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Carvão vegetal: o Pará de braços abertos

Carvão vegetal: o Pará de braços abertos


Pode-se acreditar em um encontro mundial em defesa da natureza, com destaque para a Amazônia, ainda a detentora da maior floresta tropical e da maior bacia hidrográfico do planeta, realizado em Dubai, um exemplo radical da agressão humana para artificializar o meio ambiente, com o mais selvagem modelo econômico de mutação?

Nesse cenário paradoxal sugere algum grau de ironia ou cinismo da parte de quem definiu a localização da COP-28. Observadores diretos ou acompanhantes indiretos, estes com os pés fincados nos lugares tão debatidos nessa Disneyworld da magia criada, devem se perguntar sobre onde estavam.

Até recentemente, personagens que tão subitamente se apresentam como guardiões ou campeões do saber sobre as áreas mais complexas e delicadas desta Terra Devastada (na melhor tradução, para mim, do célebre poema de T. S. Elliot, por Ivo Barroso, que cabe como luva ao tema que estou tratando)?

O governador Helder Barbalho, do Pará, por exemplo, apresenta ao mundo suas credenciais de defensor do meio ambiente, perfilando ao lado do presidente Lula, candidato a líder mundial da sustentabilidade. No plano interno, porém, o governo paraense continua a liberar a atuação de uma perigosa atividade econômica: a produção de carvão vegetal.

Quem participa dessa produção jura que não derruba mata nativa. Toda madeira provém de floresta plantada. Mas não há uma fiscalização séria, honesta e competente para garantir que essa declaração é verdadeira. Um saudável ponto de partida seria a adoção da mais ampla transparência na avaliação desses empreendimentos. No entanto, é o que a secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado não oferece à sociedade.

Unidades de carvoejamento são aprovadas com o mínimo de informações publicadas no Diário Oficial. Frequentemente, os editais de licenciamento têm duas ou três linhas. Como se pode verificar nas edições do Diário Oficial do Estado desde que Helder assumiu o governo, em 2019. Ele é fazendeiro, como o pai, o senador Jader Barbalho. Seu irmão, Jader Barbalho Filho, é o ministro das Cidades de Lula, e a mãe, Elcione Barbalho, é deputada federal, todos da cúpula do MDB paraense.

O Pará a caminho da COP 30, que sediará em 2025, queimando floresta para produzir carvão vegetal como o mais nefasto e antigo insumo para o ferro gusa, banido de todos os países civilizados.

As carvoarias continuam em plena atividade no Pará e outras estão se instalando no Estado que mais derruba árvores no país. A Carvoaria Turmalina produz carvão vegetal no município Rondon do Pará. A Onix Carvoaria recebeu da secretaria a licença de instalação para ampliação de 30 fornos e a renovação da licença de operação para continuar a produzir carvão vegetal no município de Nova Ipixuna.

A Norte Brasil Ambiental se instalou para produzir carvão vegetal no município de Benevides, em plena região metropolitana de Belém. A Carvoaria Meta fica só um pouco mais longe, na rodovia Quilombolas quilômetro 7, na margem esquerda, Alça Viária, km 5, no Moju.

Elton Junior Santos de Castro recebeu da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado licença de operação para a produção de carvão vegetal em sua fazenda, na PA-150, em Jambuaçu, no município do Moju. A atividade é próspera. Ele possui madeireira, plantio e faz transporte de carvão. A soma do capital social das duas empresas é de 945 mil reais.

A Cedro Bioenergia é outra produtora de carvão vegetal que recebeu a licença de operação. Ela está localizada no quilômetro 6 da PA-40, no ramal da Fazenda Pequiá, em Tomé Açu. A Carvoaria Xingu fica na estrada Croatinga, sem número, zona rural, município de Senador Jose Porfirio
Já a Carvoaria Beta Ltda, sediada no quilômetro 332 da Transamazônica, em Pacajá, também foi autorizada a produzir carvão vegetal. No município estão funcionando pelo menos mais duas carvoarias.

Uma é a Carvoaria Muiraquitã (cuja razão social é Produção de Carvão Vegetal Muiraquitã Ltda), fundada em 1994 e localizada na Transamazônica, no quilômetro 260. Declara utilizar florestas nativas (aparentemente, não são plantadas). A outra é a Carvoaria Grande Líbano, fundada em 2012, que diz produzir carvão vegetal de florestas plantadas.

Menos de um ano depois de se instalar, a Industria e Carvão Bionergia foi autorizada para a produção de carvão vegetal no município Jacundá. O da CLF Rodrigues dos Santos Carvoaria, para exploração de eucalipto plantado, no município Nova Ipixuna, é mais antigo, de 2016. A FR Produção de Carvão Vegetal atua no quilômetro 134 da Transamazônica, no município de Anapu.

A Carvopar Comércio e Transporte de Carvão Vegetal vai continuar suas atividades de exploração econômica de madeira e lenha em área de floresta plantada no município de Paragominas e de carvão vegetal em Ulianópolis, graças às licenças ambientais da Semas.

Instalada há mais de oito anos no município de Moju, a New Coal Produção de Carvão Vegetal Ltda pediu licença de instalação de fornos retangulares para a produção de carvão vegetal. A empresa diz que o carvão que produz é de floresta plantada, mas as árvores em torno do conjunto de fornos, por seu tamanho e formato, não foram plantadas.

