Lideranças indígenas participaram de reunião articulada pela Fepipa nesta segunda-feira com o governador. Na imagem acima, o governador do estado do Pará, Helder Barbalho, aparece com o rosto pintado de urucum em vídeo publicado em suas redes sociais no dia 3 de fevereiro (Foto: Reprodução / Redes sociais Helder Barbalho).
Manaus (AM) – Indígenas que se deslocaram em voo da empresa Piquiatuba Táxi Aéreo fretado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá Tocantins, no Pará, participaram de reunião com o governador Helder Barbalho (MDB) na segunda-feira (3), no Palácio dos Despachos, sede do Executivo.
No documento obtido pela Amazônia Real, a coordenadora do Dsei Guamá Tocantins, Puruparame Lima Gavião, informa que “o voo tem por finalidade o envio de medicamentos e conduzir a equipe que assumirá interinamente o Polo Base Oriximiná”.
Quatro indígenas do povo Wai Wai, da região do Baixo Amazonas, viajaram na aeronave, de Oriximiná a Belém. O voo tinha plano de retorno em outras duas rotas, com três funcionários do Dsei: Belém-Santarém e Santarém-Oriximiná.

Status de Valnei Waiwai durante viagem a Belém (Foto: reprodução vídeo).
Um dos indígenas é Valnei Wai Wai. Ele é visto em diferentes momentos, com a mesma roupa, ao longo do dia (segunda-feira). Valnei postou imagens de dentro do avião, em seu status no Whatsapp, e do lado de fora da aeronave, junto a outros passageiros indígenas. Ele escreveu: “Indo pra luta em prol do nosso povo Wai Wai”. Também estavam na aeronave Miguel Wai Wai de Silva, Germano Luiz Wai Wai e Arielson Pira Wai Wai.
Em Belém, um vídeo mostra Valnei caminhando ao lado dos seus companheiros Wai Wai até o Palácio dos Despachos. Na reunião, também esteve presente a titular da Secretaria dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé, que já foi presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), e que defende o posicionamento de Barbalho. Na foto oficial divulgada pelo governo do Pará, ao final da reunião com Helder, ele está ao lado do governador, usando um cocar.

Desde o dia 14 de janeiro, a Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc) está ocupada por movimentos sociais que lutam contra a Lei 10.820/2024, que abre as portas para o ensino à distância nas comunidades indígenas e quilombolas. Helder usou da reunião de segunda-feira para dizer que há indígenas favoráveis à lei.
À Amazônia Real, Valnei disse que seu deslocamento no voo aconteceu em “decorrência da distância entre o Polo e a sede administrativa do Dsei”.
“O objetivo do voo não foi nos trazer e sim deslocar uma equipe de gestão do Dsei que irá coordenar o Polo Base Oriximiná nos próximos 90 dias, devido conflitos internos que vem ocorrendo na localidade. Na oportunidade, aproveitamos que o voo se deslocaria de Oriximiná (base) até Belém vazio, para reunir juntamente com a Coordenação do Distrito e Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) para apresentar as demandas da Aldeia Mapuera”, afirmou.
Sobre a reunião com o governador, Valnei disse que participou a convite do “cacique-geral” Eliseu como representante legal dos povos indígenas Wai Wai da Calha Norte do rio Mapuera da Terra Indígena (TI) Nhamundá/ Mapuera.
Valnei Wai Wai é presidente da Associação dos Povos Indígenas do Mapuera (APIM), mas os Wai Wai tem cinco organizações de base.
Roque Wai Wai, presidente da Associação dos Povos Indígenas Trombetas-Mapuera (Aptima) disse à Amazônia Real que, apesar das lideranças terem direito de se manifestar, elas não podem usar recurso público para participar de atividades. Ele disse que esta prática pode comprometer a atenção à saúde indígena.
“O avião poderia ter sido direcionado para levar os colaboradores [do Dsei] para área [terra indígena], também poderia transportar pacientes, fazer emergência. Não para levar manifestantes no lugar de outras pessoas”.
Segundo Roque Wai Wai, a Fepipa não consultou todas as lideranças indígenas da região de Oriximiná e chamou apenas organizações que se colocam ao lado do governador Helder Barbalho.
“Isso está muito errado. O parente foi participar especificamente dessa reunião com o Helder Barbalho. Foi a convite da Fepipa. Estamos sabendo disso muito bem. Ele foi direto para a manifestação. Sempre o Dsei faz isso, não é só essa viagem. Estão acostumados a usar dinheiro público da saúde para fazer isso”.
Roque disse ainda que Eliseu não é mais o cacique geral. Em abril de 2023, houve uma assembleia do povo Wai Wai que elegeu Luiz Carlos Wai Wai para o cargo.
O voo, uma aeronave Caravan, foi solicitado no último dia 31 por Puruparame Lima Gavião. A Caravan pertence à empresa Piquitatuba, ré por garimpo ilegal em uma reserva biológica no Pará. O contrato foi firmado antes do governo Lula, mas o Ministério da Saúde renovou o convênio em 2024.
A Amazônia Real procurou Puruparame Lima Gavião para obter informações e esclarecimentos sobre o voo com os indígenas Wai Wai, mas ela transferiu a resposta para o Ministério da Saúde. A pasta também foi procurada com as mesmas indagações, além do fato de ter acordo com uma empresa acusada de garimpo ilegal. Até a publicação desta reportagem, o órgão não respondeu.
Mobilização continua na Seduc

