O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (“Lula”) vive em um “espaço de desinformação”, para usar o termo cunhado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para descrever o presidente americano Donald Trump. Lula está cercado por fontes constantes de desinformação sobre questões ambientais, como seu ministro dos Transportes [1], o ministro de Minas e Energia [2] e a presidente da Petrobras [3].
Quem pode dizer ao Presidente Lula, sem meias palavras, que ele está conduzindo o Brasil por um caminho suicida rumo a um desastre climático? O Brasil seria devastado se um ponto de não retorno fosse ultrapassado e o aquecimento global escapasse do controle humano, o que está muito próximo de acontecer [4, 5]. O Presidente Lula aparentemente não tem ideia das consequências climáticas de sua promoção de projetos como a reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e suas estradas vicinais, que abririam vastas áreas da floresta amazônica ao desmatamento [5-7], seu plano de distribuição de terras governamentais “não destinadas” (“terras devolutas”) da Amazônia aos desmatadores [8, 9] — uma parte do grande impulsionador do desmatamento que é eufemisticamente denominado “regularização”, significando a legalização de reivindicações ilegais de terras [10, 11], ou o notório plano de extração de petróleo na foz do rio Amazonas que, além do seu risco de derramamentos incontroláveis, implica em extração durante décadas no futuro [12, 13].
Marina Silva, que luta heroicamente contra a destruição ambiental no seu papel ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, aparentemente tem pouca voz em questões mais amplas do que a competência estrita de seu ministério, especialmente fazer cumprir as regulamentações ambientais existentes, como aquelas que proíbem o desmatamento não autorizado. Ela, por exemplo, se recusou a tomar posição sobre política energética, alegando que a autoridade para isso cabe a outras partes do governo [14]. Na rodovia BR-319 e no plano de petróleo da foz do Amazonas, ela deixou claro que o papel de seu ministério se limita a decisões “técnicas” sobre se os protocolos de licenciamento foram seguidos; embora em ambos os casos o licenciamento cubra áreas geográficas maiores do que o licenciamento para a maioria dos projetos, as decisões não envolvem um julgamento sobre questões abrangentes, como as implicações desses projetos para as mudanças climáticas [15, 17].
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, deveria, pelo menos teoricamente, ter voz ativa nessas questões. Como representante da comunidade científica brasileira, ela tem certa responsabilidade de representar as conclusões dessa comunidade sobre as questões importantes que o Brasil enfrenta. Sou testemunha de que uma grande maioria da comunidade científica brasileira se opõe aos três projetos mencionados acima, além de vários outros projetos governamentais que implicam na destruição da Amazônia em nome do “desenvolvimento” (por exemplo, [17, 18]). Uma questão fundamental, portanto, é o que a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação está dizendo ao Presidente Lula.
Em comparação com os ministros que formam o “espaço de desinformação” do Presidente Lula, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação tem relativamente pouco acesso aos ouvidos do Presidente. No entanto, ela acaba de ter uma oportunidade de ouro: uma viagem a Moscou com Lula no avião presidencial. Enquanto a viagem da ministra a Moscou estava em andamento, tive a rara oportunidade de falar com seu substituto interino durante um evento cerimonial da Academia Brasileira de Ciências.
Quando perguntei o que a ministra diz ao Presidente Lula sobre os três projetos desastrosos mencionados acima, a resposta foi que essas são “questões complexas” e que a ministra está “muito preocupada” com o desenvolvimento sustentável, revelando em poucas palavras que a ministra não está dizendo ao Presidente Lula o que ele precisa saber. Infelizmente, os projetos governamentais em questão não podem ser transformados em “desenvolvimento sustentável” pela implantação de medidas de governança (por exemplo, [19-22]). A questão relevante é de “sim” ou “não”, ou seja, se esses projetos devem seguir adiante ou não, e evitar respondê-la indica que não há sinal de que o “espaço de desinformação” do presidente Lula será penetrado.
