Índice
ToggleSegunda-feira, 24 de novembro, primeiro dia útil após o fim da COP30, a conferência do clima das Nações Unidas. Dois dias depois de lançar ao mundo o mapa do caminho para longe dos combustíveis fósseis, o Brasil sancionou a Medida Provisória (MP) 1.304 – agora lei nº 15.269 de 2025 – prorrogando até 2040 a contratação compulsória de eletricidade proveniente de termelétricas movidas a carvão mineral.
Duas semanas antes, no dia de abertura da conferência, o Ibama havia arquivado o processo de licenciamento do último projeto de usinas a carvão mineral na América Latina.
Sob a justificativa de segurança energética e redução de tarifas, a MP estabelece um novo marco regulatório para o setor elétrico. De relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), a MP ganhou os “jabutis” – matérias estranhas ao tema – referentes ao carvão em julho, a partir da emenda nº 0037, de autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC).
Agora tornada lei, ela estende em mais de uma década a validade de contratos com usinas a carvão de origem nacional, inicialmente previstos para terminar até o fim de 2028.
“Nos últimos quatro ou cinco anos, o lobby dentro do governo vem buscando formas de dar uma sobrevida a esse combustível fóssil,” disse John Wurdig, gerente de Transição Energética do Instituto Internacional Arayara.
Ainda em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro, um projeto de lei tramitado em regime de urgência garantiu contrato até 2040 a um complexo específico: o de Jorge Lacerda, em Santa Catarina.
O que veio na sequência, disse Wurdig, de projetos de leis a “jabutis”, foram tentativas de ampliar a regalia às demais usinas da região Sul, que consomem carvão de origem nacional.
O retorno do carvão aos holofotes foi cimentado em agosto, quando o Ministério de Minas e Energia (MME) autorizou a inclusão desta fonte no leilão de contratação de geração de eletricidade, marcado para março de 2026. Foi a primeira vez em 11 anos.
O prazo para cadastramento no leilão encerrou em 14 de novembro, com três usinas a carvão cadastradas.
“Fomos todos pegos de surpresa,” disse Wurdig. “Embora não esteja prevista a construção de novas usinas termelétricas a carvão, vamos dar novos contratos àquelas existentes.”

Semanas antes da aprovação, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) havia recomendado à Casa Civil o veto presidencial aos ítens da então MP1.304 relacionados à prorrogação dos contratos de térmicas a carvão. A recomendação foi ignorada.
Em nota ao portal ((o))eco, o MMA escreveu que “procura olhar o quadro da crise climática em sua totalidade,” e que “continuará a incentivar a contratação de fontes de energia limpas e renováveis que ofereçam flexibilidade e segurança ao sistema, como aprimoramentos hidrelétricos, biomassa, solar e eólica com armazenamento, bem como soluções de eficiência energética e smart grids.”
O aceno brasileiro ao lobby dessa indústria ocorre no ano em que, pela primeira vez, a geração global de energia renovável superou a geração a carvão. É também quando a Agência Internacional de Energia (IEA) estima que a demanda por esse combustível tenha alcançado – ou esteja prestes a alcançar – o seu pico definitivo.
Ao mesmo tempo, 2024 viu um recorde na demanda por carvão, liderada por países como Índia e China – apesar do avanço de fontes renováveis neste último. Também nos últimos meses, desde que Donald Trump retornou à Casa Branca, os Estados Unidos têm redobrado esforços para revitalizar o que o presidente chama de “carvão lindo e limpo”.
Nesse cenário, as escolhas domésticas vão de encontro às promessas brasileiras à comunidade internacional. “A extensão dos benefícios ao setor carbonífero até 2040 mostra desconsideração completa com a crise climática,” disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “Se o Brasil pretende mesmo assumir a liderança na construção do mapa do caminho para o afastamento dos combustíveis fósseis, tem de assegurar compatibilidade entre o que propõe lá fora e o que pratica aqui.”
O carvão na matriz elétrica brasileira
O sistema elétrico brasileiro não envolve armazenamento de energia em larga escala. “Em horários de pico, especialmente no começo da noite, o sistema precisa de uma carga de energia maior, que ele não tem, porque aquilo que é gerado é imediatamente distribuído,” disse Wurdig.
É justamente o suprimento dessa demanda que, segundo o MME, justifica a necessidade de termelétricas. Ao contrário de fontes intermitentes, como eólica e solar, essas usinas poderiam ser acionadas a qualquer momento.
“Mas a flexibilidade e agilidade de operação varia de termelétrica para termelétrica. Uma central movida a gás ou óleo diesel tem capacidade de estar operacional muito mais rapidamente,” disse Ricardo Baitelo, Coordenador de Projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). “Já uma que depende de carvão não é capaz de reagir com a velocidade necessária, o que significa que precisa estar ligada em tempo integral, mesmo quando não existe demanda.”
Usinas dessa natureza podem demorar horas, ou mesmo dias, para começar a gerar energia, algo que segundo o Instituto Arayara, as torna inadequadas como reserva de potência. Mas graças a uma lei sancionada em 2022 pelo então presidente Bolsonaro, elas serão as primeiras acionadas quando fontes renováveis falharem em suprir a demanda.
