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Crianças ocupam Yellow Zones da COP30 em Belém

Crianças ocupam Yellow Zones da COP30 em Belém

Belém (PA) – Roupas salpicadas de barro, risadas e a brincadeira entre encantados — entidades espirituais da floresta — e crianças das baixadas marcaram a oficina de sustentabilidade promovida no EcoAmazônias, no Jurunas. Ali, em uma das Yellow Zones (Zonas Amarelas) da COP30, a crise climática foi tema para que os pequenos transformassem terra, água e imaginação em cuidado com o território. As Yellow Zones funcionam como extensão da conferência oficial, mas com abordagem própria, em contraponto às tradicionais Green Zone (Zona Verde) e Blue Zone (Zona Azul), onde ocorrem as negociações diplomáticas. 

Toda a programação das Zonas Amarelas foi organizada com o objetivo de descentralizar os debates sobre a pauta climática pela cidade de Belém, além de deixar um legado de formação e capacitação em torno da agenda do clima. Os eventos são realizados em oito zonas, localizadas nos bairros Jurunas, Vila da Barca, Águas Lindas, Icoaraci, Ananindeua e Cremação, discutindo o desenvolvimento comunitário e levando também as pautas da cultura, educação ambiental e justiça social às periferias.

“Essa aliança que a gente faz é para esse lugar ser de acolhimento dessas comunidades, desses povos tradicionais que também não estão tendo espaço nas zonas oficiais. Aqui a gente faz a nossa própria conferência, as nossas oficinas, as nossas formações”, explicou Joyce Cursino, 28 anos, cineasta, atriz e comunicadora. Ela é gestora do espaço do EcoAmazônias, uma Yellow Zone coordenada pelo Instituto Negrytar visitada pela Amazônia Real.

Ali, no quintal ensolarado e reflorestado de açaízeiros, acontecem oficinas, formações e debates conduzidos pelas próprias comunidades, colocando as mães, crianças, adolescentes e povos tradicionais no centro das discussões. É também ponto de encontro de comunidades tradicionais vindas da região do Marajó, de Cotijuba, de Marapani e da Ilha do Combu.

COP das Baixadas

Na COP30, as Zonas Amarelas têm mobilizado moradores de diversas baixadas de Belém em busca de soluções para os desafios que enfrentam diariamente. A iniciativa foi criada pela COP das Baixadas — coalizão formada por 10 organizações de periferia — e mostra como a crise climática já traz impactos ao cotidiano dessas populações, com enchentes, alagamentos e variações extremas de temperatura. 

Um exemplo recente é o debate entre os moradores da Vila da Barca, uma das maiores comunidades sobre palafitas da América Latina, após o redirecionamento da rede de esgoto do Parque Linear da Doca para a área, em decorrência das obras realizadas para a Conferência do Clima.

Segundo Joyce Cursino, várias organizações atuantes nas periferias se uniram para criar uma programação paralela à COP30, mostrando que as soluções para a crise climática já existem nos territórios. As comunidades têm experiências próprias em manejo da água, saneamento e preservação ambiental. 

As Yellow Zones continuarão mobilizadas mesmo depois que a conferência acabar. “A ideia é que a coalizão tome força para fazer as pessoas deslocarem para onde já tem as soluções, nos bairros onde as periferias já resolvem a crise climática”, destacou a liderança.

As crianças como protagonistas

Joyce Cursino, Cineasta e Gestora Sociocultural do Instituto Negritar (Foto: Juliana Pesqueira/ Amazônia Real/2025).

Como parte da programação do EcoAmazônias, ocorreu a oficina “Mãos na massa e cores da Amazônia”. Entre brincadeiras, é nesses espaços que o debate sistemático conscientiza a população sobre as alterações no clima e suas consequências. As práticas são concretas: há hortas comunitárias, fossas ecológicas, manejo florestal e atividades de conexão com a terra, como a oficina de pintura com barro. As crianças moldaram tartarugas, cobras e pássaros em barro nas paredes do espaço. 

Para Joyce Cursino, as crianças precisam participar ativamente dos debates climáticos. A ideia é que, antes de falar sobre crise climática,  elas aprendam a sentir a natureza, entendendo-a como um ser vivo que precisa ser ouvido e respeitado. 

“As crianças são as grandes multiplicadoras dessa conscientização ambiental dentro das suas casas, com as suas famílias. Isso acontece em uma periferia onde as casas são muito restritas, onde a nossa população preta, ribeirinha, indígena também está aqui nesse processo histórico de colonização. Nós queremos fazer uma reparação e uma regeneração dentro desse processo”, enfatizou a jovem liderança.

