No dia 21 de outubro terá início o julgamento de ação cível ajuizada em 2018 à corte britânica por cerca de 600 mil vítimas do rompimento da barragem, incluindo 23 mil quilombolas e indígenas, dezenas municípios, além de empresas, autarquias e instituições religiosas. Os autores da ação estão totalmente insatisfeitos com os rumos tomados nas ações judiciais promovidas no Brasil e decidiram propor a ação em Londres, onde a BHP Billiton está sediada. As audiências visam a avaliar a responsabilidade da mineradora pelo desastre.
Sob a perspectiva da legislação brasileira, a resposta a esta questão está na Lei Federal n. 6938/81. Conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, ela dispõe no art. 14, § 1º, que o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
O desastre de Mariana resultou em danos ao meio ambiente natural, tanto para a qualidade das águas do Rio Doce como para sua fauna ictiológica (peixes), além do solo nas áreas atingidas pela lama e pelas águas tóxicas. Foi o maior desastre ambiental da história do Brasil. Também resultou em danos ao meio ambiente cultural (por exemplo, para os modos de vida dos povos ribeirinhos, para as comunidades quilombolas e indígenas, para os antigos moradores de Bento Rodrigues etc).
A lei estabelece que a obrigação independe da existência de culpa do poluidor. Ou seja, não seria sequer preciso provar que houve negligência, imperícia ou imprudência da empresa. Basta estar configurado o nexo de causalidade entre o evento (rompimento da barreira de contenção) e os danos ambientais. Estamos falando aqui de responsabilidade civil, isto é, patrimonial. A irrelevância na caracterização de culpa ou dolo se refere apenas à obrigação de ressarcimento financeiro pelos danos causados e não para eventuais implicações penais.
Não importa também saber se a empresa foi responsável direta pelo acidente. O art. 3º, inciso IV, dessa mesma lei, estabelece que poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Assim, sob a perspectiva do direito brasileiro, a BHP Billiton é, sim, civilmente responsável pelos danos causados ao meio ambiente natural e cultural, além dos danos individuais a cada pessoa atingida pelo desastre.
A questão relativa ao ajuizamento de ação no exterior envolve questões mais intrincadas. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Dec.-Lei 4.657/1942) dispõe em seu art. 12 que a autoridade judiciária brasileira é competente quando o réu for domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. E, em seu § 1º, que só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
No entanto, cabe aqui ressaltar que esta lei não dispõe, e nem poderia dispor, sobre a competência de autoridade judiciária estrangeira quando o réu for domiciliado fora do Brasil ou o cumprimento da obrigação tiver (ou puder) se dar no exterior. Por esse motivo, não me parece que a LINDB constitua qualquer óbice para o ajuizamento de ação pelas partes prejudicadas pelo desastre no país onde a empresa poluidora está sediada. Ela apenas afirma a competência de tribunais brasileiros e não a incompetência jurisdicional de outros tribunais. Neste caso, as cortes britânicas estariam no exercício normal de sua jurisdição ao apreciar as demandas ajuizadas pelos milhares de atingidos, pelos municípios e por empresas e instituições religiosas. Caberia a elas também decidir se os fatos ocorridos em país estrangeiro (Brasil) são regidos pela lei que nele vigora (Lei 6.938/81) ou por lei britânica.
Na Grã-Bretanha, a estrutura legal que aborda a responsabilidade civil por poluição causada por empresas em outros países geralmente se enquadra em vários estatutos e princípios de direito comum. O Environmental Protection Act 1990 regula a poluição e estabelece deveres para as empresas em relação a resíduos e emissões. Embora se aplique principalmente dentro do Reino Unido, pode informar princípios mais amplos de responsabilidade corporativa. Há ainda a possibilidade de, a partir de precedentes de common law, as empresas serem responsabilizadas por negligência ou incômodo se suas atividades causarem danos. Se a BHP Billiton for responsável pela poluição em outro país, as vítimas podem buscar indenizações através dos tribunais britânicos se conseguirem estabelecer jurisdição. No caso de Mariana, também seria possível invocar o Human Rights Act, de1998, pois os danos ambientais se cruzam com questões de direitos humanos, permitindo potencialmente reivindicações em tribunais do Reino Unido por violações de direitos devido à poluição no exterior.
Em síntese, é possível afirmar que: a) Sob a perspectiva da lei brasileira, a responsabilidade civil da BHP Billiton é inconteste; b) A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não impede o ajuizamento de ações no exterior, antes procura assegurar o direito de ajuizamento em território brasileiro; c) As cortes britânicas podem reconhecer a responsabilidade civil ambiental da BHP Billiton tanto sob a perspectiva do direito material brasileiro como do Environmental Protection Act 1990, da Common Law e mesmo do Human Rights Act 1998. Assim, há bons argumentos legais e jurisprudenciais para se ter esperança de reparação, ao menos pecuniária, dos incomensuráveis danos causados ao meio ambiente e à população brasileira por empresas que ostensivamente desrespeitam os mais básicos princípios de direito ambiental e de direitos humanos.
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