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Associações e cooperativas lutam para manter extrativistas na Resex Chico Mendes

Associações e cooperativas lutam para manter extrativistas na Resex Chico Mendes

Resex Chico Mendes, AC – Faz tempo que as castanheiras enxergam mais bois que árvores. Solitárias, resistiram ao desmatamento às margens da BR 317. No trajeto entre Rio Branco e Brasileia, o pasto vai além do que os olhos podem ver. Um maciço verde bem ao longe faz pensar que ali começa a floresta. Mas, a realidade é outra. Tal qual uma cortina, a fileira de árvores serve para ocultar mais e mais hectares devastados. Antes de existir o monitoramento da cobertura florestal por satélite, os fiscais passavam por ali de carro, acreditando que o desmatamento, visível nas margens, acabava onde os olhos encontravam a fileira verde.

“O que está na frente é só uma barreira para você achar que tem mata e não tem. Se viajar de avião em cima dessa linha, a gente vê quanto está grande o desmate”, diz Anacleto Maciel, morador da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e representante do Conselho Nacional do Seringueiro (CNS).

Brasileia é um dos municípios que faz parte da Resex Chico Mendes, uma das unidades de conservação mais ameaçada, frequentemente em destaque no ranking do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e da Amazônia (Imazon). Em outubro de 2024 foi a segunda mais desmatada no ranking, com perda de quatro quilômetros quadrados de floresta no mês.

Resex Chico Mendes, no Acre. Foto: Sibélia Zanon

Criada em 1990 com quase um milhão de hectares e abrangendo sete municípios próximos à fronteira com Peru e Bolívia, a Resex Chico Mendes tem a premissa de ser morada dos que vivem da extração da borracha da seringueira, da coleta da castanha-do- e de outros produtos florestais, mantendo a em pé. A criação de animais está limitada à subsistência das famílias.

No entanto, com o histórico dos produtos extrativistas passando por altos e baixos e a pressão do desmatamento, a substituição da floresta por pasto é a maior ameaça na região.

Associações e cooperativas regionais vêm lutando para reverter esse quadro, fortalecendo e ampliando as possibilidades de subsistência dos extrativistas.

“A floresta só permanece em pé se ela der retorno financeiro para quem cuida”, diz José Rodrigues de Araujo, extrativista e presidente da Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre), que compra os produtos do extrativismo de quase quatro mil famílias no Acre e também em outros estados, como Rondônia e Amazonas.

Vida de seringueiro

“Essa aqui é a marca da seringa”, diz Walmir Brito, ao mostrar a cicatriz na perna. Aos 11 anos de idade acompanhava o pai pela estrada do Seringal São Cristóvão, na Resex Chico Mendes, quando foi mordido por uma jararacuçu (Bothrops jararacussu), serpente venenosa das mais perigosas da Amazônia. Foram cinco dias sendo carregado em uma rede até chegar a uma estrada e a um caminhão que o levaria finalmente ao hospital.

Faz 15 anos que uma estrada liga o seringal até Brasileia e faz cinco anos que Walmir comprou um carro com o dinheiro que conseguiu, vendendo algumas cabeças de gado.

“Na nossa região, a gente usa o gado como uma forma de poupança, no caso de uma doença por exemplo”, explica. Walmir conta que consegue vender um bezerro por R$ 1.400, e uma vaca por R$ 2.600.

Mesmo quando não se alcança o melhor preço, sempre é possível achar comprador para o gado. Por isso, ter alguns animais dá segurança ao extrativista que tem na borracha e na castanha – produtos sazonais e com preços flutuantes – as principais fontes de renda. A safra da borracha dura aproximadamente 6 meses e a da castanha 3 meses.

Das 5 da manhã até meio dia, Walmir consegue trabalhar uma das suas três estradas de seringa, que tem cerca de 170 árvores. “Isso suando mesmo”, diz.

Diferentemente de uma monocultura, nos meandros daquele seringal, a organização da estrada quem dita é a floresta. Com a serrapilheira abundante e o relevo de altos e baixos, é preciso saber andar por curvas para extrair o leite. Adentramos a floresta e no trecho em declive, uma grande sumaúma testemunha a altivez da mata.

