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ToggleO Ministério do Meio Ambiente tem corrido contra o tempo para tentar conter as sucessivas altas no desmatamento no Cerrado. Um estudo lançado nesta quinta-feira (14) pela organização Climate Policy Initiative (CPI/PUC- Rio), no entanto, revela que o principal mecanismo de controle da destruição no bioma está, na verdade, fora de controle.
Os pesquisadores da organização analisaram a forma como as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) são geridas pelos estados e pelo governo federal e identificaram as principais lacunas ainda existentes. O resultado não é animador.
Como no Cerrado apenas 20% da vegetação nativa precisa ser preservada, as ASVs se tornaram ferramenta essencial no controle do desmatamento que pode ser feito de forma legal pelos proprietários de terra. Segundo estimativas do MMA, cerca de 50% do desmatamento registrado em 2023 no bioma foi feito de forma legal.
Naquele ano, 11 mil km² de Cerrado foram destruídos, sendo que 75% do total esteve concentrado no MATOPIBA, que reúne os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. É desta região que vêm as principais pressões sobre o bioma, principalmente pela expansão do cultivo de soja e milho.
O estudo do CPI/PUC-Rio tentou analisar como são feitos os procedimentos de solicitação e emissão de ASVs em âmbito federal e nos estados do Matopiba. As lacunas foram tantas, no entanto, que restaram mais perguntas do que respostas.
“Trazemos como principal mensagem do trabalho o fato de que atualmente não há gestão do desmatamento legal. As autorizações estão sendo emitidas? Se sim, estão sendo emitidas corretamente? Estão cumprindo a legislação? A supressão está sendo feita para que uso? Está sendo puxada pela atividade agrícola? Não dá pra saber, porque a gente não tem acesso aos dados”, diz Cristiane Leme Lopes, gerente sênior de pesquisa do CPI/PUC-Rio.
Desmatamento Legal
De acordo com o Código Florestal, proprietários rurais têm o dever de manter intacta parte da vegetação nativa de suas propriedades. Essa porcentagem, chamada de Reserva Legal (RL), varia de acordo com o bioma e o tipo de formação vegetal.
Nas áreas de floresta do bioma amazônico, a cota é de 80%. Nas áreas de cerrado dentro do bioma amazônico, de 35%. Para o resto do país, a cota a ser preservada é de 20%. Além das RLs, Áreas de Proteção Permanente (APP) também devem ser mantidas em pé.
Não há um consenso sobre a área de vegetação nativa fora das porções que devem ser preservadas, isto é, que são passíveis de desmatamento legal no país. Alguns estudos sugerem que esse valor varia de 77 a 110 milhões de hectares.
O que se tem ao certo é que esta imensa área que está fora da Reserva Legal e APP não pode ser retirada sem controle. Ou não deveria.
Para desmatar uma área, é preciso fazer um licenciamento da atividade a ser realizada e solicitar ao órgão ambiental uma Autorização de Supressão de Vegetação (ASV).
O órgão que vai fazer o licenciamento e emitir a ASV varia de acordo com o tamanho e características da atividade que se pretende empreender. Atualmente, a maioria das ASVs são emitidas pelos estados e pela União, mas uma brecha na norma – Lei Complementar 140/ 2011 – permite que também os municípios emitam as autorizações.
Toda ASV precisa ser registrada no Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais (Sinaflor), mas, na prática, apenas parte está no sistema. Isso porque vários estados possuem suas próprias plataformas e precisam fazer o registro duplicado, o que nem sempre acontece.
O CPI/PUC-Rio identificou que, além do trabalho duplo, os registros apresentam várias inconsistências, como cadastros incompletos ou incorretos, falta de cadastro de autorizações não vinculadas ao uso de produtos florestais e até mesmo falta de acesso total aos dados estaduais.
“Tudo isso contribui para a subnotificação do desmatamento legal. Além disso, há desafios no uso do Sinaflor pelos estados e o sistema não é integrado a outras bases de dados, como o Sicar e o banco de dados fundiários.”, diz Cristina Leme Lopes. “A gente achou que iria acessar as bases de dados e conseguiria fazer uma série de recortes, como quanto cada estado representa [no total de ASVs emitidas], para qual finalidade as ASVs estão sendo destinadas, se está ligada à produção agrícola e por aí vai. Mas quando nos deparamos com a situação, vimos que ninguém sabe o que está acontecendo”, diz.
O problema é tão sério que o próprio governo federal reconhece a falta de gestão do desmatamento legal no país. Em reunião com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) na última semana, o secretário nacional da Secretaria Extraordinária de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Territorial do MMA, André Lima, levantou a questão da falta de integração entre os sistemas usados hoje para emissão de ASVs.
“Precisamos resolver isso, não dá para ficar como está. Este é um grande desafio que precisamos enfrentar, precisamos de um sistema de informação efetivo, de transparência, de integração de dados”, disse.
A estimativa do Ministério é de que, se continuar no ritmo que está, o desmatamento anual no Cerrado em 2024 chegue a 12 mil km².
Recomendações
Mais do que deixar explícito o problema da falta de gestão das ASVs, o CPI/PUC-Rio faz, em seu estudo, uma série de recomendações a serem seguidas pelos governos federal e estaduais.
- Sobre as brechas na Lei Complementar nº 140/2011 em relação à competência de quem emite as ASVs, a organização recomenda que o Executivo edite um novo ato normativo que diga claramente de quem é a responsabilidade pela emissão de Autorizações e estabeleça critérios para essas autorizações.
- Sobre a falta integração entre sistemas e sobre falta de funcionalidade e eficiência do Sinaflor, o CPI/ PUC-Rio recomenda que o MMA e ou o Ibama aprimorem o sistema nacional ou crie uma nova ferramenta de gestão eficaz de todas as ASVs do país.
- Sobre a falta de transparência e acesso aos dados, a organização recomenda que o MMA e os estados garantam que todos os dados de solicitação/emissão de ASVs estejam completos e atualizados, em sítio eletrônico aberto para acesso e uso dos demais órgãos governamentais, instituições financeiras, setor privado, academia e sociedade civil.
“Esse [a falta de gestão do desmatamento legal] é um problema de interesse nacional, por diversos motivos. Várias políticas públicas dependem disso, a gente tem uma série de acordos climáticos que precisam disso, precisam do controle do desmatamento. Como você vai saber o que é ilegal se você não sabem nem o que é legal”, questiona a pesquisadora do CPI /PUC-Rio.
A íntegra do estudo, com as recomendações detalhadas, pode ser conferido aqui.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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