e mesmo de reivindicações sem ocupação dos requerentes – chamada eufemisticamente de “regularização”, sugerindo erroneamente que os reivindicantes têm um direito legal às terras reivindicadas – estimula mais invasões de terras públicas [36]. A regularização de ocupações ilegais acaba se sobrepondo ao reconhecimento dos direitos territoriais dos povos Indígenas, Quilombolas e comunidades tradicionais. A criação de novas terras Indígenas e unidades de conservação necessário para garantir os direitos desses povos e também é uma medida importante para aproteção da biodiversidade e a contenção do desmatamento [37].
As partes leste e sul da Amazônia brasileira, conhecidas como o “arco do desmatamento”, já estão fortemente desmatadas, e o que resta de floresta primária nessas áreas está severamente degradado [38]. O fato de outras regiões terem sido poupadas até hoje se deve, principalmente, à dificuldade de acesso para desmatadores. Essas áreas de florestas estão ameaçadas pela reconstrução planejada de estradas, como a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e estradas vicinais associadas, que ligariam essas áreas ao arco do desmatamento [39, 40]. A rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá) é exaltado pelo Minstério dos Transportes como um modelo da governança prevista para a BR-319 [41]. A BR-163, que foi licenciada em 2005 com base na expectiva de governança por meio do Programa BR-163 Sustentável, mas logo se tornou um dos principais focos na Amazônia de desmatamento, fogo, grilagem, garimpagem e invasão de terras Indígenas. Foram pecuaristas na BR-163 que organizaram o “Dia do Fogo” em 2019, quando fazendeiros em toda a Amazônia queimaram no mesmo dia para mostrar seu apoio às politicas anti-ambientais do então Presidente Jair Bolsonaro (Figura 3). A coluna de fumaça do Dia do Fogo foi tão intensa que, no dia 19/8 chegou à cidade de São Paulo, transformando o dia em noite na capital paulista. A BR-163 demonstra que a história não segue o futuro utópico planejado [42], fazendo com que o discurso sobre governança acaba tendo um efeito ambiental negativo pela facilitação da aprovação de obras de alto impacto [43].

A imagem que abre este artigo é de autoria de Christian Braga/Greenpeace/2019 e mostra área de queimada ilegal em Altamira, Pará.
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2025. Desmatamento e queimadas: A degradacao da floresta. p. 40-41; 84-86. In: Atlas da Amazônia Brasileira. J. Dolce, M. Montenegro & R. Shoenenberg (Eds.). Fugndação Heinrich Böll, Rio de Janeiro, RJ. 96 p.
[2] Dolce, J., M. Montenegro & R. Shoenenberg (Eds.). 2025. Atlas da Amazônia Brasileira. Fundação Heinrich Böll, Rio de Janeiro, RJ. 96 p.
[3] Fearnside, P.M. 2009. Biodiversidade nas florestas Amazônicas brasileiras: Riscos, valores e conservação. p. 19-44 In: A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais. 2ª Ed. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Manaus, AM. 134 p.
[4] Fearnside, P.M. 2021. O valor intrínseco da biodiversidade amazônica. Amazônia Real,
[5] Fearnside, P.M. 2020. Sustentabilidade da agricultura na Amazônia – 11: Manejo florestal como alternativa para áreas florestais. Amazônia Real, 27 de fevereiro de 2020.
[6] INPE, (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2023. TERRABRASILIS.
[7] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2023. BDQUEIMADAS.
[8] Barni, P.E., A.C.M. Rego, F.C.F. Silva, R.A.S. Lopes, H.A.M. Xaud, M.R. Xaud, R.I. Barbosa & P.M. Fearnside. 2022. Exploração madeireira e incêndios florestais. Amazônia Real.
[9] Berenguer, E., J. Ferreira, T.A. Gardner, L.E.O.C. Aragão, P.B. de Camargo, C.E. Cerri, M. Durigan, R.C. de Oliveira Junior, I.C.G. Vieira & J. Barlow. 2014. Large-scale field assessment of carbon stocks in human-modified tropical forests. Global Change Biology 20: 3713–3726.
[10] Fearnside, P.M. 2025. Última chance para a floresta amazônica brasileira? Amazônia Real.
[11] Nepstad, D.C., A. Veríssimo, A. Alencar, C. Nobre, E. Lima, P. Lefebvre, P. Schlesinger, C. Potter, P. Moutinho, E. Mendoza, M. Cochrane & V. Brooks. 1999. Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire. Nature 398: 505–508.