Crianças e adolescentes são os mais vulneráveis aos impactos da crise climática como ondas de calor, inundações, transmissão de doenças, escassez de água e poluição do ar. Isso se deve tanto por suas características físicas quanto pela desigualdade no acesso a serviços essenciais. De acordo com um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 99% das crianças e adolescentes no mundo estão expostos a pelo menos um risco climático ou ambiental.

Crianças na natureza 

Em Belém, a oficina “Mão na Massa e Cores da Amazônia: Agroecológica com crianças” no bairro periférico do Jurunas, faz parte do circuito Yellow Zone da COP30 (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Ana Paula da Costa, de 9 anos, veio do bairro da Condor e é frequentadora assídua do espaço. Ela conversou com nossa reportagem enquanto moldava uma tartaruga de barro que diz ter achado “fofinha”. “A gente já plantou, a gente já fez a horta. E agora eu estou muito feliz”, disse.  

A pequena conta que já conhecia as histórias dos encantados e admira a capacidade deles em proteger a floresta. “Eles têm que proteger a floresta, eles podem fazer várias coisas muito legais porque eles são os guardiões do meio ambiente, da floresta”.

Esther Maria Coelho Sodré, de 11 anos, observava com curiosidade o barro escorrendo pelos dedos enquanto moldava as formas dos encantados. Também moradora do bairro da Condor, ela conta que era sua primeira vez em uma atividade como aquela e que ficou encantada com a experiência.

“Os Encantados são muito legais porque as pessoas jogam lixo, mas os Encantados ajudam a não piorar a Amazônia, mais do que ela já está poluída”, observou.

Esther diz ter conhecido as histórias dos encantados na escola e acredita que elas ensinam sobre o cuidado com a floresta e com os rios. “Eu quero que as pessoas cuidem do meio ambiente da Amazônia, não joguem lixo e nem façam mal para ela”.

Maria Alice Melo Marçal, também tem 11 anos e é moradora do bairro da Condor. Com as mãos cobertas de barro, ela moldava figuras inspiradas nos encantados e falava sobre o que aprendeu com a atividade.

Em Belém, a oficina “Mão na Massa e Cores da Amazônia: Agroecológica com crianças” no bairro periférico do Jurunas, faz parte do circuito Yellow Zone da COP30 (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

“Os encantados são os guardiões da floresta. Eu gosto de tomar banho no rio. Os encantados cuidam do meio ambiente, cuidam da Amazônia, porque tem muita gente que vai para a Amazônia e não é para fazer o bem, é para destruir a Amazônia”, disse.

Sofia Vieira, de 12 anos, moradora da Cidade Velha, observava com atenção as esculturas que ganhavam forma durante a oficina. Curiosa e entusiasmada, ela dizia se sentir em casa naquele espaço, cercada de natureza. “Eu gosto muito da natureza, da reciclagem, de brincar com o barro, de fazer escultura. É o que eu mais amo! Acho muito legal, é um bom passatempo. Quando a pessoa está entediada, igual eu fico às vezes, isso aqui é muito bom”, disse.

Sofia afirmou que sempre se encantou pelas histórias da Amazônia e que ouvir sobre os seres encantados desperta nela fascínio e respeito.  “Eu acho incrível. Eu gosto das lendas deles, principalmente quando estão contando, eu fico paralisada. Às vezes dá até medo, né? Principalmente da Matinta. Eu sei a lenda quase de cabeça”.

Riqueza e essência cultural do Pará

O psicanalista infantil Murilo Porto, morador do bairro do Guamá, trouxe Sofia, sua sobrinha, para acompanhar a oficina. Murilo reforça que atividades como essa ajudam a preservar a essência cultural e a riqueza do Pará, estimulando nas crianças o respeito pelo meio ambiente e pelas tradições locais. 

“Esse espaço é muito importante porque não permite que as nossas raízes sejam extintas. As novas gerações passam cada vez mais tempo em telas, e muitas crianças hoje não sabem o que é uma brincadeira de pega-pega, correr descalço na lama, ter contato com a natureza. Aqui, elas aprendem sobre os encantados, proteção da floresta, educação ambiental e folclore, mantendo viva a nossa cultura tradicional paraense e nossa ancestralidade”, disse

Outra familiar que acompanhou o sobrinho na oficina foi Evelyse Sena, de 42 anos. Ela destacou a importância de levar as crianças a espaços de natureza e  brincadeira.

“Pedi folga hoje no trabalho para trazê-lo, porque, nos dias de hoje, infelizmente, a tecnologia tomou conta de muita coisa, e eu vejo sendo de suma importância trazer a criança para um tipo de lugar desse. Porque vai pegar no barro, vai pegar na argila, vai brincar, vai conhecer, vai estar adquirindo um conhecimento que infelizmente nos dias de hoje as pessoas não fazem mais questão”, afirmou.

