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Bolívia joga no lixo a sua oportunidade para governança ambiental

Bolívia joga no lixo a sua oportunidade para governança ambiental

Por Flora Magdaline Benítez Romero e Philip Martin Fearnside

Publicamos uma carta na revista Science [1], disponível aqui, explicando as implicações para as negociações climáticas da recente mudança de presidência na Bolívia. Aqui trazemos este texto em português, atualizado com as ramificações do desmanche do Ministério do Meio Ambiente e Águas pelo novo presidente.

O novo presidente da Bolívia, Rodrigo Paz Pereira, tomou posse em 08 de novembro de 2025. Ele prometeu priorizar a reconstrução do país, superando as divisões regionais, políticas e sociais para construir uma visão de longo prazo para a Bolívia. Essa transição política tinha o potencial para uma nova dimensão à posição da Bolívia na 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém de 10 a 22 de novembro [2].

Na COP30, a Bolívia discutiu sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) atualizada (2026–2035)[3], que foi submetida em setembro de 2025 [4]. O plano estabelece metas climáticas ambiciosas para os setores florestal, energético, hídrico, agrícola e de resíduos do país. Atingir as metas do plano, no entanto, depende fortemente da cooperação e do financiamento internacionais [3]. Sugerimos o envolvimento dos Governos Autônomos Indígenas Nativos Camponeses para implementar mecanismos de cooperação não mercantis no âmbito do Acordo de Paris, em que as nações desenvolvidas fornecem apoio financeiro baseado em doações, transferência de tecnologia e capacitação, em vez de negociação de créditos de carbono. Essa cooperação poderia ser canalizada por meio do Fundo Verde para o Clima, do Fundo de Adaptação e de parcerias bilaterais com entidades como a Alemanha e a União Europeia, que já apoiaram projetos de reflorestamento e gestão integrada de recursos hídricos na região amazônica [5]. Essas iniciativas estão alinhadas com a defesa de longa data da Bolívia por abordagens não mercantis que priorizam a justiça social, a transparência e o empoderamento local em detrimento dos mercados de carbono baseados em compensação de carbono.

As comunidades rurais, incluindo os povos indígenas, são as principais guardiãs dos ecossistemas da Bolívia. Ao aumentar a consulta com os Governos Autônomos Indígenas e Nativos Camponeses da Bolívia, por exemplo, poderiam ser alcançadas melhorias na gestão dos recursos florestais locais, nos sistemas comunitários de água e nas redes de prevenção de incêndios, reforçando a resiliência dos ecossistemas e a segurança alimentar em nível local. Infelizmente, os moradores rurais são frequentemente ignorados ou até mesmo penalizados quando se trata de questões de uso da terra. Por exemplo, algumas comunidades foram sancionadas [6] por abrirem pequenas parcelas de subsistência (chacos) de 1 a 3 hectares, que são essenciais para a segurança alimentar [7]. Isto contrasta fortemente com os grandes detentores de concessões florestais, que controlam entre 50 000 e 200 000 hectares [8]. A grande maioria não realizou as auditorias de gestão florestal legalmente exigidas desde 1996 [4, 5].

Notavelmente, quase 70% do território boliviano faz parte da Bacia amazônica, contendo as nascentes de rios que deságuam no Amazonas, e cerca de 7% da floresta amazônica está localizada na Bolívia [9]. Esse contexto reforça a defesa constitucional da Bolívia da Lei dos Direitos da Mãe Terra, estabelecida em 2010. A nova liderança boliviana precisa conciliar o fato de que, embora essa lei seja fundamental para o plano atualizado de Contribuição Nacionalmente Determinada, o país permitiu o aumento das atividades de mineração, grandes projetos hidrelétricos, exploração de petróleo e gás e agricultura em larga escala.

Apesar da retórica verde do país durante a COP30 [10], ao invés da transição política na Bolívia ser aproveitada para fortalecer suas políticas climáticas, o novo presidente emitiu um decreto em 17 de novembro [11] extinguindo o Ministério do Meio Ambiente e Águas, transferindo suas funções para ministérios chefiados por ex-presidentes de importantes associações do agronegócio [12]. A Bolívia desperdiçou, assim, a oportunidade de fortalecer a governança ambiental, o que serve de alerta para os financiadores dos projetos de mitigação das mudanças climáticas no país.

O presidente da COP 30, André Corrêa do Lago posa ao lado do Vice-Presidente da Bolivia Edmand Lara durante a 30ª Conferência das Partes (COP30) (Foto: Antonio Scorza/COP30/2025).

Notas

[1] Romero, F.M.B. & P.M. Fearnside. 2025. Bolivia’s political transition and COP30. Science 390: 795.

[2] Estado Plurinacional de Bolivia. 2022. Nationally Determined Contribution (NDC) Bolivia 2021-2030. United Nations Framework Convention on Climate Change. (June 2022).

[3] Estado Plurinacional de Bolivia. 2024. Contribución Determinada a Nivel Nacional (NDC 3.0) 2026-2035. United Nations Framework Convention on Climate Change.

[4] UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change). s.d. NDC Registry. (29 September 2025).

[5] UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change). s.d. Article 6.8: Non-market approaches. UNFCCC.

[6] SDSN Bolivia (Sustainable Development Solutions Network Bolivia). s.d. Deforestation and property rights in Bolivia. SDSN Bolivia.

[7] Forest Trends. s.d. Bolivia – Country dashboard. Forest Trends.

[8] Forest Policy. s.d. Bolivia risk profile. Forest Governance Risk Tool.

[9] SDSN Bolivia (Sustainable Development Solutions Network Bolivia). s.d. Deforestation in Bolivia’s Amazon rainforest. SDSN Bolivia. https://sdsnbolivia.org/en/deforestation-in-bolivias-amazon-rainforest/

[10] Zenteno, D. 2025. La delegación liderada por el vicepresidente Edmand Lara impulsó acuerdos sobre bosques, mercados de carbono y cooperación amazónica. La Razon, 21 de novembro de 2025.

[11] Pereira, R.P. 2025. Decreto Supremo N° 5488. Gaceta Oficial del Estado Plurinacional de Bolivia, 17 de novembro de 2025.

[12] Tamayo, I.P. 2025. Bolivia: el presidente Paz elimina el Ministerio de Ambiente y lo pone bajo control de una cartera económica y de un empresario agroindustrial. Mongabay Latam, 19 de novembro de 2025.


Sobre os autores

Flora Magdaline Benitez Romero possui graduação em Engenharia Agroflorestal pela Universidad Amazónica de Pando, Bolívia (UAP) e em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre (UFAC), e doutorado em Ciência Florestal pela UFV. Atualmente é pós-doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Desenvolve pesquisas em modelagem estatística aplicada à estimativa de biomassa e carbono em florestas amazônicas.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e pesquisador 1A de CNPq. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 800 publicações científicas e mais de 750 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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