A fotografia que abre este artigo mostra o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de boas-vindas, no Grande Palácio do Povo, na China. Na foto, o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, cumprimenta a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva e ao fundo a ministra de Ciência e Tecnologia. Pequim – China. (Foto: Ricardo Stuckert / PR / 13.05.2025).
Notas
[1] ClimaInfo. 2023. Recursos do Fundo Amazônia podem parar na BR-319, que corta a floresta. ClimaInfo, 18 de agosto de 2023.
[2] ClimaInfo 2024. Brasil deve pensar na demanda global, diz Silveira ao defender petróleo na foz do Amazonas. ClimaInfo, 06 de novembro de 2024.
[3] ClimaInfo 2025. Em evento com Lula, presidente da Petrobras defende exploração na foz do Amazonas. ClimaInfo, 17 de fevereiro de 2025.
[4] Fearnside, P.M. 2025a. O Lula acordará para a crise climática? 2 – Clima quase fora de controle. Amazônia Real, 26 de fevereiro de 2025.
[5] Fearnside, P.M. 2025b. Última chance para a floresta amazônica brasileira? Amazônia Real.
[5] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real.
[6] Fearnside, P.M. 2023a. Lula e a rodovia BR-319. Amazônia Real, 24 de janeiro de 2023.
[7] Fearnside, P.M. 2024a. Impactos da rodovia BR-319. Amazônia Real.
[8] Fearnside, P.M. 2023b. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro de 2023.
[9] Machado, R. 2023. Lula fala em criar ‘prateleira’ de terras improdutivas para evitar invasões. Folha de São Paulo, 27 de junho de 2023.
[10] Berenguer, E., D. Armenteras, A.C. Lees, P.M. Fearnside, A. Alencar, C. Almeida, L. Aragão, J. Barlow, B. Bilbao, P. Brando, P. Bynoe, M. Finer, B. M. Flores, C.N. Jenkins, C. Silva Jr, C. Smith, C. Souza, R. García-Vilacorta, N. Nascimento. 2024. Drivers and ecological impacts of deforestation and forest degradation in the Amazon. Acta Amazonica 54(Special 1): art. e54es22342.
[11] Fearnside, P.M. 2021. O desmatamento da Amazônia. Amazônia Real.
[12] Brown, S. 2023. Mouth of the Amazon oil exploration clashes with Lula’s climate promises. Mongabay, 28 de abril de 2023.
[13] Fearnside, P.M. 2025c. O Lula acordará para a crise climática?: 1 – A foz do Amazonas. Amazônia Real, 21 de fevereiro de 2025.
[14] Prizibisczki, C. 2025. Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva. OEco, 06 de fevereiro de 2025.
[15] ClimaInfo 2024b. Decisão sobre Petrobras explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas será técnica, repete Marina Silva. ClimaInfo, 01 de outubro de 2024.
[16] Rittner, D. & I. Pitta 2024. Marina quer modelo de licenciamento da Foz do Amazonas em obra polêmica de rodovia. CNN-Brasil, 23 de maio de 2024.
[17] Fearnside, P.M. & W. Leal Filho. 2025. COP 30: Políticas brasileiras precisam mudar. Amazônia Real, 27 de março de 2025.
[18] Pereira, C.C., D.J. Rodrigues, R.A. Salm & P.M. Fearnside. 2025. Projetos na Amazônia trazem riscos ao Brasil e ao mundo. Amazônia Real, 13 de fevereiro de 2025.
[19] Fearnside, P.M. 2024b. O relatório do GT BR-319 de DNIT: A mais recente manobra para obter aprovação para um desastre Ambiental. Amazônia Real, 13 de junho de 2024.
[20] Fearnside, P.M. 2024c. Impactos da rodovia BR-319 – 9: O discurso de governança. Amazônia Real, 26 de junho de 2024.
[21] Fearnside, P.M. 2025. Uma utopia amazônica com ressalvas-1: O perigo mostrado pela história. Amazônia Real, 30 de abril de 2025.
[22] Fearnside, P.M. 2025. Uma utopia amazônica com ressalvas-2: O perigo para desastres futuros. Amazônia Real, 07 de maio de 2025.
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