Família Nascimento, fundadora do Atlético Rio Negro Clube. Da esquerda para a direita: em pé, Manoel Affonso do Nascimento, jogador e fundador do Rio Negro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
O Atlético Rio Negro Clube guarda na sua história diversos nomes de personalidades políticas e sociais destacadas. Conquistou a hegemonia nos concurso de beleza da cidade de Manaus com desfile de belas mulheres em seu refinado salão, tornou-se o clube preferido da elite amazonense sem perder o seu apelo popular nas disputas esportivas e sempre assistiu passar por suas fileiras atletas campeões do voleibol, do futebol, do futebol de salão e até do tênis de quadra.
Das personalidades políticas, destaca-se Leopoldo Amorim da Silva Neves, Flávio de Castro, Álvaro Maia, Gilberto Mestrinho e tantos outros. Leopoldo Amorim da Silva Neves, conhecido na intimidade como ‘pudico’ defendeu as cores do Rio Negro como atleta muito antes de se tornar deputado federal e Governador do Estado do Amazonas. Ainda destacam-se o ex-senador Arthur Virgílio Filho e o ex-deputado federal Adalberto Vale, ambos atleta do clube. Outro nome que manteve viva a vela votiva do clube por longo período foi professor Manoel Bastos Lira.
Ao longo da sua história de existência, uma característica que tomou conta do clube foi a de ser o preferido da nossa sociedade. As mais tradicionais famílias de Manaus foram presenças constantes e obrigatórias nos bailes e festas promovidas pelo clube, que ainda hoje resistem ao tempo. A parte social foi movimentada ainda com grandes bailes de Carnaval e no aniversário do clube o Famoso Porto de Honra e o baile das debutantes.
A massificação da prática desportiva, especialmente do futebol, o que foi a razão de sua fundação, popularizou a agremiação e contribuiu para que o clube torna-se eterno. Com mais de um século de existência coleciona muitos e inesquecíveis títulos. Em 11 de agosto de 1921 foi campeão de uma regata disputada no Rio Negro, o ano foi muito produtivo, pois marcou também a primeira conquista de futebol de campo que seria repetido em 1927, 1931, 1938, 1940, 1943, 1962, 1965, 1975, 1982 e com tetra campeonato de 1987 a 1990 e tantas datas que se perdem no esquecimento. Foi na década de 1990 que surgiu umas das maiores revelações do futebol profissional: Ninemberg Guerra, conhecido no mundo esportivo como Berg, comandante do tetra que depois brilhou por muitos anos como no Botafogo do Rio de Janeiro, antes de morrer ainda jovem vitima de um fulminante ataque cardíaco.
Apesar das dificuldades o clube se mantêm em pé fazendo questão de manter suas tradições. Destaco aqui o fato de seu equipamento jamais ter sido mudado desde a sua fundação, o preto e branco são intocáveis. Não podemos esquecer de Lauro Cavalcante que presidiu o clube entre 1915 a 1917, jovem médico que faleceu e foi homenageado dando nome a rua Lauro Cavalcante no trecho do igarapé de Manaus e Getúlio Vargas, exatamente onde se encontra a casa que guarda silenciosamente em seu porão a história da fundação do clube.
Outro nome importante foi Leopoldo Cunha Melo que presidiu o clube nos anos de 1920 a 1923 e 1924 a 1928. Sua primeira miss foi Edna Frazão Ribeiro e a que mais se destacou foi Terezinha Morango, esta miss Rio Negro, miss Amazonas, miss Brasil e vice miss Universo. Outro fato interessante é que jamais trocou de nome, nasceu como Athletico Rio Negro Clube, em 1913, e permanece até os dias atuais.
O Atlético Rio Negro Clube, apesar de todas suas dificuldades, guarda na memória mais de um século de história no esporte, no social e no cultural. Reconstituir sua história é inevitável, é só mergulharmos na história do clube para entender. A semente plantada por dezesseis jovens idealistas que concretizaram o início de uma trajetória de alegrias e glórias, que ainda hoje se refletem nos sócios rionegrinos de ontem e de hoje, como Edgard Lobão o primeiro presidente, que ao retornar a Manaus em 1961, recebeu uma homenagem do clube.
“… Os rionegrinos me presentearam com esta viagem de volta ao passado, uma reprodução perfeita e viva de uma página Goeth, pois como novo fausto eu me sentia transformado e redivivo, perfeitamente, mas sem influências magistélicas, já se vê e já se sabe. Evidentemente soube à ação da fumaça dos cachimbos dos velhos Pajés, dos Barés e dos Manaós, com a inovação das proteções dos mitos, das iaras, pedindo aos manitôs a sua ajuda e, esse valiosíssimo concurso protetor que acaboclada das matas me concedeu e como qual eu pude resistir com perfeita saúde emocional e com a graça de Deus, as vossas inesquecíveis manifestações de apreço e de amizade ao sócio n. 2.
