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Carbono: nova batalha dos indígenas

Carbono: nova batalha dos indígenas

Indígenas Ashaninka e Munduruku defendem a Consulta Livre, Prévia e Informada às etnias, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nas negociações de acordos governamentais sobre o mercado de crédito de carbono nos territórios, os mais preservados na Amazônia. No mês passado, os governos do Acre e Pará anunciaram acordos de financiamentos climáticos e repartição de benefícios com indígenas. O líder Francisco Pyãko, do povo Ashaninka, advertiu que não houve consulta dentro dos territórios. Ele diz que, até o momento, o governo do Acre realizou apenas discussões virtuais e uma presencial, dentro de sua sede. Já Alessandra Munduruku denuncia práticas de assédios aos indígenas por parte de empresas de crédito de carbono e critica a assinatura de um acordo do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).


Rio Branco (AC) – Povos indígenas do Acre rejeitam a forma como o governo do estado está conduzindo o processo para obter certificação global para negociar crédito de carbono no mercado internacional. No mês passado, o governo do Acre divulgou um documento afirmando que o processo deu mais um passo para o credenciamento padrão ART Trees para acessar financiamento da Coalizão LEAF, formada por um grupo bilionário composto por quatro países (Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e Coreia do Sul) e empresas multinacionais interessados em comprar créditos de carbono para compensar emissões de gases de efeito estufa, mas a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) advertiu que antes de qualquer certificação ou negociação é preciso que sejam realizadas consultas dentro dos territórios. A organização também criticou a linguagem do documento do governo, considerada inadequada e inacessível.

“Para que o processo de Consulta Livre, Prévia e Informada tenha validade, deverá ocorrer com os procedimentos adequados nas Terras Indígenas. Diante do avanço destas articulações do governo do estado do Acre, a OPIRJ reafirma a preocupação com a falta de informação e transparência sobre os impactos e benefícios destas negociações para a dos povos e seus territórios”, diz trecho da nota divulgada pela organização e enviada à Amazônia Real.

O líder e coordenador da OPIRJ, Francisco Pyãko, do povo Ashaninka, disse que as discussões feitas nas câmaras temáticas, instâncias dentro do governo do Acre representativas de diferentes segmentos, não são suficientes. Uma delas é a Câmara Temática Indígena que, segundo Pyãko, está “defasada” e não consegue dialogar com os povos. Segundo ele, os indígenas devem ter o direito de aceitar ou recusar projetos de crédito de carbono, mas para isso precisam ser ouvidos em reuniões realizadas dentro de seus territórios. Não apenas em nas esferas administrativas.

“Os povos indígenas são autônomos. Tem que fazer consulta dentro do território deles. Não adianta colocar o pessoal da Câmara Temática Indígena. Ali não é instância para deliberar essas questões”, alertou Pyãko, que afirmou que planeja dialogar com a própria certificadora para que a empresa tenha conhecimento sobre o que está acontecendo.

De acordo com o governo do Acre, foram realizadas seis reuniões virtuais e uma presencial e o tema foi “amplamente discutido”. A presencial aconteceu em um dos prédios do chamado Palácio das Secretarias, um complexo administrativo de repartições do governo.  

A OPIRJ é uma organização que reúne representantes de 13 terras indígenas e 11 povos na região do rio Juruá, no Acre. Entre os povos, estão os Huni Kuin, os Kuntunawa e os Puyanawa, além dos Ashaninka.

Francisco Pyãko teme que o mercado de carbono tire vantagem dos territórios tradicionais e indígenas e da floresta sem que seus líderes sejam ouvidos. Ele lembrou que “a tutela acabou” e que os indígenas têm direito garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O Estado está se habilitando para uma posição de negociar créditos de carbono. Isso envolve créditos de carbono nas terras indígenas. Estou falando para [o governo] dialogar sobre uma negociação que está para vir, sobre recursos de crédito de carbono que estão nesses territórios. Não adianta botar numa sala um tanto de pessoas e discutir sobre o território e ninguém fazer essa pergunta nos próprios territórios: ‘posso negociar o seu crédito de carbono?’ Se chegaram a negociar os créditos de carbono sem uma consulta aos indígenas nos territórios, estão errados.”

Na nota enviada à Amazônia Real, a OPIRJ diz que “o processo de revisão do documento, que se deu no âmbito da Câmara Temática Indígena (em encontros presenciais e online), foi apressado, disperso e direcionado, afetando a compreensão e o debate apurado das informações que foram validadas.”

A Coalizão LEAF foi lançada em 2021 e reúne empresas e países que têm o objetivo de mobilizar 1 bilhão de dólares em financiamento para redução de desmatamento e emissões de crédito de carbono. A coalizão atua apenas no modelo de “jurisdição”, ou seja, em áreas subordinadas a governos estaduais e nacionais. E não por territórios autônomos.

O governo do Acre informou em junho que tinha interesse em negociar crédito de carbono com a Coalizão LEAF (sigla de Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance). Em 18 de setembro, o governo de Gladson Camelli (PP) anunciou a submissão de uma ‘nota conceitual’ à empresa ART Trees para obter a certificação. ART Trees é a sigla de um padrão que mede o REDD + nas jurisdições onde ele for aplicado. REDD + é sigla de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, um conceito de mitigação da crise climática proposto há mais de 20 anos por especialistas nos encontros da COP (Conferência das Partes) e que ao longo das décadas vem sendo aprimorado.

Segundo o governo do Acre, o processo de discussão sobre a certificação visando as negociações de crédito de carbono abrangeu discussões entre a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento (CEVA) do Sisa; o Grupo de Trabalho Interinstitucional Indígena, Câmara Temática Indígena (CTI); da Câmara Temática de Mulheres (CTM) e o Comitê Científico.

Mas a OPIRJ considera insuficientes as discussões que foram feitas nestas câmaras que compõem a CEVA e o Sisa. “Não pode [a CTI] ser considerada como uma instância deliberativa para a tomada de decisão sobre REDD+ e Mercado de Carbono em Terras Indígenas. Como Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá e integrante da CTI defendemos a autonomia de cada povo para a tomada de decisão em qualquer negociação que envolva os seus territórios”, diz trecho da nota da OPIRJ.

A organização também alerta que o documento do governo do Acre visando a certificação para crédito de carbono apresenta garantias das Salvaguardas de Cancún, mas que os pontos descritos “não estão ‘em conformidade’, pois os povos indígenas, em seus territórios, não foram devidamente informados e consultados com “participação plena, eficaz e com confiança mútua”.

Salvaguardas de Cancún são diretrizes estabelecidas por países como garantias de direitos aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Na prática, todos os governos que se credenciarem ao padrão ART Trees com pretensões para negociar com a Coalizão LEAF precisam estar em conformidade com essas salvaguardas. E isso inclui processos de consulta aos povos indígenas e populações tradicionais. 

Acre faz discussões virtuais

Francisco Piyãko ( Foto: Katie Maehler / Mídia NINJA).

O presidente do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), órgão estadual que conduz o processo, Leonardo Carvalho, afirma que o governo entrou agora na fase do planejamento de um processo de consultas públicas que serão realizadas em 2025 “com ampla participação de todos esses setores em reuniões, serão realizadas de forma regional”. Ele afirma que o próprio Francisco Pyãko e a OPIRJ são membros da “governança” do Acre e que a liderança participou “de todo esse processo de conhecimento do documento”.

“A nota conceitual é um documento formal em que o estado do Acre declara que tem condições de começar o processo de certificação, mas que ele não importa efetivamente na venda de crédito de carbono. É apenas um primeiro passo para certificação desses créditos e nós temos fortalecido a governança do Sisa (Sistema Estadual de Incentivos aos Serviços Ambientais) que tem a participação efetiva da câmara temática indígena e das mulheres, da sociedade civil”.

Segundo Carvalho, foi realizada uma capacitação “específica para o entendimento sobre o que era o documento, com sete reuniões discutindo detalhadamente, apesar de não ser necessário para encaminhar esse primeiro documento as ditas consultas”.

Mas Francisco Pyãko reage a essa justificativa. Para ele, o governo do Acre e as propostas apresentadas no documento pedindo a certificação não atendem às cobranças dos indígenas. Francisco diz que não há falta de conhecimento por parte dele e de outras lideranças sobre o assunto. O que falta é consulta nos territórios.

“A gente não está discutindo o Sisa, se está errado ou não. Não é falta de conhecimento sobre o protocolo. Não é questão de ser jurisdicional ou não. Quem tem poder de decidir se quer negociar ou não são os indígenas. Para negociar crédito do carbono, tem que ter autorização. Qual é a parte indígena que está dando uma anuência para essa negociação? A partir do momento que você tem um certificado desse, o próximo passo é negociar os créditos de carbono nos territórios e as terras indígenas não foram consultadas”, explica Pyãko.

Leonardo Carvalho afirma que  existe uma série de outros requisitos e etapas a serem cumpridas para obtenção do padrão internacional e que o processo de escuta e participação é permanente.

“Temos dado total publicidade aos atos e engajado os membros da governança a participarem e contribuírem ao longo deste processo. Os povos indígenas, tal qual os extrativistas, ribeirinhos e demais beneficiários, têm papel primordial neste processo, uma vez que por meio da Governança do Sistema podem expressar e monitorar estágios de desenvolvimento do programa jurisdicional e a estratégia de repartição de benefícios”, disse Carvalho.

A assessoria de comunicação do Instituto de Mudanças Climáticas (ICM) afirmou que futuros recursos vindos da negociação com a Coalizão LEAF vão beneficiar indígenas, mas que estes serão consultados para decidir sobre a repartição. Segundo a assessoria, a previsão para a primeira escuta seja realizada em dezembro deste ano com a participação de lideranças de todo o Acre. “As consultas regionalizadas serão realizadas junto aos ‘beneficiários’ para definir como se dará os percentuais a serem destinados aos segmentos produtivos: agricultura familiar, povos indígenas, cadeias produtivas, gestão ambiental e territorial”, diz nota da assessoria.

Francisco Pyãko contesta este modus operandi, uma vez que não houve a consulta livre, prévia e informada dentro dos territórios, o que os coloca em preocupação com os próximos passos. Ele lembrou que há atualmente um processo articulado em todos os estados da Amazônia para negociar os recursos dos territórios indígenas, mas salientou que só quem tem legitimidade para decidir se quer ou não são os próprios indígenas. 

“Por mais que digam [o governo do Acre]: ‘ah não, mas nós não estamos negociando’. Claro  que estão! Tem toda uma intenção. É uma tendência de fazer negociação dos créditos dizendo que isso vai ser uma próxima etapa, que vai discutir repartição de benefício, mas quem autorizou fazer isso? Essa é que é a questão”, questiona. 

Indígenas do Pará denunciam falta de consulta

Alessandra Korap (Foto Mídia Ninja).

A Coalizão LEAF é uma “parceria público-privada única focada em deter o desmatamento tropical até 2030 e recompensando jurisdições com florestas tropicais e subtropicais que reduzem com sucesso o desmatamento e a degradação florestal”, segundo consta em seu site. Os países que integram a Coalizão são Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Coreia do Sul. A Coalizão tem mais de 25 empresas que se comprometem em financiar as doações, entre elas Amazon, Bayer, Walmart, etc.

De acordo com o site, no , os estados que assinaram termo de intenção de acordo são Pará, Amazonas, Mato Grosso e Amapá. Os recursos serão destinados a jurisdições (estados ou países) conforme a redução do desmatamento.

O estado que saiu na frente na negociação foi o Pará. No mês passado, o governador Helder Barbalho (MDB), assinou um um acordo durante a Semana do Clima de Nova York, no valor estimado de R$ 1 bilhão de reais.

A assinatura foi recebida com surpresa e críticas por lideranças indígenas e ambientalistas do Acre. Em uma carta, eles contestaram o acordo, dizendo que foi feito sem consulta às populações dos territórios negociados pelo governo, e que “representa uma clara violação do direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-Fé”.

Na carta, os movimentos sociais afirmam que a Coalizão é composta por países como Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e República da Coreia e empresas “que pouco ou nada têm feito para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e tentam terceirizar esta responsabilidade aos povos da floresta”.

A liderança indígena Alessandra Korap Munduruku, que há anos vem denunciando práticas e assédios de empresas de crédito de carbono aos povos indígenas, fez uma dura crítica à assinatura do governo do Pará.

Em entrevista à Amazônia Real, ela explicou que há uma luta das associações para manter-se informados sobre tudo o que é feito a respeito de seus territórios. “Quando a gente sabe que o governo, as empresas privadas, estão negociando crédito de carbono em cima das nossas cabeças, com nós todos dentro, a gente entende que é uma venda com os povos indígenas juntos. A gente parece que não tem o direito de ser consultado”, diz.

Alessandra observa que a complexidade da linguagem dificulta a compreensão, tanto para ela quanto para aqueles que falam apenas línguas nativas já que se tratam de muitos termos estrangeiros.

A liderança Munduruku destaca que a falta de informação clara e acessível sobre o crédito de carbono impede que os povos indígenas compreendam seus direitos e participem de forma significativa nas discussões que afetam o lugar onde vivem.

“Eu, Alessandra, que vivo viajo muito as vezes, eu quero entender que sigla é aqueles que estão discutindo sobre crédito, REDD+, bioeconomia, ConaREDD, crédito de carbono e às vezes a gente fica confusa, eu fico confusa querendo saber muito mais, imagine aqueles que só falam em língua nativa? É bem preocupante porque não é língua nativa; tem que explicar. Eles também têm o direito de saber seus direitos e muitas vezes não chega às informações na base quando a gente vai saber das informações já foi discutido com o governo e nós que somos da base associações é o nosso dever ser consultados”, pontua a liderança Munduruku.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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