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BR-163: caminho de passagem para commodities

BR-163: caminho de passagem para commodities


Em outubro de 2026, a BR-163 completará meio século de existência, mas há poucos motivos para comemorara data. Quando ela foi inaugurada, em outubro de 1976, era tratada pelo título de Santarém-Cuiabá, Hoje, a inversão da sua designação não foi por acaso. Os moradores de Santarém, na época a segunda maior cidade do Pará, achavam que, finalmente, a região seria atendida pelo governo central. De Cuiabá até Santarém, surgiu uma rota prioritária de exportação de soja e outras commodities. Santarém é porto de passagem.

Durante décadas (ou séculos), vozes pioneiras e autores futuristas garantiam que a rodovia iria abrir caminho para levar produtos típicos de uma economia asfixiada, do Norte para o Sul do Brasil. Não era exatamente o modal preferido: os planos das elites locais consideravam mais vantajosa uma ferrovia ou uma hidrovia. Mas uma rodovia já satisfazia, sobretudo se Brasília aplicasse uma boa técnica de planejamento regional, como o que foi seguido pelo plano de desenvolvimento da Amazônia, entre 1953 e 1966 (a era da SPVEA, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia).

O Banco Mundial se oferecia para introduzir nessas propostas um modelo diferente. Em Rondônia, por cujo território avançava uma intensa frente pioneira, foi o Polo Noroeste, uma tentativa (vã?) de impedir a devastação florestal que se consumava. Na área da ferrovia de Carajás, um capítulo de atenção aos indígenas, esquecidos pela fúria exportadora de minérios, drenada pelo maior trem de cargas do mundo.

Em 1982, durante a minha primeira viagem aos Estados Unidos, me foi dado acesso a essas três formulações do Banco Mundial (podendo ler na sede do banco, sem o direito de copiar os textos) para oferecer um guia mais civilizado do que uma política inteiramente concebida para atrair grandes empresas e fazê-las obter os rendimentos econômicos mais rápidos e maiores. O Bird apostava nas credenciais dos projetos demonstrativos que iria apoiar. Empreendimentos baseados na tentativa de seguir a diretriz de ocupar as áreas amazônicas considerando a paisagem original e seus habitantes nativos. Mas isso foi um sonho em noite de verão.

A custo o governo brasileiro seguiu o que foi escrito e assinado em alguns papeis oficiais, como nos que viabilizaram as frentes econômicas, incorporando as populações indígenas, Em 2009, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) assinaram um termo de cooperação para autorizar o asfaltamento da estrada (que atingiu pouco mais da metade do seu traçado.

Passados 16 anos, os procedimentos necessários para garantir o direito dos índios ainda não foram adotados. Os Munduruku já fizeram manifestações de protesto, mas 12 áreas foram legalizadas, 11 se encontram em estudos e só uma emancipada. Os projetos demonstrativos se perderam no passado e as ações que mantêm o desmatamento se multiplicam.

Em 2011, o geógrafo Messias Modesto dos Passos registrou em um artigo as contradições da BR, inaugurada com a promessa de desenvolvimento e de progresso para a Amazônia e o Brasil. Milhares de brasileiros foram atraídos para esta nova via de colonização.

“Para os pequenos agricultores, o sonho não se realizou e a realidade observada atualmente ao longo da BR-163, notadamente no sudoeste do Pará, difere dos planos iniciais. O caráter produtivista e a dominação das grandes trades (Cargil, Bunge, ADM…) está inserido na paisagem, em detrimento das preocupações socioambientais”, constatou ele, observou que o seu objetivo era “analisar os reflexos dos conflitos entre madeireiros, pequenos agricultores, pecuaristas, grandes produtores de soja e, notadamente, a eficácia das Políticas Públicas no desenvolvimento sustentável da área de influência da Cuiabá-Santarém, concebida para ‘ligar o homem sem terra à terra sem homem da Amazônia’” e que, já então se projetava como um dos principais corredores de exportação de grãos, via porto da Cargil, em Santarém.

O texto do artigo procurou ser ‘uma contribuição/reflexão da materialização desse processo, ao longo do tempo e do espaço, que apreendemos, notadamente, no pó colorido da estrada, no depoimento dos colonos e dos empresários… e, por que não?, No próprio espírito de um geógrafo, cidadão brasileiro… indignado com a indiferença, o desprezo em relação àqueles que foram despejados na fronteira agrícola num primeiro momento e, mais tarde, ao sabor da conjuntura do momento, relegados à situação de órfãos da pátria”.

O geógrafo, hoje, se indignaria ainda mais.


A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo/Amazônia Real e mostra caminhão carregado de soja na BR-163, no trecho próximo à Resex do Jamanxim sob fumaça provocada pelas queimadas, em setembro de 2024.


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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