Crise global, soluções locais
Com o avanço das mudanças climáticas, comunidades promovem transformações socioambientais a partir de tecnologias ancestrais
Por Daniella Mendes e Julia Mendes
Raimunda de Oliveira, de 87 anos, desde sempre esteve em contato direto com a natureza. Na sua infância, no interior de Minas Gerais, plantava milho, café, feijão e arroz. Conforme crescia, se mudou para a metrópole fluminense e não deixou o hábito de plantar fora da sua vida. Quem entra em sua casa já vê as caixas de leite com várias mudinhas da horta que, como ela mesma conta, planta para consumir e depois plantar de novo. “Eu não fico sem uma plantinha”, diz. Mas a conexão com a natureza vai muito além de suas mudas. Dona Raimunda, como é conhecida pelos moradores e amigos da cidade, é ativista ambiental, conselheira da Reserva Biológica (Rebio) do Tinguá e se formou recentemente como técnica em meio ambiente pelo Colégio Estadual Presidente Kennedy. Também já foi conselheira das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do Gericinó-Mendanha, da Jaceruba e do Tinguá.
Ela também é voluntária do Instituto EAE – Educação Ambiental e Ecoturismo, ONG que atua na recuperação e preservação ambiental da face norte do Maciço Gericinó-Mendanha, localizado em Nova Iguaçu. O local é alvo de queimadas criminosas que destroem a vegetação nativa de Mata Atlântica. Com a falta de vegetação, o escoamento da água das chuvas acontece de forma superficial, ou seja, o solo não absorve o corpo hídrico. A consequência é que a água desce do maciço em direção a cidade da baixada, gerando alagamentos.
Unindo ecoturismo e educação ambiental, o projeto “Eles queimam, nós plantamos”, do EAE, reúne voluntários nas ações de plantio para reflorestamento da Serra do Vulcão, realizadas sempre em sábados marcados pelo Instituto. Desde o início do projeto, em 2019, Dona Raimunda está presente em todos os sábados de reflorestamento, participando do plantio de mais de 5 mil mudas de árvores nativas de Mata Atlântica. “Eu não faltei um plantio ainda, até com chuva eu venho, porque eu digo que eu estou fazendo a minha parte. E sempre convoco aos jovens para virem ocupar meu lugar e para cuidar do que é deles também, eles vão precisar mais do que eu porque estamos vendo que o que vem aí vai ser bem pior. A oportunidade é essa aqui”, disse ela.
Para além do reflorestamento da região, a proposta do Instituto é fazer com que os moradores e visitantes do município estabeleçam uma conexão com o meio onde vivem, assim como Dona Raimunda. O que eles chamam de “Floresta do Pertencimento” é uma forma de trazer identidade cultural e ambiental para a população de Nova Iguaçu e uma consciência maior de toda a biodiversidade que a compõe. “A visão que tentamos deixar é que a floresta do pertencimento é o nosso grande patrimônio cultural e a nossa referência de identidade. Olhar para a Serra do Vulcão, por exemplo, é ver que isso tudo é uma paisagem cultural que vai moldando um pouco a cidade. Quando essa está muito cinza e queimada, isso traz reflexos para a sociedade também. Então, para nós, se preocupar com a floresta do pertencimento a partir da questão cultural é também envolver pessoas e coletivos”, explicou Luciane Barbosa, coordenadora do EAE.
O EAE busca estabelecer uma rede de pessoas e coletivos em prol do meio ambiente, como universidades, ONGs, escolas, institutos científicos, entre outros, reunindo-os nas atividades e estabelecendo conexões entre eles. Parceira do Instituto, a ONG “O menino que planta” fornece as mudas para o reflorestamento, além de colaborar com insumos, plantio e transporte nas ações. A ideia inicial do EAE era ser uma ONG ambiental, mas, segundo o presidente da organização, Rodrigo de Souza, eles atuam de forma socioambiental, já que também contribuem no fomento da economia local. Moradores da região transportam os voluntários até o local do reflorestamento, as famílias locais têm uma tenda onde vendem comidas e bebidas, há um restaurante na região indicado pelo Instituto para o almoço após a atividade, entre outras ações. “Nós trabalhamos muito em conjunto com os moradores daqui do maciço porque eles já têm o conhecimento da terra, só precisam, às vezes, da troca de conhecimento. E nós também”, completou Rodrigo.
As comunidades da baixada fluminense se deparam com problemas relacionados com a questão ambiental diariamente, como alagamentos, ilhas de calor e falta d’água. Por isso, essas populações buscam soluções ao seu alcance para promover a mudança, com autonomia para o enfrentamento desses problemas. As iniciativas ecológicas, como a do Instituto EAE, se inserem como uma forma diferente de se relacionar com a natureza e lutam por um território que pense nas necessidades e nos interesses da comunidade local.
O professor e pesquisador da Uerj, Thiago Roniere, explica que essas iniciativas priorizam a coletividade e não são hierárquicas, com pessoas trabalhando de forma horizontal. De acordo com ele, essas comunidades não se baseiam na dominação para se relacionar, construindo outro tipo de forma de convivência com a natureza, sem a exploração, a apropriação e a degradação. “Essas populações conseguem ter uma relação com a natureza, de proteger os seus ambientes e não desaparecerem, elas são mais do que resilientes, são resistentes. É aí que reside a nossa esperança.” evidencia o professor.
Foi nesse cenário de luta e resistência que a ONG Casa Fluminense organizou o Guia para Justiça Climática, que compila experiências de práticas, soluções e tecnologias sociais e ancestrais desenvolvidas em bairros, favelas e periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O documento, construído em parceria com pessoas e organizações apoiadas pelo Fundo Casa Fluminense, lideranças de Agendas Locais 2030 e da Rede Favela Sustentável, traz a explicação de conceitos voltados para questão climática e apresenta pessoas e projetos de referência em cada localidade visitada.
São 15 iniciativas que propõem o uso de tecnologias sociais e ancestrais, que surgem a partir de um contexto social, para transformar o local em que vivem. O projeto “Eles queimam, nós plantamos” é uma das ações apresentadas no guia. Segundo a organização, a proposta do documento é apoiar estrategicamente ações de monitoramento e incidência local de políticas públicas no tema, ser material base para aulas, cursos, oficinas, circuitos e rodas de conversas territorializadas e ampliar o entendimento sobre os conceitos como racismo ambiental e justiça climática na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
*Foto da capa: Ronny Santos / Folhapress
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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