No final da década de 1990, muitos seringueiros abandonaram o trabalho por causa da crise da borracha na Amazônia. Não era possível competir com preços da borracha sintética e nem da produção de borracha que vinha da Ásia.

“Com o incentivo da Cooperacre junto com a Coopaeb (Cooperativa Agroextrativista de Brasiléia) isso já melhorou muito nesses últimos anos. De dois anos para cá as pessoas voltaram a produzir mais e em grande escala”, conta Walmir.

Ciclo virtuoso

O arranjo de associações e cooperativas no Acre tem sido importante para manter o extrativista na floresta. Enquanto o principal trabalho das associações é representar os interesses sociais da comunidade, as cooperativas têm o foco na comercialização. A Cooperacre, maior cooperativa do estado, centraliza o beneficiamento dos produtos que recebe de 12 cooperativas filiadas e cuida da comercialização.

“Toda a gestão é feita pelos próprios extrativistas, pelas próprias comunidades”, diz Neluce Soares, coordenadora executiva do Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), que apoia projetos na região. “Ter associações locais mais fortalecidas e estruturadas, que dinamizem cada vez mais a economia local, gera o desenvolvimento com a manutenção da floresta em pé. É nesse ciclo virtuoso que a gente acredita”.

Foto: Sibélia Zanon

“A gente tem conseguido através de todas as nossas parcerias, com muita dificuldade, realizar o sonho de muitas famílias que hoje estão vivendo no extrativismo”, diz Romário Morais Campelo, presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes de Brasileia (Amoprebe).

Em 2021, a Coopaeb tinha 26 associados, hoje tem 279 e atende cerca de 500 famílias extrativistas. Por ano, entrega à Cooperacre 170 toneladas de borracha.

Além de garantir a compra e ajudar com questões de logística, as cooperativas emitem a nota fiscal dos produtos. “A parte documental para o produtor é a mais importante porque ele usa para auxílio, para aposentadoria. A cooperativa tem esse papel fundamental”, diz Regis Teixeira, gerente da Coopaeb.

A busca por compradores que paguem o preço justo da borracha é um grande desafio para as cooperativas. O valor pago pela Cooperacre e cooperativas afiliadas é quase cinco vezes maior do que o chamado valor de mercado.

Beneficiamento da castanha. Foto: Sibélia Zanon

A borracha e seu preço

A produção do látex cresce na Região Norte, mas a Cooperacre conta apenas com um comprador que adquire a borracha nativa em grande escala por preço justo.

A indústria de pneus, por exemplo, tem demanda pela borracha, mas nem sempre consegue pagar o valor justo porque um pneu não alcança o mesmo valor agregado que um par de tênis, por exemplo.

“A gente está comprando mil toneladas. Nosso sonho no momento é que outras empresas se inspirem no nosso trabalho”, diz Sebastião dos Santos Pereira, gerente de cadeia produtiva da francesa Veja, conhecida no Brasil também por Vert, empresa que usa a borracha nativa na produção de calçados.

O preço mínimo de mercado, estipulado por lei, para o quilo da borracha é de R$ 3,50, valor que não cobre o custo de produção, considerando sobretudo o desafio da logística na Amazônia. A esse valor, soma-se a subvenção federal de R$ 3,91, que só se efetiva mediante cadastro do produtor, e a subvenção do governo estadual de R$ 2,30, que há mais de dois anos não é paga no Acre.

Em vez dos 3,50 por quilo, a Veja paga R$ 15,00 ou R$ 16,00, de acordo com a qualidade da borracha. No final da safra, a família que cumpre o que a empresa chama de 4 Zelos – cuidados relacionados à floresta e à qualidade da borracha –, recebe também um bônus de R$ 3,00 por quilo produzido. Nesse modelo, o produtor pode receber até R$ 25,21 por quilo de borracha – caso consiga a subvenção federal e estadual.

Estoque de borracha na Coopaeb, em Brasileia, destinada à indústria de calçados. Foto: Sibélia Zanon

Segundo estimativa da Coopaeb, o rendimento médio de um produtor de borracha pela safra que dura de 5 a 6 meses é de R$ 8.400, – sem contar os subsídios do governo e o bônus pelos 4 Zelos, que é pago ao final de cada safra.

