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Boi-bumbá e racismo: a reação por protagonismo e narrativas excludentes

Boi-bumbá e racismo: a reação por protagonismo e narrativas excludentes


Escrevo o presente texto às vésperas do Festival Folclórico de Parintins de 2024, em sua 57ª edição. Estava pensando em um bom assunto para a coluna. Até havia cogitado escrever algo sobre os bumbás, mas ao assistir ao programa de rádio (sim, assistir, afinal rádio agora tem imagem também) da caríssima jornalista Rosiene Carvalho, de um questionamento me veio o tema. Ela perguntava aos convidados o motivo do recrudescimento de reações racistas em comentários do público e ofensas idem vindo de gente de dentro do espetáculo.

Eu queria estar lá para dar meus dois centavos de ‘picica’, mas como não estava, vou fazer por aqui mesmo.

Muita gente não sabe, mas o racismo e a xenofobia são basicamente uma questão de disputa e principalmente manutenção de recursos. É, usando termo em desuso, uma guerra “tribal”, onde um grupo, em geral hegemônico, tenta não apenas proteger o que considera “seus” recursos, como tomar, submeter ou destruir os recursos alheios, a fim de manter supremacia e privilégios sobre outros grupos.

Os tais recursos não são apenas naturais ou físicos, mas principalmente sociais, simbólicos, culturais, o que inclui narrativas que possam conferir poder ou importância. Daí vem as tentativas de negação, apagamento ou minoração dos não hegemônicos ou vistos como “outros” enquanto sujeitos e parte da sua própria configuração enquanto povo/cultura.

Não precisa ser um historiador ou antropólogo para saber que o Boi-Bumbá tem uma origem e trajetória que certamente não é autóctone do Amazonas. Vem do nordeste do Brasil, mais especificamente do Bumba-meu-boi maranhense, que por sua vez recebeu aportes de outros folguedos de matrizes diversas. Porém, o que nos chegou era notadamente Afro-brasileiro, a começar pelos tambores de membrana e o próprio auto do boi, com seus dois personagens protagonistas, fora o boi logicamente, sendo os negros Pai Francisco e Mãe Catirina. 

Os indígenas estão lá também, mas entram no meio da história para caçar o Pai Francisco e também no ritual para ressuscitar o boi. Não é pouco, mas deixa claro que originalmente não é uma “festa indígena”, não gira em torno da temática indígena. Se o “amo” do boi aparece no auto, também não o faz com a função que adquiriu ao longo do tempo.

A verdade é que “toda tradição é uma invenção”. O Boi-Bumbá não é diferente, foi sendo modificado para contemplar outras representatividades e narrativas mais interessantes aos pertencimentos de quem foi entrando na brincadeira. Aglutinar não seria problema, mas à certa altura, a deturpação começou a ser tanta, que “resolveu-se” como se fosse um “neoconcílio de Nicéia”, que a festa era “cabocla e indígena” ponto. O elemento negro original começou a ser ejetado. Por outro lado, o “branco” ganhou vez e literalmente voz, na figura paulatinamente embranquecida do amo do boi.

Daí que quando, começou um movimento de reconhecer o Boi também em sua originalidade e essência negra, inclusive com inserções de outros elementos da cultura e presença negra no Amazonas e a “desblackfacezação” de Francisco e Catirina, não tardou a surgir uma resistência racista do tipo “devolvam NOSSO Boi!”.

Destaquei o “nosso” para reforçar o que disse lá atrás sobre o sentimento racista de posse e defesa de recursos e exclusão do “outro”.

Não houve esse tipo de reclamação, ao menos desconheço, quando meteram metais na toada ou quando a matriz branca foi definitivamente incorporada na representatividade de pertencimentos, com a “Sinhazinha da Fazenda”.

Para quem não lembra, ou não sabe, a “Sinhazinha” não faz parte do auto do boi, a figura dela não existia. Até não muito tempo atrás no festival, o que tinha eram as “rainhas”, do folclore, da fazenda… sendo que esta última acabou se tornando a “Sinhazinha” estilo colonial que vemos hoje.

Aliás a primeira no papel era inclusive uma jovem de pele bem escura, mas com o tempo foi ocorrendo branqueamento do item e inclusive “aloiramento”. Mas ninguém gritou “devolvam NOSSO Boi”.  Tudo certo, aparentemente a “caboclitude” não tem incompatibilidade nem resistência com a “branquitude” amazonense, o problema parece ser apenas com a negritude.

Dizer que antes não havia troças racistas e outras não politicamente corretas é desconhecer a história da evolução do Boi-Bumbá, sempre teve “racismo recreativo”, só que agora isso não é mais socialmente aceitável. Assim como não é o reacionarismo de quem não quer um boi também negro como ele nasceu e cresceu até ser apropriado (e não necessariamente de forma indevida) pelo orgulho e identidade amazonense de tantas cores, tons e origens.


As imagens que abrem este artigo são de autoria de Alex Pazuello/Secom/AM e mostram as sinhazinhas das fazendas dos bois Garantido e Caprichoso durante os ensaios para o Festival Folclórico de Parintins.


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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