Ouça meu glorioso Jesus meu agradecimento a todos vocês. Atendei Senhor com toda a vossa onipotência meu misericordioso Deus e minha súplica de derramar sobre o meu amado clube a tua luminosidade. Onde teu reflexo destacará o brilho radiante e colorido das vitórias-régias, que Deus salve o Rio Negro e todos seus atletas.”
Rio de Janeiro 13 de novembro de 1961.
Edgard Lobão.
“… Aos treze dias do mês de novembro do ano de 1913 às 16h da tarde, na residência do senhor Manoel Afonso do Nascimento, à rua Henrique Martins, n. 149, sede do clube, estando presentes os associados Edgard Garcia Lobão, Raymundo Vieira, Schinda Uchôa, Manoel Affonso do Nascimento, João Falcão, Ascendino Bastos e AfFonso Nogueira, foi aberta a sessão pelo presidente provisório Edgard Garcia Lobão secretariado pelos senhores Schinda Uchôa e Raymundo Vieira.
Usou a palavra o senhor presidente, agradecendo aquele rasgo de benevolencia dos sócios presentes, convidando-o para presidir provisoriamente aquela sessão magna e não havendo quem quisesse usar da palavra, fala novamente o senhor presidente, dizendo o que o fim daquela sessão era eleger a diretoria, discutir o nome e distintivo do clube. Oferece o senhor presidente a palavra a quem dela quisesse fazer uso, fala então o senhor França Marinho que pede para se fazer imediatamente a eleição da diretoria do clube. Feita a apuração da eleição pelo primeiro secretário provisório Schinda Uchôa, foram eleitos para presidente Edgard Garcia Lobão com oito votos, para vice-presidente Raymundo Vieira com quatro votos, para secretário o senhor Schinda Uchôa com seis votos, para tesoureiro o senhor Manoel Affonso do Nascimento com cinco votos e para Capitain o senhor França Marinho com cinco votos.
Depois dessa apuração, o senhor presidente pede que qualquer dos sócios presentes, apresente um nome para o clube. É apresentado o de “Athlético Rio Negro Club” passando com dez votos. Então o senhor presidente convida o primeiro-secretário Schinda Uchôa para assumir a presidência enquanto ele apresentasse como sócio, sua proposta para o distintivo do clube que consistia em calção preto e camisa branca com escudo azul na mesma. Tendo o senhor Schinda Uchôa agora como presidente que apresentar sua proposta sobre o mesmo distintivo convida o senhor secretário Raymundo Vieira para presidir os trabalhos, sua proposta foi a de calção e camisa branco, pondo o senhor o senhor Raymundo Vieira a proposta do senhor Edgard Garcia Lobão em discussão, pede a palavra o senhor Schinda Uchôa, dizendo que apesar de já ter havido bairrismo no nome não devia haver o mesmo no distintivo, esclarecendo melhor, que o nome do clube não tinha nada a ver com o distintivo do clube. A proposta do senhor Edgard Lobão caiu, tendo a favor somente um voto.
Depois de pôr o senhor presidente a proposta de Schinda Uchôa em discussão, usa da palavra o senhor Edgard Lobão que sem atacar a proposta já citada, apresenta outra que consistia em calção e camisa branco com colarinho preto. Depois de posta em discussão sua última proposta põem o senhor presidente ambas em votação, ficando vitoriosa a do senhor Schinda Uchôa com dez votos. O senhor Manoel Affonso do Nascimento manda servir o vinho do Porto aos associados, usa então a palavra o senhor Schinda Uchôa agradecendo a benevolência dos sócios em elegerem para secretário e agradecia também o auxílio prestado por eles a sua ideia de fundar um clube de foot-ball que, apesar das negaças de muito e a má vontade de outros ele via realizada a sua ideia e pedia para brindar o progresso do Athlético Rio Negro Club. Em seguida falou o senhor Edgard Garcia Lobão que com palavras ardentes e imagens belíssimas agradeceu sua eleição para presidente e isto fazia na pessoa de Schinda Uchôa fundador do clube. Depois usou da palavra o senhor Raymundo Vieira, que em bela alocução que refere aos senhores Edgard Garcia Lobão e Schinda Uchôa, falando do destino este negro fantasma que perturba o sossego do espírito depois de se apoderar da matéria e que tinha feito desabar suas esperanças de moço. Homenageou o senhor Schinda Uchôa pela brilhantíssima ideia de fundar um clube de foot-ball, nesta época avassaladora e de crise. Fala em seguida o senhor Basílio Falcão que com palavras sentimentais, saudou os sócios do Athlético Rio Negro Club, desejando prosperidade e harmonia. Finalmente usa da palavra o senhor França Marinho que com palavras ardentes, agradece sua eleição para capitain desejando que sta agremiação de moços forme uma pirâmide no vértice da qual esteja fixado o nosso pendão, balançando pela brisa amazônica.