[12] Costa, M.H. & G.F. Pires. 2010. Effects of Amazon and central Brazil deforestation scenarios on the duration of the dry season in the arc of deforestation. International Journal of Climatology 30: 1970-1979.
[13] Vasconcelos, S.S., P.M. Fearnside, P.M.L.A. Graça, P.R. Teixeira-Silva & D.V. Dias. 2015. Suscetibilidade ao fogo da vegetação do sul Amazonas sob condições meteorológicas atípicas durante a seca de 2005. Revista Brasileira de Meteorologia 30(2): 134-144.
[14] da Silva, S.S., F. Brown, A.O. Sampaio, A.L.C. Silva, N.C.R.S. dos Santos, A.C. Lima, A.M.S. Aquino, P.H.C. Silva, J.G. Moreira, I. Soares, A.A. Costa & P.M. Fearnside. 2023. Amazon climate extremes: Increasing droughts and floods in Brazil’s state of Acre. Perspectives in Ecology and Conservation 21(4): 311-317.
[15] Dutra, D.J., T.P. de Medeiros, A.L.R. de Freitas, B.F. Cabral, L.O. Anderson, P.M. Fearnside, A.M.Y. Nascimento, P.M.L.A. Graça, R.D. da Silva, P.D. Ferro & L.E.O.C. de Aragão. 2023. Influência da fragmentação florestal na expansão do fogo no sudoeste da Amazônia brasileira – Boca do Acre, Brasil. XX Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR). 2 a 5 de abril de 2023, Florianópolis, SC, Eds. D.F.M. Gherardi, I. Del’Arco Sanchez & L.E.O.C. de Aragão. Vol. 20: 672-675, art. 155668. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos, SP.
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[17] Nepstad, D.C., J.P. Capobianco, A.C. Barros, G. Carvalho, P. Moutinho, U. Lopes & P. Lefebvre. 2000. Avança Brasil: Os custos ambientais para a Amazônia – Relatório do projeto Cenários Futuros para a Amazônia. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), 01 de junho de 2000. 24 p.
[18] Fearnside, P.M. 2015. Rios voadores e a água de São Paulo. Amazônia Real,
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[25] Fearnside, P.M. 2021. O desmatamento da Amazônia. Amazônia Real.
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[28] da Silva, J.M.C., L.C.F. Barbosa, J. Topf, I.C.G. Vieira & F.R. Scarano. 2022. Minimum costs to conserve 80% of the Brazilian Amazon. Perspectives in Ecology and Conservation 20(3): 216-222.
[29] Carrero, G.C., R.T. Walker, C.S. Simmons & P.M. Fearnside. 2023. Grilagem de terras na Amazônia brasileira. Amazônia Real.
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[31] Yanai, A.M., P.M.L.A. Graça, L.G. Ziccardi, M.I.S. Escada & P.M. Fearnside. 2023. Desmatamento em terras públicas não destinadas. Amazônia Real.
[32] Fearnside, P.M. 2020. O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020. https://amazoniareal.com.br/o-perigo-da-lei-da-grilagem/
[33] Fearnside, P.M. 2008. The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia. Ecology and Society 13(1): art. 23.
[34] Azevedo-Ramos, C., P. Moutinho, V.L.S. Arruda, M.C.C. Stabilie, A. Alencar, I. Castro & J.P. Ribeiro 2020. Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99: art. 104863.
[35] Brito, B., P. Barreto, A. Brandão, S, Baima & P.H. Gomes 2019. Stimulus for land grabbing and deforestation in the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 14: art. 064018.
[36] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro de 2023.
[37] Qin, Y., X. Xiao, F. Liu, F. de Sa e Silva, Y. Shimabukuro, E. Arai & P.M. Fearnside. 2023. Forest conservation in Indigenous territories and protected areas in the Brazilian Amazon. Nature Sustainability 6: 295–305.
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[39] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real.
[40] Fearnside, P.M. 2024. Impactos da rodovia BR-319. Amazônia Real.
[41] Fearnside, P.M. 2024. O relatório do GT BR-319 de DNIT: A mais recente manobra para obter aprovação para um desastre Ambiental. Amazônia Real, 13 de junho de 2024.
[42] Fearnside, P.M. 2025. Uma utopia amazônica com ressalvas. Uma utopia amazônica com ressalvas. Amazônia Real.
[43] Fearnside, P.M. 2024. Impactos da rodovia BR-319 – 9: O discurso de governança. Amazônia Real, 26 de junho de 2024.
[44] Greenpeace Brasil. 2020. Dia do fogo completa um ano, com legado de impunidade.
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