Evelyse relembra que, em sua infância, as crianças passavam as férias no interior, explorando a natureza e correndo na lama, experiências que hoje se tornaram raras. “Hoje em dia as crianças não têm mais esse hábito. Pegar barro, brincar, conhecer a Curupira, isso sim é importante”.


Encantarias amazônicas 

Joyce destacou o papel das narrativas amazônicas como ferramentas de educação e preservação ambiental. Mencionou que, como cineasta, busca valorizar as “encantarias” amazônicas, as histórias que carregam sabedorias ancestrais e foram historicamente invisibilizadas ou reduzidas a folclore. 

No espaço estava exposto o Cordão da Bicharada, do mestre Zenóbio Ferreira de Cametá, tradições resgatadas e transmitidas às crianças para que se reconheçam nelas e aprendam o respeito pela floresta e pelos seres que habitam os rios e matas. Curupira, boto, cobra grande, matinta-pereira, saci-pererê, figuras encantadas que preencheram a oficina e levantaram curiosidade entre as crianças.

“Essas histórias que a gente vai contando para as crianças e essa relação com o invisível estimula o respeito. Se eu vou entrar no rio, eu peço licença, aqui tem sereia, aqui tem boto. Se eu entrar na mata, eu preciso entender que tem seres que fazem parte de tudo isso. É muito legal elas interagindo e se reconhecendo nessa história, a partir de algo que elas já conhecem dentro de casa, na sua rotina, mas que muitas vezes não está na mídia, não está na televisão, porque são histórias que não estão contadas”, disse.

A oficineira Coxmiica Botelho, 27 anos, acompanhava atentamente as crianças na atividade de pintura com barro. Moradora do bairro rural do Curuçambá, em Ananindeua (PA), ela atua com arte, agroecologia e saberes tradicionais, e explica que o trabalho com argila é uma forma de aproximar o imaginário dos encantados da vivência cotidiana das crianças.

“A importância da gente estar aqui brincando com os Encantados é trazer de uma forma prática e ilustrativa para as crianças isso que fica muito no imaginário. A gente traz um pouco disso para o dia a dia das crianças”.

Para ela, a argila simboliza o elo entre corpo, terra e memória. Ao moldar o barro, as crianças aprendem sobre paciência, natureza e criação, reconhecendo a floresta como parte de si. “O barro, as formas, os encantados…tudo isso traz a materialização da imaginação, para as crianças poderem ter referência do que é natureza, do que é encantado, do que é trabalho artesanal que pauta a importância das crianças mudando esse futuro que a gente está construindo”, explicou.

Coxmiica é também fundadora da Casa Florestal Ita, espaço que faz a guardania de uma agrofloresta e integra a Rede de Apoio às Mulheres Agroflorestoras da Amazônia. O local, também reconhecido como uma Zona Amarela, promove práticas de agroecologia e educação ambiental nas periferias de Ananindeua, onde, há cerca de um ano, ela vem desenvolvendo atividades contínuas com jovens e mulheres para fortalecer o vínculo entre território, floresta e comunidade.


Atividades das Zonas Amarelas

As atividades das Zonas Amarelas se estenderão até o fim da COP30. Uma Bicicletada Manifesto, com a presença de ciclistas de todo o país, está programada para o dia 15 de novembro, saindo da sede da organização, no bairro de Águas Lindas, até o início da Marcha Mundial pelo Clima. 

Por cerca de 20 km, os participantes vão chamar a atenção de autoridades e da sociedade para a importância de políticas públicas inclusivas e sustentáveis de deslocamento para combater a crise climática. O uso da bicicleta como instrumento de mitigação serve também para denunciar as más condições de calçadas para pedestres. Dados do último estudo “Campanha Calçadas do Brasil”, divulgado em 2019 pela organização Mobilize Brasil, apontam que Belém é a pior capital do país no quesito de acessibilidade e caminhabilidade nas calçadas

Na comunidade ribeirinha Vila da Barca, arte e cultura vão mobilizar crianças e adolescentes com o projeto Barca Literária, uma biblioteca ambulante que dá acesso à leitura e à educação visando a inclusão social e difusão dos saberes comunitários. No distrito de Icoaraci, o coletivo Chibé dará andamento ao Laboratório Narrativo Entrando no Clima, um programa de educação climática para jovens da rede pública de ensino, que envolve a produção de materiais sobre ações realizadas no território.

Para saber mais sobre as Yellow Zones e a agenda completa da COP das Baixadas, acesse: Link e Link.


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