A mobilização dos indígenas completa 20 dias nesta terça-feira. As lideranças reforçaram que permanecerão com a ocupação, que se estenderá para outras atividades. As lideranças Auricélia Arapiun e Alessandra Munduruku divulgaram vídeo na conta do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), que acusa o governador Helder Barbalho de querer “semear intriga entre os povos indígenas desestabilizando a unidade e a força coletiva.”
“Os professores que estão aqui presentes são professores que dão aula. Já são dias que estamos aqui. São 21 dias. Quem está acompanhando a nossa luta pela revogação da lei. Não adianta o decreto, é como se fosse uma manga pendurada numa árvore, ela vai amadurecer e cair. Ou seja, ela não está segura. O seguro é revogar essa lei. E nós povos construir na base, vamos construir uma lei específica. Para isso consultando cada dificuldade. Os Tembé têm uma parte bem diferente dos Munduruku, dos ribeirinhos, dos quilombolas. Revogando essa lei, vai ter certeza que vai ser construída em conjunto”, declarou Alessandra Munduruku.

À Amazônia Real, Auricélia Arapiun disse que a “resistência continua”, com atividade da juventude e das mulheres da medicina tradicional. “A gente tem montado uma programação, mas repudia a forma como o governador tem agido para deslegitimar, invisibilizar, criminalizar a nossa manifestação. Há todo um trabalho de manipulação. É muito triste essa divisão. A gente espera que tudo isso passe e consiga fazer uma análise sobre essa colonização toda, essa incitação de conflitos. E a gente continua firme na batalha”, afirmou.
No último domingo, a Defensoria Pública da União (DPU) no Pará entrou com um processo contra o governo do Pará por “propagação de fake news a respeito da mobilização dos indígenas”. A ação civil também inclui a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a empresa Meta Platforms, dona do Facebook e Instagram.
Fepipa apoia Helder

A Fepipa foi a articuladora da reunião de segunda-feira, que ocorreu no período da tarde. Um dia antes, indígenas favoráveis ao governador tiveram uma reunião de alinhamento nas instalações do Parque dos Igarapés, um complexo privado de lazer e turismo, onde muitos deles ficaram hospedados.
Segundo a organização, mais de 500 indígenas de 20 povos do Pará participaram da mobilização desta segunda, com lideranças de sete de oito etnorregionais da Fepipa, representando 42 dos 56 povos indígenas do Pará.
Perguntada pela Amazônia Real como os indígenas viajaram a Belém, a organização disse que “os povos indígenas possuem autonomia para se mobilizar e têm suas próprias organizações e associações responsáveis por viabilizar suas ações. No caso da marcha em Belém, uma mobilização foi realizada por meio das articulações das comunidades, com o apoio de diversas entidades indígenas e redes de solidariedade”.
Nas redes sociais, a Fepipa se apresenta como a principal apoiadora de Helder Barbalho. Durante a reunião com o governador, a organização postava vários vídeos de recortes da reunião. Um deles mostra uma indígena Kayapó do município de Ourilândia falando em sua língua nativa, dirigindo-se ao governador.

Conforme a legenda com a tradução, ela teria dito: “Senhor governador, eu sou uma guerreira! Estou aqui lutando pelo meu povo. A proposta do senhor é muito boa para nós, para todos nós. Queremos que essa lei seja aprovada. Uma lei específica para a educação escolar indígena no Estado. É muito importante para os nossos povos”. Mas essa tradução, feita por um Kayapó, foi contestada por outras pessoas da etnia na mesma postagem.
A liderança Maial Payakan fez a tradução considerada verdadeira para a Amazônia Real. Segundo ela, a mulher Kayapó disse, na verdade: “Boa tarde, governador. Viemos aqui tratar sobre a escola. Queremos que o professor e o monitor continuem trabalhando na aldeia. É isso que viemos falar pessoalmente para você. Queremos que esse trabalho (na aldeia do professor e do monitor) continue”.
Governador cria GT
Desde o final de semana, lideranças e professores que estão na ocupação há 20 dias na Secretaria de Estado da Educação do Pará já vinham chamando atenção para a chegada repentina de um grande número de indígenas.
Helder Barbalho apresentou então uma contraproposta, mas apenas para indígenas que pretensamente lhes apoiam. Já os indígenas que ocupam a Seduc não abrem mão da revogação da Lei 10.820/2024 e da demissão do titular da pasta, Rossieli Soares.
A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da Seduc e do governo do Pará, indagando sobre a reunião, quantos indígenas participaram, por que o governador autorizou a filmagem desta audiência e não fez o mesmo na reunião entre os dias 28 e 29 de janeiro. Também indagou se Helder Barbalho vai atender a demanda dos indígenas da ocupação da Seduc e como será feita a escolha dos membros do Grupo de Trabalho (GT) para discutir a Polícia Estadual de Educação que ele anunciou na reunião desta segunda. As assessorias apenas enviaram o link do informe publicado no site.
Barbalho propôs um Projeto de Lei elaborado por um GT para a criação da Política Estadual de Educação Escolar Indígena. Segundo a nota do governo, “entre os participantes neste processo coletivo estão o governo do Estado, Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), Defensoria Pública do Estado do Pará, Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). O Ministério Público Federal (MPF) também foi convidado”.
Algumas das propostas do governador do Pará já são demandas antigas do movimento indígena. Entre elas, estão: garantia do ensino bilíngue nas escolas indígenas; gratificação de nível superior de 80% para professores indígenas; realização de um concurso público específico para docentes indígenas; criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena; Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei) de forma presencial e em seu nível mais alto e Consulta prévia e ampla sobre as modalidades de ensino oferecidas; Promoção da Conferência de Educação Escolar.
Com rosto pintado pelos indígenas, Helder Barbalho sugeriu que a resposta à proposta seja dada em 15 dias, o que foi considerado pouco tempo por pessoas que estavam perto dele na reunião no Palácio dos Despachos, como se pode ouvir por áudios.
Alguns indígenas pediram mais tempo, como 25 dias, para se organizar, mas ele rapidamente reagiu. E perguntou: “Vou fazer uma consulta aqui. Quem está de acordo com 15 dias para devolver a lei para que possamos fazer a análise e trazer para Assembleia Legislativa? Então, a maioria, teremos 15 dias…”
Segundo a Fepipa, os temas discutidos na reunião são pautas do movimento indígena que foram levadas ao governo. A entidade disse que, das 20 demandas, 18 foram atendidas: “A Fepipa considera esse um passo importante para garantir os direitos fundamentais dos povos indígenas e seguirá no diálogo para que as reivindicações sejam implementadas”.
Sobre a mobilização dos indígenas que ocupam a Seduc, a Fepipa disse que “embora não esteja fisicamente na ocupação da Seduc, a federação se solidariza com os parentes do oeste do Pará e considera o movimento legítimo”.
A organização disse que “optou por liderar sua própria estratégia de diálogo com o governo estadual, o que resultou na conquista de avanços concretos, como a criação do Grupo de Trabalho para a construção da Política Estadual de Educação Indígena e a minuta da lei que será debatida com os povos antes de ser encaminhada à Assembleia Legislativa.”

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor