Foto: Christian Braga/WWF-Brasil
As seringueiras da Amazônia voltaram a mobilizar a sociobioeconomia, garantindo renda e mudando a realidade de centenas de famílias que atuam na cadeia produtiva da borracha nativa no Amazonas, principalmente na área de influência da BR-319. Os municípios de Canutama, Manicoré e Lábrea, situados na BR-319, geraram mais de 131,5 toneladas de látex em 2023. A previsão é a safra de 2024 ultrapassar 150 toneladas nesses três municípios amazonenses.
O presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas de Canutama (Aspac), a 640 quilômetros (km) de Manaus, Leandro Nascimento, comenta como a produção vem proporcionando grandes benefícios para mais de 100 famílias de seringueiros da cidade.
“Com a retomada da cadeia da borracha, começamos com sete famílias em 2021, que geraram 2.102 quilos (kg). Em 2022, chegamos a 47 famílias com 19.624kg e, no ano passado, atingimos 69 famílias e mais de 29,2 toneladas de borracha. Neste ano, temos 101 famílias associadas atuando diretamente com a produção da borracha e a previsão é atingir mais de 40 toneladas. Esse projeto está mudando a nossa realidade e a vida de muitas pessoas. A família toda ajuda, com seringueiros e seringueiras, além de seus filhos retirando o látex. Tem família que vai apresentar uma tonelada de borracha na produção de 2024 e isso gera um bom dinheiro para eles realizarem seus sonhos”, comenta Leandro.
Já em Manicoré, a 347km da capital do Amazonas, a borracha se tornou a principal fonte de renda de muitas famílias, que antes atuavam no garimpo e outras práticas ilegais. No município, há a Associação dos produtores Agroextrativistas do Igarapezinho (APAIGA), Associação dos Moradores Agroextrativistas do Lago do Capanã-Grande (AMALCG), Associação de Moradores Agroextrativistas da Comunidade de Bom Suspiro (APACOBS) e Associação de Moradores Agroextrativistas Nossa Senhora de Nazaré da Barreira do Matupiri (APRAMAD), além da Associação de Moradores Agroextrativistas do Rio Atininga (ATININGA).
Produção em 2023:
- AMALCG – 21.350kg;
- APAIGA – 15.200 kg;
- famílias seringueiras da APACOBS – 5.871kg;
- APRAMAD – 4 mil kg;
- e a ATININGA – 3.090kg.
Duas organizações que fazem parte do Observatório BR-319, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e o WWF-Brasil atuam no projeto “Juntos pelo Extrativismo da Borracha da Amazônia”, que vem impulsionando a retomada da produção com uma grande mobilização entre empresas, organizações da sociedade civil e poder público. A iniciativa também é um caminho positivo para aumentar a proteção das florestas e das pessoas que vivem nelas, além de ajudar a diminuir os impactos das mudanças climáticas.
Natasha Mendes, analista de conservação do WWF – Brasil, afirma que “a revitalização da cadeia produtiva da borracha nessa região é uma forma de resistência frente às mudanças climáticas, altos índices de desmatamento e expansão da fronteira agrária nesta região. É uma alternativa sustentável e viável de gerar renda através da floresta em pé, além de trazer dignidade às populações desta região”.
“O arranjo produtivo da borracha nativa da Amazônia significa um grande avanço. O CNS é uma organização que luta pelos direitos dos seringueiros há 40 anos e as associações fazem um trabalho fundamental para a garantia da floresta e da vida dos povos da floresta. O trabalho na cadeia da borracha tem tirado, inclusive, pessoas do garimpo ilegal, que hoje ganham dinheiro sem causar danos ambientais e esse é um dos motivos pelos quais lutamos pela continuidade, e expansão do projeto, que dá dignidade aos extrativistas”, comenta a secretária de Direitos Humanos do CNS, Silvia Elena Batista.
O projeto ‘Juntos pelo Extrativismo da Borracha da Amazônia’ já beneficiou 4.170 famílias e contribuiu diretamente para a conservação de mais de 60 mil hectares de floresta na Amazônia a partir do manejo para a produção da borracha, somente em 2022.
Outro resultado positivo é o alcance das ações em Unidades de Conservação que somam mais de 1,3 milhão de hectares em áreas pressionadas pelo desmatamento e outras atividades ilegais; entre as UCs estão: Reserva Extrativista (Resex) do Lago do Capanã Grande, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Madeira, ambas em Manicoré; a Resex Canutama e a Floresta Estadual (FES) Canutama; além da Resex Médio Purus, em Pauini. Outros municípios amazonenses que também compõem o arranjo da borracha são: Eirunepé, Barcelos e Itacoatiara.
Só no primeiro ano de extração de látex com o apoio do projeto, em 2022, mais de 60 toneladas de borracha nativa foram produzidas e vendidas para a Michelin no Brasil, gerando R$ 900 mil de renda para as famílias participantes.
Em Lábrea
Em Lábrea (a 852km de Manaus), a Associação dos Produtores Agroextrativistas da Comunidade José Gonçalves (APAC.J.G), que possui 20 anos de atuação, é outro exemplo de como a retomada da cadeia produtiva da borracha nativa da Amazônia vem proporcionando grandes benefícios para os seringueiros. Em 2023, cerca de 223 famílias produziram 52,8 toneladas.
Atualmente, a produção parte de Lábrea, segue pela BR-319 até Porto Velho (RO) e, depois, para o município de Sena Madureira, no Acre, onde a borracha é processada. A produção deste município faz parte de outro arranjo, que vende a borracha para o Acre.
“Ainda enfrentamos muitas dificuldades como a falta do kit sangria, que é a tigela, balde e faca, porque não tem no mercado e ainda tem um valor alto. Falta de políticas públicas para fortalecer ainda mais a cadeia produtiva da borracha. Essa produção, além de ajudar na geração de renda, também tem um papel social muito importante. Porque tirou muitos jovens que estavam fazendo coisas ilícitas e hoje ajudam os pais na retirada do látex. Além disso, a associação não tem sede própria. Mas nada impede de lutarmos para crescer cada vez mais e os números estão apontando isso”, comenta o presidente da APAC.J.G, Antônio David Brito.
Segundo ele, a associação começou com 25 famílias em 2019 e apenas cinco toneladas, e foram crescendo, ano a ano. A meta deles é atingir 60 toneladas na safra de 2024. “Isso é muito bom, porque é uma forma de valorizar o nosso trabalho. Nós somos grandes protetores das florestas e todo esse trabalho precisa ser cada vez mais recompensado”, complementa.
A Semana Chico Mendes 2024 celebra a trajetória de um dos maiores líderes socioambientais do Brasil, que tem profunda relação entre o ciclo da borracha, o movimento sindical e a resistência dos seringueiros no Acre. O evento homenageia não apenas a memória de Francisco Alves Mendes Filho, conhecido mundialmente como Chico Mendes, mas, também, a organização coletiva que ele inspirou e que segue viva na luta por justiça ambiental e social.
O ciclo da borracha, que marcou a economia da Amazônia no final do século XIX e início do XX, manteve seringueiros da região sob o domínio e exploração dos “coronéis da borracha”. Com o declínio da atividade, muitos seringueiros permaneceram presos a um sistema de dívida, enquanto a expansão de grandes empreendimentos na Amazônia ameaçava seus modos de vida.
Foi nesse contexto que, entre 1970 e 1980, surgiu o movimento sindical dos seringueiros no Acre, liderado por Chico Mendes, que culminou na fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e, posteriormente, a criação da Aliança dos Povos da Floresta, que se tornaram espaços de resistência. Por meio de estratégias como os “empates” – manifestações pacíficas contra o desmatamento – os seringueiros passaram a defender tanto seus territórios quanto a preservação da floresta.
A luta de Chico Mendes não apenas garantiu direitos trabalhistas, mas também deu origem às Reservas Extrativistas (Resex), modelo de Unidade de Conservação que une desenvolvimento sustentável e justiça social, protegendo tanto o meio ambiente quanto as comunidades tradicionais.
Todo ano, o Comitê Chico Mendes realiza a “Semana Chico Mendes”, que em 2024 tem como tem “Chico 80 Anos: A Luta Continua”. O evento, além de celebrar o legado de Chico, promove debates, atividades culturais e reflexões sobre o papel das populações tradicionais na conservação da Amazônia. Saiba mais sobre a programação aqui.
Sobre Chico Mendes
Chico Mendes, nasceu em 15 de dezembro de 1944, no seringal Porto Rico, no Acre. Filho de seringueiros, sua luta teve reconhecimento internacional, recebendo prêmios, como o “Prêmio global 500”, de Organização das Nações Unidas (ONU), e o apoio de instituições como o WWF. Ele manteve sua atuação em defesa da floresta e da justiça social até ser brutalmente assassinado em 22 de dezembro de 1988, em sua casa, em Xapuri. Saiba mais.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Observatório BR-319, com textos produzidos pela jornalista Emanuelle Araújo, da agência Up Comunicação Inteligente; e com informações do comunicador Victor Manoel, do Comitê Chico Mendes.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
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