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ToggleA alfabetização melhorou entre os povos originários que continuam vivendo nas aldeias, mas ela ainda está bem abaixo da média nacional. No registro acima, aluno da comunidade indígena Beija-Flor, em Rio Preto da Eva, Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/01/03/2022).
O maior salto qualitativo da alfabetização brasileira ocorreu entre os povos que vivem em Terras Indígenas (TIs). Dados do Censo 2022 mostram que essa taxa saltou para 79,2% na população que vive aldeada, um crescimento de 17% em relação ao levantamento anterior, de 2010. Esta é uma boa notícia, já que representa uma redução substancial do analfabetismo. A má notícia é que esse patamar é 5 pontos percentuais inferior entre os indígenas de 15 anos ou mais independente de onde vivem e 13 pontos percentuais abaixo da média nacional (93%).
Há considerações a serem feitas antes de destrinchar esses números. O IBGE considera que um brasileiro está alfabetizado se ele sabe “ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem”. Como atestar essa métrica entre populações que se comunicam de forma predominantemente oral? Não é à toa que no recorte para os indígenas de 65 anos ou mais que vivem em TIs a taxa de analfabetismo chega a 67,9% – e de 49,5% entre os que têm entre 60 e 64 anos.
A alfabetização indígena é uma questão que não é levada a sério no Brasil. A dificuldade da distância, diferenças culturais e de língua, falta de professores indígenas, unidades escolares mal equipadas, entre outros problemas, impedem que o ensino seja um direito assegurado aos povos originários. Para uma população que está distribuída em 4.833 municípios e que já ultrapassou 1,6 milhão de pessoas, as marcas da desigualdade se sobressaem. E elas são de múltiplas ordens.
No Norte, a taxa de alfabetização indígena é de 84,7%, a menor entre todas as regiões. Esse número é pior se for levar em conta apenas aqueles que estão aldeados: 76,9%. Por Estados, Amazonas (-19 pontos percentuais), Acre (-15,8 p.p.) e Pará (-13 p.p.) foram os que mais reduziram o analfabetismo no Brasil na última década. Mas o Maranhão (que faz parte da Amazônia Legal) e o Acre ainda são os campeões do analfabetismo brasileiro.
Se o recorte for por gênero, outras más notícias: as mulheres detêm as maiores taxas de analfabetismo dentro (15,7%) e fora (23,6%) das aldeias, muito abaixo da média do sexo feminino nacional, que é de 6,5%. Houve evolução em relação aos dados do Censo 2010, mas continuam abaixo da média brasileira. A diferença de alfabetização entre homens e mulheres indígenas é maior para quem vive nas TIs, o que mostra que mesmo quando a educação chega elas acabam sendo deixadas para trás.
O IBGE analisou também a variação entre as taxas de alfabetização indígena por municípios e detectou que em 2.081 deles houve melhorias nesses indicadores. O problema é que em 999 cidades brasileiras a diferença entre as taxas de alfabetização indígena com o total da população é superior a mais de 50 pontos, mostrando o abismo que há entre essas duas realidades.
O município de São Gabriel da Cachoeira (AM), que possui a maior população indígena do País (67.941), registra uma taxa de alfabetização de 95,4%. Outros municípios com altas taxas são Alto Alegre (RR) com 95,2% e Uiramutã (RR) com 94,7%. Em 8 TIs (Jarudore, Padre, Jaraguá, Peruíbe, Xapecó, Estação Parecis, Ofayé-Xavante e Muã Mimatxi), todas as pessoas com 15 anos ou mais eram alfabetizadas.
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No processo de alfabetização indígena, há realidades muito distintas. A TI Hãm Yîxux, em Minas Gerais, teve a melhor variação entre um Censo e outro. Em 2010, apenas 13,3% de sua população era alfabetizada, enquanto em 2022 esse número saltou para 89,9%. Já o povo Yanomami viu essa taxa variar de 15,9% para 26,78% entre os dois períodos censitários.
A TI Yanomami, maior do País e com uma área de 9,5 milhões de hectares, só pode ser recenseada graças a uma operação especial empreendida pelo IBGE e apoio de outros órgãos governamentais. Distribuídos entre os Estados de Amazonas e Roraima, eles só puderam ser localizados porque os recenseadores recorreram a barcos, caminhadas na selva acompanhados de guias indígenas, transporte aéreo, inclusive caronas. Povo de grande mobilidade territorial, recensear os Yanomami exigiu dos pesquisadores permanecerem dias nas comunidades, sem acesso à comunicação. Eles só eram monitorados por aparelhos satelitais. Sem a referência de fronteiras entre países, o Censo 2022 captou até a presença de indígenas vindos da Venezuela que estavam no território brasileiro.
Registros de nascimento
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Outros dois indicadores apresentados nessa divulgação do Censo 2022 miram a população indígena. Uma delas está indiretamente relacionada à educação indígena, que são os dados de registros de nascimento. O Brasil possui 206.667 crianças indígenas com menos de 1 ano e 337.444 com idade entre 1 e 5 anos. E é na região Norte que se concentra a maioria das crianças indígenas com até 5 anos, com 115.263 menores de 1 ano e 190.888 entre 1 e 5 anos.
Alto Alegre, em Roraima, é o município brasileiro com o maior número de crianças sem registro de nascimento, um problema de maior incidência na região Norte. São 2.001 indígenas sem direito a um documento de identidade. Nesse ranking, Amajari (RR), com 1.175 crianças, e Barcelos (AM), com 706, vêm em seguida. Em comum: eles compõem a TI Yanomami.
Se somar as cidades de São Gabriel da Cachoeira (AM), com 699 crianças, Uiramutã (RR), com 448, Iracema (RR) com 331 e Humaitá (AM), com 269, chega-se à metade das crianças indígenas de 5 anos ou menos que não possuem registro de nascimento. Dos dez municípios com as maiores quantidades de crianças indígenas sem documento de identidade, oito são do Amazonas.
Características do domicílio
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Dos 72,4 milhões de domicílios particulares ocupados no Brasil, 630.428 têm pelo menos um morador indígena nele (0,87% da amostra). Nessas habitações, a média de moradores é maior que a nacional, em torno de 3,64 pessoas – ante a geral de 2,79 pessoas. Mas na região Norte essa concentração é ainda maior: 4,53 pessoas.
O IBGE detectou que 91,9% dos indígenas (1.631.804 pessoas) vivem em casas, inclusive nas TIs. Já o maior percentual dos que vivem em habitações indígenas sem paredes ou malocas é localizado nas terras indígenas, por obviedade, com um índice de 8,2% (52.249 moradores). É no Mato Grosso, onde está o Parque do Xingu, que há maior concentração de habitações indígenas ou malocas em todo o Brasil, seguido de Amazonas e Roraima. Já o município recordista de moradias nessas condições é Alto Alegre, em Roraima, na TI Yanomami.
Mesmo que a grande maioria viva em domicílios particulares permanentes, na nomenclatura adotada pelo IBGE, a precariedade das moradias dos indígenas é maior na região Norte, onde 76% de seus habitantes convivem com algum tipo de deficiência no saneamento básico. No Acre, por exemplo, esse índice é maior: 89,1%.
Nas TIs, essa situação é ainda mais grave, já que 93,8%, ou 120.394 domicílios onde vivem 545.706 indígenas, são obrigados a enfrentar condições inadequadas de saneamento básico (água, esgoto, lixo). O que os pesquisadores do IBGE encontraram dentro das TIs é que a água não chega por uma rede geral de distribuição, como a maioria dos brasileiros que vivem nas cidades é abastecida. Nas 472 TIs analisadas nesse estudo do Censo 2022 divulgado nesta sexta-feira (4), 232 (40,4%) apresentavam metade ou mais das moradias sem acesso à água encanada. Isso significa que são os indígenas os que mais sofrem nos períodos de estiagem.
O Brasil possui 77,4% dos domicílios com destinação adequada de esgoto para uma rede geral coletora, mas isso está longe de ser uma realidade para os povos indígenas. Apenas 44,8% deles contam com formas de escoar o esgoto, e com o agravante de ser destinado para fossa rudimentar, buraco, vala, rio, córrego ou mar. Pouco mais da metade (55,3%) da população indígena tem condições de dar a correta destinação para o lixo, já que eles não contam com esse atendimento em suas moradias – como contraste, 90,9% do restante da população brasileira conta com esse serviço.
![Fachada da Escola Kanata T-Ykua, na comunidade Três Unidos, em Manaus.](https://amazoniareal.com.br/wp-content/uploads/2024/10/capa-1-1024x576.jpg)
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