Na foto, divulgada pela própria empresa, vê-se pelo menos 20 desses fornos em plena atividade. Por isso, não se podia saber se era para ativá-los que a companhia requereu a licença, ou é para outra área; Apesar de atuar há tanto tempo, expandindo sua produção, a New Coal tinha capital de apenas 200 mil reais.

A K J de Queiroz Lins Industria de Carvão Vegetal se livrou da punição pela infração ambiental que cometeu. Como a autuação feita pela Semas é de 2015, a mesma secretaria, sete anos depois, tornou sem efeito o auto de infração e sua penalidade, “ante a incidência da prescrição da pretensão executória”. Por isso, o auto se tornou “incapaz de produzir efeitos”. Foi devidamente arquivado.

Assim, a empresa pôde continuar a produzir carvão vegetal, talvez praticando o mesmo crime. Afinal, tudo contra ela deu em nada. O mesmo agente que a puniu com uma mão, a libertou com a outra. Talvez cumprindo o mandamento bíblico segundo o qual uma mão não deve saber o que faz a outra.

Uma empresa de grande porte, a Palmyra do Brasil Indústria e Comércio de Silício Metálico e Recursos Naturais, que tem sócio na Holanda, encerrou suas atividades de mineração, descomissionando cinco minas no sul do Pará, nos municípios de São Geraldo do Araguaia, Marabá e Novo Repartimento. Ao mesmo tempo, recebeu autorização de utilização de matéria prima para a produção de carvão vegetal pela exploração econômica de madeira e lenha em área de floresta plantada, localizada na propriedade Reflorestamento Água Azul I, em Breu Branco.

A Semas autorizou a Sidepar Siderúrgica do Pará a fazer a exploração econômica de madeira e lenha em área de floresta plantada no município de Ulianópolis. A floresta será transformada em carvão vegetal para a produção de ferro gusa.

A Siderúrgica Norte Brasil (Sinobras), de Marabá, que está em recuperação judicial, foi autuada por infração. A Semas, porém, concedeu licença de operação para a empresa transportar carvão vegetal para a sua aciaria, com base em decisão do Conselho Estadual de Meio Ambiente. A prescrição intercorrente da autuação, que não foi julgada cinco anos depois de aplicada, justificou o ato.

A Sinobras, do grupo Aço Cearense, diz que produz o carvão vegetal em 16 fazendas de plantio de eucalipto, com área de 35.531 hectares próprios. A empresa possui 46 fornos retangulares, que, segundo a empresa, “mitigam os impactos ambientais e produzem o redutor bioenergético”.

Dez anos atrás, em 2013, a secretaria autuou a Carvoaria Rio Capim. A empresa foi flagrada por “receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento”. O crime acarreta multa e detenção, de seis meses a um ano.

A Semas, como de regra, aplicou a penalidade de multa simples no valor de 20 mil UPF’s, ou 74 mil reais na época. Como a multa não foi paga, o processo foi encaminhado à secretaria da Fazenda, para inscrição em dívida ativa não tributária, mas acabou arquivado.

No mesmo ano, técnicos da secretaria aplicaram um auto de infração à W C Carvoaria Ltda. Três anos depois foi instaurado inquérito administrativo. Ato do secretário tornando sem efeito o auto de infração, “ante a incidência da prescrição da pretensão executória”.

Outras empresas também se livraram das autuações pelo mesmo motivo: o Estado não é capaz de dar andamento hábil aos processos capaz de evitar a prescrição, consagrando a impunidade dos crimes ambientais. No caso, trata-se de uma empresa que produz carvão vegetal, alegando ter floresta plantada para se prover de matéria prima. Fica-se sem saber se é verdade porque o prazo para a punição se esgotou.

A W C Carvoaria foi criada em 2021, no Moju, com capital de 100 mil reais (o mesmo valor até hoje), um ano antes de ser flagrada pela fiscalização. Terá mudado de procedimento se o poder público não finaliza o que inicia?

A Âncora Siderúrgica, que produz ferro-gusa em Marabá, renovou autorização para exploração florestal, que lhe permitiu realizar “exploração econômica de madeira e lenha em área de floresta plantada”. A empresa, estabelecida em 2017, com capital de 13,3 milhões de reais, se declara dona da Fazenda Anajás, localizada na margem direita do rio Itacaiúnas.

Como são poucas as informações disponíveis e considerando fotos da área, fica a questão: é floresta suficiente para garantir a produção de gusa? Ela vai servir para a produção de carvão vegetal? Quem produzirá?

O mínimo que se poderia esperar da secretaria seria a suspensão do recebimento de novos projetos de carvão vegetal e a revisão dos que se acham em atividade para uma fiscalização imediata e punição, conforme o rigor da lei, dos que estiverem em falta, aplicando a penalidade de detenção, quando for o caso, e de fechamento dos fornos.

Quem quer produzir carvão vegetal não tem o que reclamar do governo ecológico (para egípcio se impressionar) de Helder Barbalho. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado continua a conceder licença de operação para uma das atividades mais negativas ao meio ambiente e mais antissociais, sempre acusada de usar trabalhadores em condição de escravidão: a produção de carvão vegetal.

Porque se desta vez a poderosa mineradora Vale cumprir a sua palavra, implantando a tal de siderúrgica de ferro gusa verde, em escala de produção muito maior do que de todas aqui citadas, a praga vai rebrotar. E se espalhar, à sombra da propaganda manipulada.


A imagem que abre este artigo mostra uma carvoaria nas proximidades de Belém, PA (Foto: Alberto César Araújo/Arquivo AR).


Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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