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ToggleComo se já não bastasse exercerem o papel de berçários da vida marinha, defensores contra inundações e aliados da manutenção de saberes ancestrais, os manguezais também têm grande potencial na retenção de carbono. Esses ecossistemas armazenam 1,9 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2). O estudo “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais”, realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul, desenvolvido pela ONG Guardiões do Mar, estima que há um potencial para o rendimento de mais de 48 bilhões em crédito de carbono.
Com a regulamentação do mercado, o valor de 48 bilhões pode chegar a até R$ 1,067 trilhão. O estudo, lançado nesta quinta-feira (24), durante a 16ª Conferência de Biodiversidade da ONU (COP 16), em Cali, na Colômbia, teve sua pré-publicação feita na semana passada para um grupo de jornalistas que foram convidados a visitar os manguezais mais preservados da Baía de Guanabara, os mangues localizados dentro da Área de Proteção Ambiental de Guapi-mirim e da Estação Ecológica da Guanabara. ((o))eco estava presente nesse pré-lançamento.
Munidos de botas, repelente e protetor solar, o grupo de jornalistas convidados pela Fundação Grupo Boticário e a Guardiões do Mar passou dois dias em contato direto com os manguezais preservados nas duas unidades de conservação fluminenses e com a população de pescadores e catadores de caranguejo que os protegem.
O estudo divulgado dá uma dimensão dos serviços de retenção de CO2 pelos manguezais e do potencial comércio do chamado carbono azul – esse que é retido pelo mangue – seria capaz de alcançar. O assunto tem ganhado tração nas discussões de créditos que estão presentes atualmente da 16ª Conferência de Biodiversidade, que está sendo discutida em Cali, na Colômbia, tanto que o estudo foi lançado oficialmente lá. Mas como isso pode ser usado para beneficiar diretamente a população que protege e faz uso desses ecossistemas?
“Elas [comunidades] precisam estar envolvidas nesse processo”, explica Pedro Belga, biólogo marinho e fundador da ONG Guardiões do Mar, que atua na preservação e regeneração dos manguezais da Baía de Guanabara. “Hoje só se fala de mercado de carbono, só que ele não chega na ponta”, diz.
Carbono azul
A capacidade dos manguezais de estocar carbono é 3 a 5 vezes maior em relação a outras florestas terrestres. Isso também vale para as emissões em caso de desmatamento: quanto maior o estoque, maior o estrago quando este é desmatado. Esse carbono que fica retido nos mangues – por décadas ou milhares de anos – é chamado de “carbono azul”.
No mercado voluntário brasileiro, a tonelada de CO2 já foi negociada a R$ 25,85, considerando a cotação de R$ 5,62 para cada dólar. Entretanto, a valoração pode chegar ao patamar de R$ 562,00 por tonelada em um cenário de transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, considerando o aumento médio anual de 2,9 milhões de toneladas do estoque de carbono azul no Brasil, com base na precificação do mercado voluntário, os pesquisadores estimam um incremento de R$ 75,2 milhões a cada ano. Valor que pode chegar a R$ 1,6 bilhão anuais diante de uma precificação potencial.
Esse crescimento médio foi o comportamento verificado nos últimos 27 anos, mas ele não é linear, segundo os pesquisadores. É preciso colocar em perspectiva para projetar o futuro. O sequestro de carbono pela vegetação tende a ser maior em vegetações novas ou em fase de regeneração. À medida que as plantas amadurecem, essa capacidade se estabiliza, reduzindo o potencial de absorção.
O estudo identificou a presença de 1.390.664 hectares de manguezais ao longo da costa brasileira, o que equivale a nove cidades de São Paulo. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de país com a maior extensão de manguezais do planeta e tem a maior faixa contínua do ecossistema no mundo, localizada na costa Amazônica. No entanto, os manguezais estão em apenas 0,13% do território brasileiro, cerca de 25% da vegetação original no país já foi perdida, aponta o estudo.
Laís de Oliveira, líder executiva do projeto Cazul, conta que uma das suas maiores motivações para a realização do estudo foi a possibilidade de aproximar o mercado de carbono das comunidades locais, que devem se beneficiar deste novo cenário. “Acho que devemos justamente problematizar essas questões e fornecer informação para mudar um pouco esse cenário. As comunidades mais afetadas por qualquer atividade empreendedora são as mais que precisam ser beneficiadas por esse mercado de carbono. Nós acreditamos nisso”, completou.
A metodologia utilizada para a pesquisa foi o sensoriamento remoto por satélite, tendo como base os dados Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de 2018. Segundo Laís, eles utilizaram imagens temporais da plataforma Google Earth Engine e traçaram parâmetros para avaliar o estado de conservação das áreas e o índice de vegetação associado para auxiliar nos cálculos de estoque de carbono, entendendo a quantidade de dióxido de carbono que é acumulado em cada estrutura das vegetações de manguezais. “Para chegar ao valor, analisamos a viabilidade econômica dos estoques e as práticas adotadas, traçando dois cenários para a valoração: um relacionado à prática atual e outro relacionado com o que espera-se do mercado de carbono em um mundo em transformação climática e que requer novos estímulos para ações práticas”, disse ela.
Ecossistema, também, de pessoas
Quarenta milhões de brasileiros vivem em regiões com a existência de manguezais. Esses ecossistemas estão presentes em 300 municípios do Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, segundo o estudo. Em relação aos biomas, 75% estão conectados com a Amazônia, 18% com a Mata Atlântica, 5% com o Cerrado e 2% com a Caatinga.
Lucimar Machado é pescadora de curral e presidente da associação de pescadores do município de Magé, no Rio de Janeiro. Do manguezal ela tira o sustento, a manutenção do espaço onde vive e também o próprio lazer. A partir do turismo de base comunitária, ela leva pessoas a conhecerem o mangue de forma imersiva no seu projeto “Remando o Manguezal”, que tivemos a oportunidade de participar. Após guiar um grupo de jornalistas inexperientes no passeio de caiaque pelo manguezal da Piedade, banhado pelo Rio Magé, Lucimar conta que seu projeto também leva pessoas para ver a pesca no curral e os botos da Baía de Guanabara. “Estamos sempre tentando trazer a galera para cá para conhecer porque assim eles vão começar a valorizar um pouquinho mais a nossa Baía de Guanabara”, completou.
“O manguezal foi um divisor de águas na minha vida. Trabalhamos com restauração, educação ambiental e ecoturismo passando para as pessoas esse nosso conhecimento que não sabíamos que era importante. Eu não sabia que o meu conhecimento da pesca tinha valor monetário, hoje eu descobri que tem sim”, afirmou o presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, Alaildo Malafaia, em conversa com os jornalistas. Malafaia é ex-pescador, condutor de ecoturismo e também trabalha com Turismo de Base Comunitária e apoio a pesquisas ambientais e restauração ecológica dos manguezais. Atualmente, 32 pescadores são integrantes da Cooperativa Manguezal Fluminense.
Na Baía de Guanabara, há cerca de 5 mil pescadores, uma grande parte depende diretamente do manguezal para viver e que poderiam ser beneficiados com a regulamentação de um mercado de carbono que fizesse com que o recurso chegasse na ponta, para eles.
Para Pedro Belga, o projeto Cazul, que reúne informações sobre carbono azul, é uma forma de desmistificar as informações geralmente muito técnicas sobre o mercado de carbono e torná-las mais acessíveis para a população. “Os povos tradicionais vivem no ambiente mas, principalmente, do ambiente. Então abraçar a Cazul foi uma forma de popularizar algo que está ainda numa esfera muito econômica e de mercado mesmo. Só que esse mercado é feito e produzido pelas comunidades, então elas precisam estar envolvidas nesse processo”, completou.
Pedro conta que umas das propostas da Guardiões do Mar é justamente criar um fundo social específico para esses saberes tradicionais a partir dos créditos de carbono, para que as cifras possam ser distribuídas para as comunidades que de fato trabalham e vivem dos manguezais, além de contribuírem para a preservação desses ecossistemas.
Embora ainda não haja uma previsão para que isso aconteça, a ONG já vem preparando e informando as comunidades das três baías do estado – a de Guanabara, Sepetiba e Baía de Ilha Grande – para que entendam melhor o mercado de carbono e o seu papel dentro dele. “Conseguir isso já é uma outra caminhada, mas projetos como o Cazul nos ajudam a tirar esses termos do ‘biologuês’ e ‘economês’ e popularizá-los para tornar esse mercado cada vez mais uma realidade para esses povos. Então hoje, para mim, o mercado de carbono é uma possibilidade, já que esse carbono é enterrado e sequestrado pelo trabalho dessas comunidades”, finalizou o biólogo.
Tudo ainda é um sonho, na visão do Alaildo Malafaia. Segundo ele, a perspectiva de um comércio de carbono chegar na comunidade vai ajudar a pagar as despesas correntes das associações. “O que fica é para pagar salário, pagar aluguel, pagar contador, pagar as despesas que ficam. Mas se isso acontecesse (o fundo criado com dinheiro de crédito de carbono), geraria educação, esporte, lazer, qualidade de vida na alimentação dessa população”, explica o especialista em restauração de manguezal.
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