Não havendo mais nada a tratar encerra o senhor presidente a sessão. Diretoria: Edgard Garcia Lobão Presidente, Raymundo Vieira Vice presidente, Schinda Uchôa Secretário, Manoel Affonso do Nascimento Tesoureiro, J. França Marinho Capitain.
Sócios: Affonso Nogueira Rebelo, Gilberto C. D’Albuquerque, Outubriano da Silva Neves, Leopoldo Amorim da Silva Neves, João P. Leite de Paiva, Ércio Rabello, Antônio Rabello, Antônio Craveiro, Mário Fernandes, Basílio Falcão, Ascedino Bastos, Merolino Corrêa, Azevedo Souza, Paulo Nascimento, Luiz Pinto, Alkendi Uchôa, Frank Zagori e Joaquim Pinto.
Decálogo do Atleta Barriga Preta
Este decálogo foi apresentado em sessão do clube por Hilton Gonçalves dos Santos nasceu em Manaus em, 1889, foi diretor de Esportes do ARNC até 1927 e, posteriormente, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Foi presidente do Clube de Regatas do Flamengo em 1946 e no biênio de 1958 a 1959. Idealizador do Edifício Hilton Santos, que durante anos foi a sede do clube. Faleceu aos 93 anos em 1982, na cidade do Rio de Janeiro.
Portanto, o Athlético Rio Negro Club é o único clube amazonense que teve um diretor presidindo o Clube de Regatas do Flamengo.
1. Não te darás por vencimento sem teres feito o máximo para vencer honrosamente;
2. Não terás desculpas e razões por perder;
3. Não te encherás de orgulho quando venceres;
4. Aprende a perder com dignidade;
5. Não tomarás vantagens ilícitas sobre teu adversário;
6. Não pedirás handcaps-injustos;
7. Estarás sempre pronto a dar o teu adversário o beneficio de qualquer dúvida;
8. Não faças pouco do teu adversário, nem exageres as tuas forças;
9. Lembra-te que praticar o esporte é que vale. Ganhar ou perder são detalhes menos importantes;
10. Honra ao esporte porque aquele que o pratica honrosamente, ganha mesmo quando perde.
O futebol, introduzido no sul do país começava interessar a mocidade amazonense. Manaus já possuía dois campos de futebol: o chamado Bosque Municipal e o Parque Amazonense, que vez por outra, também transformava-se em hipódromo para as corridas de cavalo.
O Athlético Rio Negro Clube que nasceu do futebol, também praticou outros esportes que animavam a juventude rionegrino. Foi campeão de basebol e, em 1922, campeão de remo. O futebol, porém, sempre foi a paixão dessa agremiação, são muitos os nomes que permanecem na memória dos rionegrinos dos grandes feitos e das grandes conquistas, como Isidoro Carvalho e Vidinho.
Não podemos deixar de destacar o Pantaleão que era o símbolo de um atleta disciplinado valoroso e que faleceu ainda em plena mocidade. Quem acompanha o futebol amazonense lembra de Hugo, Yano, Luizinho, conhecido como mão de grude, Clóvis e Aranha Negra, outros nomes se destacaram como Amâncio, Darci, Parintins, Hidelbrando, Zenith, Meireles, Dog, Cloter, Bizerra, Cláudio, Benjamin, Onety, Lê, Waldir Oliveira e tantos outros.
Ao falar de Rio Negro, obrigatoriamente, temos que lembrar de Jefferson Afonso César da Silva Oliveira, mais um destemido rionegrino a quem o clube tanto deve, figura humana e extraordinariamente agradável. Nessa corajosa arrancada de manter o clube vivo, não podemos esquecer sua esposa Jeanne Chaves de Abreu que ao lado dele ajudou a construir essa reserva histórica do clube centenário.
O tempo vai passando e a antiga rua Epaminondas, de paralelepípedos com os trilhos do bonde, hoje coberta pelo asfalto, ainda respira a bucólica Manaus dos anos quarenta, período em que o clube ali se instalou. Parte da reserva histórica do passado, que foi construída com muita luta e o apoio da família Nascimento repousa na coragem e determinação do atual presidente e sua diretoria, estabelecendo os desafios e a realidade que paira em sua volta.
É como se olhando para trás, mensurando tudo que fora criado no passado, torna-se possível trabalhar com a possibilidade de um amanhã aventuroso. O clube da Praça da Saudade, como é conhecido, não morreu, permanece de pé escrevendo sua própria história a espera da presença da torcida e dos rionegrinos.
Sobre o autor
Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.
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