O Brasil nunca foi um país seguro para jornalistas. Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, organizações que atuam na proteção de comunicadores e em defesa da liberdade de imprensa denunciaram o agravamento da situação, que, de acordo com as entidades, se deu em grande medida pela postura de institucionalização da violência por parte do ex-presidente e seus aliados. Prova disso é que o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2023, lançado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) na última quinta-feira (25/01), apontou que os números absolutos da violência contra jornalistas no Brasil tiveram uma queda significativa no primeiro ano do governo Lula.
A pesquisa, que é feita anualmente desde 1999, identificou que foram 181 casos no total, 51,86% a menos que os 376 registrados em 2022. Entretanto, o total de episódios registrados ao longo do ano passado representa 34,07% a mais do que os 135 contabilizados em 2018, antes da ascensão do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, o que demonstra um legado bastante ruim deixado no imaginário, que pode indicar a normalização das agressões a jornalistas. De 2019 a 2022, Bolsonaro realizou 570 ataques a veículos de comunicação e aos jornalistas, numa média 142,5 de agressões por ano; uma agressão a cada dois dias e meio.
Violência por Região
A região Sudeste é a mais violenta do Brasil concentrando 25% dos casos apurados, 47 do total, seguida da região Nordeste, com 24% dos casos, 45 do total. Dentre os estados, São Paulo lidera os índices com 21 casos, 11,60% do total. No Rio de Janeiro foram 18 ocorrências (9,94%). A Bahia registrou, pelo segundo ano consecutivo, o maior número de agressões, apesar da diminuição do número de ocorrências, na comparação com o ano anterior. Foram 10 casos em 2023 e 14 em 2022.
De acordo com Samira Castro, presidente da FENAJ, estamos diante de um preocupante cenário em um ambiente já tensionado pelos últimos anos. Ela apontou ainda que foi identificada com a pesquisa uma prática abusiva do Judiciário brasileiro para lidar com jornalistas, que acabam sendo vítimas duas vezes, tanto nas agressões sofridas, como também no enfrentamento de processos judiciais que os criminalizam. Houve o crescimento de 92,31% nos casos de cerceamento à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais. O número saltou de 13 ações ou inquéritos registrados em 2022 para 25 em 2023.
Atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizadas pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Associação Brasileira de Imprensa, que buscam medidas para diminuir os impactos do assédio judicial, principalmente por meio dos Juizados Especiais Cíveis (JECs). Em ambas, o Intervozes é amicus curiae.
“A redação do jornal The Intercept no Brasil é a redação mais processada do país, o que consome mais de 30% de sua receita com os custos processuais em defesa do exercício da profissão”, lembrou Samira citando o caso da jornalista Shirley Alves que foi processada por realizar uma apuração do caso de uma vítima de estupro que foi humilhada em depoimento perante juízes e advogados.
Tipo de Mídia e Gênero
De acordo com o levantamento, praticamente todos os tipos de violência apresentaram decréscimo, principalmente a descredibilização da imprensa (91,95%) e a censura (91,53%). A questão de gênero também foi tema do relatório. De acordo com as ocorrências, 66 vítimas são do gênero feminino (25% dos casos), 179 (68%) são do gênero masculino e 17 vítimas não identificaram o gênero.
Já as ocorrências por tipo de mídia, 81 casos de violência são oriundos da Televisão (29%). No ano anterior, 160 jornalistas que trabalham na TV foram vítimas da violência. Outros 79 casos de violência vieram da mídia digital (28%). Em relação a 2022, foram 18 casos a mais de jornalistas agredidos que trabalham em portais, sites, blogs ou plataformas. Vale destacar que as plataformas digitais não possuem nenhum canal específico para lidar com esse tipo de violação.
Sucateamento e agressores
A precarização do mercado e a ameaça constante da perda de postos de trabalho também são fatores importantes, que contribuem para o agravamento da violência contra jornalistas.
E quem são os agressores dos jornalistas? A maioria deles são políticos, assessores ou parentes de políticos, representando 24% deles. Os manifestantes de extrema-direita figuram em segundo lugar, sendo responsáveis pelas 29 ocorrências que ocorreram em acampamentos montados em áreas militares. Já os juízes representam 8,8% e até os jogadores de futebol foram apontados no Relatório da FENAJ com 11 casos de violência.
Tudo isso demonstra uma contaminação do ambiente político e social e uma disputa por hegemonia instaurada. Importante lembrar do caso de Julian Assange, uma nítida perseguição do Estado a jornalistas, que ao ser deportado para os EUA a qualquer momento, se torna um risco geral com precedentes para criminalizar a atividade jornalística em todo o mundo, em escala global.
Políticas públicas de proteção
Para combater a violência contra jornalistas e comunicadores é necessário mobilização e pressão da sociedade. Ainda que o ex-presidente Jair Bolsonaro tenha sido condenado em várias instâncias pelo crime de assédio moral coletivo contra a categoria e que o inquérito das milícias digitais tenha tido a colaboração de diversas organizações de jornalistas para comprovar as violações de direitos difusos dos cidadãos, a liberdade de imprensa e de expressão segue sendo ameaçada.
A Rede Nacional de Proteção a Jornalistas e Comunicadores, articulação em defesa da liberdade de imprensa e de expressão, é um dos exemplos de mobilização da sociedade civil para ações de denúncia, formação e definição de estratégias para combater a violência contra a categoria. A articulação é encabeçada pelo Instituto Vladimir Herzog, Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Associação Profissão Jornalista (APJor).
Medidas importantes foram criadas no último ano por parte do Poder Público, como o Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas e Comunicadores do Ministério da Justiça, da qual o Intervozes também é membro. Mas é preciso ir além para garantir a liberdade de imprensa no país. Compreender que comunicadores e jornalistas são imprescindíveis para a democracia é urgente.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Carta Capital e são de total responsabilidade do autor.
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