A fragilidade do carvão como fonte geradora de eletricidade ficou evidente em 2024, durante as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, quando a usina de Candiota III esteve inoperante por meses.
Dois anos antes, em 2022, ela apresentou o menor índice de eficiência – quantidade de energia convertida em eletricidade – em um grupo de 72 termelétricas movidas a diferentes combustíveis fósseis.
“Além de pouco eficiente, a eletricidade gerada por essa fonte não se justifica economicamente,” disse Clauber Leite, diretor de Bioeconomia e Energia Sustentável do Instituto E+ Transição Energética. “Ela só se torna competitiva a partir de subsídios, que são pagos na forma de tarifas pelos consumidores.”
Cálculos do Instituto Arayara indicam que a população brasileira gasta hoje mais de R$1 bilhão por ano em subsídios para incentivar a geração a carvão. Segundo a organização, o custo adicional da contratação compulsória dessa energia, estabelecida pela nova lei 15.269, deve orbitar R$2,5 bilhões ao ano, podendo atingir R$107 bilhões até 2040.
“Com a sanção da lei, esses repasses deixarão de ser subsídios e passarão a ser cláusulas dos contratos entre as empresas e o governo para a compra dessa energia,” disse Wurdig. “Para as empresas, essa é uma zona de conforto, já que não precisarão buscar clientes que comprem a sua energia, ou correr atrás do subsídio.”
Sem qualidade, e sem plano de transição
O carvão é o mais poluente dos combustíveis fósseis, e sua queima é responsável pela maior parcela das emissões globais de gases do efeito estufa (GEE), especialmente das provenientes do setor energético.
Segundo o Monitor do Carvão Mineral, as reservas brasileiras estimadas de carvão mineral superam 27 bilhões de toneladas, sendo as maiores da América Latina. A indústria nacional de sua mineração está altamente ligada às termelétricas: 70% de toda a produção é destinada a este fim.
“Essa cadeia não se mantém de forma independente. Ela só sobrevive graças aos subsídios, que terminam sendo repassados às mineradoras,” explica Wurdig.
Desde 2013, empresas que geram energia elétrica a partir do uso de carvão mineral recebem 100% de reembolso quando a compra é feita e de combustível nacional. Essa verba sai da chamada Conta de Desenvolvimento Energético, embutida na tarifa de energia paga por consumidores.
Esse é o caso das usinas e complexos localizados na região Sul do Brasil. Embora o país também tenha termelétricas movidas a carvão mineral na região Nordeste, lá o combustível utilizado é importado.

O carvão brasileiro é considerado como de baixa qualidade. “Ele tem um alto índice de impurezas, que levam a um menor poder calorífico,” disse Leite.
Entre 2010 e 2024, quase 47% do que foi minerado terminou descartado como rejeito. Composto por cinzas, enxofre e outros materiais, esse subproduto tóxico permanece no solo e em águas subterrâneas. Só no estado de Santa Catarina, essa degradação alcança uma área de cerca de 18 mil hectares.
Além disso, segundo dados da IEA, as emissões brasileiras de GEE causadas pela queima de carvão tiveram um aumento de 18% entre 2000 e 2023. O país ocupa o primeiro lugar no ranking de emissões por queima de carvão nas Américas Central e do Sul, e o 19º no ranking global.
O Brasil tem hoje nove usinas termelétricas a carvão em operação dentro do Sistema Integrado Nacional. Seis delas – localizadas no Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina – estão entre as dez termelétricas que mais emitem GEE por eletricidade produzida. Contudo, essa fonte representa pouco mais de 1% da capacidade instalada nacional.
“A capacidade instalada dessas usinas representa uma porcentagem muito pequena da matriz elétrica brasileira, de forma que se fechássemos as termelétricas movidas a carvão, não haveria grandes efeitos para o sistema como um todo,” disse Anton Schwyter, analista de energia elétrica do IEMA.
O mesmo, contudo, não vale para as regiões carboníferas, especialmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, historicamente dependentes dessa atividade. “O discurso sobre o futuro dos trabalhadores acaba sendo um dos principais discursos a favor da permanência,” disse Leite. “Mas o dinheiro que vem é só para os empresários, não para os trabalhadores.”
Em nota, o Instituto Arayara enfatiza que “as tentativas de lobby do setor de carvão mineral, apresentadas em diversos projetos de lei até o momento, não incluem diretrizes para a preparação dos trabalhadores.”
“Isso acaba por adiar o debate sobre como fazer uma transição energética justa,” disse Leite. Ele acredita que, com esse aceno ao carvão, o Brasil está indo na contramão de um movimento global inevitável de abandono da dependência desse combustível.
A solução, ele diz, não é parar a exploração e queima de uma hora para outra. “O que precisamos é garantir que haja uma saída sustentável, para o meio ambiente e para os trabalhadores, dessa tecnologia que já não faz mais sentido.”
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor






