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ToggleCanoas havaianas, tradicionalmente usadas para a prática de esportes e comuns na beira-mar de Fortaleza, capital do Ceará, ganharam uma nova função: servir como plataformas para coletar dados sobre a presença de microplásticos em regiões costeiras do oceano. A iniciativa integra uma nova metodologia desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC), que busca baratear o monitoramento e zerar a emissão de gás carbônico (CO₂) no processo de coleta.
A presença de microplásticos no oceano não é algo novo, mas pesquisar o tema ainda é muito caro, complexo e inacessível em locais com pouco recurso para pesquisa. Para contornar a situação, os pesquisadores tentaram encontrar um caminho mais viável para realizar as coletas.
O novo método custa cerca de R$ 1.500, um valor bem mais baixo que o de técnicas tradicionais, e funciona com um coletor simples acoplado à lateral das canoas. A estrutura reúne uma moldura de aço inox, dois tubos de PVC que garantem a flutuação e uma rede de nylon bem fina, de 330 micrômetros, capaz de reter microplásticos na superfície da água. Enquanto os remadores avançam, o equipamento atua como uma pequena rede de arrasto que filtra as partículas que ficam na camada mais externa do mar.
“Dentro do processo de pesquisa, é fundamental desenvolver metodologias capazes de gerar conhecimento com baixo custo e baixa pegada de carbono. Fazer ciência com pouco dinheiro é um grande desafio”, destaca Tommaso Giarrizzo, coordenador do estudo que apresentou a metodologia e professor visitante sênior do Labomar.
Segundo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e titular da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade dos Oceanos, as captações normalmente são feitas com o uso de embarcações motorizadas, o que tende a encarecer o processo.
“De modo tradicional, a coleta de microplásticos em superfície é feita por meio de redes de nêuston – um tipo de rede de plâncton com uma malha muito fina – que, puxadas por uma embarcação, percorrem a superfície e a subsuperfície da água, capturando todas as partículas presentes nesse espaço”, explica.
De acordo com ele, o preço diário das embarcações varia bastante: enquanto modelos menores custam entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por dia, navios oceanográficos podem chegar a valores entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.


A técnica é eficaz?
Sim. De acordo com Giarrizzo, a técnica consegue gerar dados concretos e robustos. “O conceito da rede é algo muito simples, mas que trouxe resultados interessantes. O mais importante é ter um rigor técnico durante o processo. Ou seja, garantir amostragens mensais e arrastos bem conduzidos”, destaca.
A metodologia foi usada na realização de uma pesquisa, publicada na semana passada na revista Marine Pollution Bulletin, que analisou o litoral cearense por 12 meses. Foram comparadas duas áreas com níveis distintos de urbanização: Fortaleza, altamente urbanizada, e o Parque Nacional de Jericoacoara, a cerca de 262,83 km da capital.
Ao longo da análise, mais de 23 mil microplásticos foram coletados e com o uso das canoas – sem o uso de embarcações motorizadas – houve uma economia de cerca de 295 quilos (kg) de CO₂ na realização do estudo.
Os resultados mostram que a densidade de microplásticos em Fortaleza (1,20 itens/m²) é três vezes maior do que a de Jericoacoara (0,39 itens/m²).
Na capital, há o predomínio de fibras azuis e pretas, associadas a fontes urbanas como lavagem de têxteis e esgoto doméstico. Em Jericoacoara, há maior proporção de fragmentos transparentes, espumas, pelotas e partículas coloridas (vermelho, rosa, multicolor), o que, segundo o estudo, sugere que a poluição acontece por transporte marinho de longo alcance (correntes oceânicas), e não por fontes locais.
“Isso mostra que a poluição plástica não envolve apenas o local, mas que está tudo interconectado. O que é gerado em uma cidade também contamina, por conta das correntes oceânicas, outras localidades. Não é apenas um problema local, mas também global”, pontua Lucio Brabo, doutorando do Programa de Ciências Marinhas Tropicais do Labomar e que também participou do estudo.
Além disso, o estudo aponta que o maior aporte de microplásticos na água ocorre em períodos de ventos fortes e chuvas intensas, especialmente em Fortaleza.
Apesar dos achados, para Giarrizzo, o grande destaque é a metodologia em si. Ela permite um monitoramento contínuo e de longo prazo, além de seu potencial de reaplicação em outras regiões, em especial locais com menos condições financeiras. “E essa ferramenta também pode ser usada em outros tipos de embarcações (além das canoas havaianas). Até um barquinho de pescador consegue usar.”
Ciência cidadã

Além do baixo custo e da pouca emissão de poluentes, a metodologia traz um outro elemento: a participação da população no processo de pesquisa, o que é chamado de ciência cidadã.
Ao longo do processo de pesquisa, os remadores de um clube de remo de Fortaleza, a Kayakeria, atuaram como coletores de dados. Durante os treinos, o equipamento era acoplado aos barcos e rebocado por cerca de 400 metros, filtrando a camada superficial da água ao longo do trajeto.
Galdino Malandrino, instrutor de canoagem e sócio-proprietário da Kayakeria, entende que a participação dos cidadãos ajuda com que eles passem a ter uma consciência ambiental. “Uma das coisas mais legais foi ver que todo tipo de gente acabava se envolvendo nas coletas: crianças, idosos, pessoas com deficiência, atletas, e até quem só tinha passado para dar uma volta. Todo mundo se envolvia”, pontua.
Turra, que não participou do estudo, vê o projeto como um avanço relevante por dois aspectos: o envolvimento dos cidadãos e a possibilidade de obter mais dados em locais onde existe uma lacuna de informações. “Com esse tipo de atividade, podemos ampliar a cobertura das amostragens. Claro que estamos falando de áreas costeiras, não oceânicas. Nesse ambiente costeiro, certamente (a metodologia) trará um avanço significativo no número de amostras que passaremos a ter.”
O trabalho integra a dissertação de mestrado de Alexandre Dantas no Programa de Pós-Graduação em Ciências Marinhas Tropicais do Labomar. Ele foi desenvolvido dentro do Projeto “Detetives do Plástico” com financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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