Manaus (AM) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto de uso das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante a realização da Reunião da Cúpula de Líderes e da COP30 em Belém (Pará). O decreto, publicado nesta segunda-feira (3) no Diário Oficial da União, permite que Exército, Marinha e Aeronáutica atuem em caso de necessidade de contingência para ataques terroristas e manifestações.
Contrários à decisão, que valerá de 2 a 23 de novembro, os movimentos sociais organizados sob a Cúpula dos Povos entregaram, no fim de outubro, um ofício à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), pedindo que o órgão atuasse para impedir o uso da GLO na COP30. A medida foi solicitada pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), mas é vista pelos coletivos e organizações de ribeirinhos, atingidos por barragens, extrativistas, indígenas e quilombolas como uma ameaça à livre manifestação e ao caráter democrático da maior conferência mundial do clima — a GLO foi criada durante os anos de ditadura militar (1964-1985).
“Ficamos mais preocupados porque incluíram até as hidrelétricas. No MAB, nosso público e a base do movimento está em torno das hidrelétricas. É um risco grande que nos preocupa”, declarou Iury Paulino, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e membro da Comissão Política da Cúpula dos Povos à Amazônia Real, nesta segunda-feira. “Não entendemos por que fizeram isso. O governo do Pará tem medo do povo.”
A presença das Forças Armadas, segundo o governo federal, se estenderá por sete locais da sede da COP30 e dois locais fora de Belém: a área da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (a 485 KM de Belém em linha reta), e a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, na cidade do mesmo nome, na bacia do rio Tocantins, a 450 KM da capital paraense. Foram incluídos portos, aeroportos, estações de tratamento de água e vias de acesso. “O propósito é assegurar a integridade de instalações e serviços estratégicos durante o período dos eventos”, informou o governo.
As Forças Armadas vão atuar em coordenação com os órgãos de segurança pública federais e estaduais, com o objetivo de garantir a segurança das delegações, chefes de Estado, autoridades estrangeiras e representantes da sociedade civil, além de preservar a ordem pública e a normalidade das atividades locais.
Além do uso das Forças Armadas, já está sendo montado um megaesquema de segurança pública, chamado de “Operação Marajoara”. A ação é coordenada pelo Ministério da Defesa especificamente para a COP30 e terá reforços de unidades especializadas de diversas partes do País.
Paulo André Nassar, advogado e membro da Coordenação Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo Pará (ABJD/PA), afirmou que a decretação da GLO ocorre com uma amplitude territorial maior do que era esperado, já que a presença das Forças Armadas não ficará restrita à cidade de Belém.
“A lei amplia para região de Altamira, para a região de Tucuruí e isso é motivo de muita preocupação, porque a gente teme que isso implique numa limitação aos direitos fundamentais, aos direitos humanos, notadamente aqueles que estão relacionados ao direito de livre manifestação, ao direito de reunião pacífica para reivindicação dos seus direitos. Nessa esteira, a ABJD juntamente com outros movimentos sociais seguem em alerta”, disse Nassar, em entrevista à Amazônia Real.
Nesse processo de mobilização, a Cúpula dos Povos promoveu nesta segunda-feira (3), uma formação para mais de 60 advogados populares que vão atuar em parceria com as defensorias públicas, com o Ministério Público, para garantir que as mobilizações que estão sendo chamadas pela sociedade civil possam acontecer livremente. A iniciativa busca assegurar a proteção de defensoras e defensores dos direitos humanos durante a COP e a Cúpula dos Povos, que ocorrerá paralelamente à COP30, entre 12 e 16 de novembro em Belém.
Em dez anos, 33 operações de GLO

A GLO é um instrumento de exceção previsto na Lei Complementar nº 97 de 1999, que autoriza o emprego das Forças Armadas em situações consideradas de extrema “perturbação da ordem pública”. Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abril de 2024, esse tipo de operação deve ocorrer de forma excepcional, subsidiária e sob controle civil. Na prática, isso significa que as Forças Armadas só podem atuar em apoio às forças de segurança pública, como as Polícias Federal, Militar e Civil, e apenas quando essas instituições estiverem esgotadas ou incapazes de agir.
Mesmo com essas restrições, o decreto de GLO para a COP30 reacendeu o debate sobre o uso das Forças Armadas em contextos civis. Nos últimos 10 anos, o Brasil realizou 33 operações de GLO, segundo dados do Ministério da Defesa. Em muitas delas, como nas ações do Complexo da Maré (RJ) durante a Copa do Mundo de 2014, as operações resultaram em violações de direitos, mortes e restrição de liberdades aos moradores.
As organizações lembram que o Brasil tem um histórico de violência contra protestos de movimentos sociais, especialmente na Amazônia. O Massacre de Eldorado dos Carajás, em Eldorado do Carajás (PA), é uma marca dessa violência. Em abril de 1996, 21 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados pela polícia do Pará, quando marchavam em luta pela desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada por 3,5 mil famílias sem-terra. Os exemplos levantam preocupações sobre o risco de repetir esse padrão durante a conferência climática em Belém.
Em nota pública, o Comitê COP30, coalizão formada por mais de 100 organizações, a maioria da região Norte, declarou que a decretação da GLO ameaça as mobilizações, marchas, assembleias e protestos da sociedade civil que reúnem as juventudes periféricas, trabalhadoras e trabalhadores rurais, movimentos indígenas e uma série de outros grupos.
“O decreto de GLO ameaça transformar a expressão política em ‘problema de segurança’, repetindo mecanismos que já silenciaram vozes em outras Conferências. Não aceitaremos que a militarização do território substitua o diálogo, a escuta e a convivência plural entre povos. Como Comitê, seguimos reafirmando que a manifestação pública é um direito constitucional, não um risco a ser contido”, diz um trecho da nota.
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