“Quando a coragem deixa, a gente vai”, diz José de Oliveira, 43 anos, extrativista da Resex Chico Mendes desde os 12 anos. No município de Sena Madureira, ele segue pelas estradas de seringa três vezes por semana.

“É como se fosse um bairro”, conta o extrativista sobre as duas horas e meia de distância entre a sua casa e a última árvore na estrada. Coletando 80 quilos de borracha por mês, seu rendimento mensal tem sido de R$ 1.280, valor que recebe da cooperativa no momento da entrega do produto.

José trabalha também com o extrativismo da castanha. Junto com as cooperativas e os outros extrativistas, José diz estar ajudando a frear o desmatamento.

“A borracha está dando um dinheirinho, então a gente vai trabalhando na borracha porque a gente tá conseguindo o alimento”, avalia o pai de três crianças. “Com a borracha dando dinheiro, a castanha dando dinheiro, a gente não vai derrubar a floresta. A gente não vai derrubar uma castanheira porque vai diminuir a produção da castanha, não vai derrubar uma seringueira para diminuir a borracha”.

Ampliar parcerias

“Hoje, quem está assumindo toda essa ponta de são as cooperativas e as empresas. O governo está muito distante”, diz José de Araújo, da Cooperacre. “A gente não faz só um serviço de coleta de látex, nós fazemos um serviço de conservação da floresta que o mundo precisa. Isso tem que ser valorizado”.

A cooperativa que compra a maior quantidade de borracha da Região Norte está em busca de mais empresas que paguem um preço justo pela borracha nativa. “Nós vamos ter um passivo de produção de talvez mais de 200 toneladas que não tem mercado. Para o ano que vem, isso pode dobrar. E aí, como é que a gente fica?”, diz Araújo, ao voltar de uma reunião em Brasília para discutir a questão.

Além da busca por novos parceiros comerciais para a borracha, a Cooperacre está ampliando a cesta de produtos do extrativismo, que já tem a castanha na liderança, além do palmito pupunha e da polpa de frutas. O café, que pode ser plantado na Resex em consórcio com outras espécies, está na mira da cooperativa.

A menina dos olhos, no entanto, é a nova fábrica de polpa de frutas que acaba de ser construída em Rio Branco. Com maquinário importado e tecnológico, ela deve aumentar de pronto em 10 vezes a capacidade de produção atual.  “Nós vamos iniciar com a capacidade de 10 milhões, mas vamos ter capacidade de industrializar 20 milhões de quilos de polpa de fruta. Aí vai dar para a gente tirar para fora do Brasil”, aposta José de Araújo.

Número um do extrativismo

Beneficiamento da castanha, na Cooperacre, em Rio Branco. Foto: Sibélia Zanon

No grande galpão da Cooperacre em Rio Branco, muitas são as salas dedicadas ao beneficiamento da castanha-do-Brasil. Esteiras passam repletas do fruto. Algumas etapas são automatizadas e outras passam por triagem humana até que as castanhas sejam embaladas nas caixas de 20 quilos que seguirão para mais de 10 países.

“O faturamento do ano de 2023 da Cooperacre foi de aproximadamente R$ 72 milhões, 65% vem da castanha”, conta Weverton de Lima Oliveira, cooperado desde 2015.

Em 2023 a Cooperacre produziu mais de 1 milhão de quilos de castanha desidratada e em 2024 a produção ultrapassará 1,5 milhão de quilos.

“O ano passado foi um ano de safra razoável. Esse ano também vai ser um ano de safra razoável, mas a gente tem notado que a produção vem diminuindo de modo geral”, diz Weverton. “Tem a questão climática que afeta muito a produção da castanha e tem a questão de desmatamento e das queimadas que têm avançado muito”.

O extrativista José de Oliveira comenta que há 10 anos era possível trabalhar no roçado perto da hora do almoço, o que não consegue mais fazer. “O ar é muito quente. A gente percebe que não é mais igual”.

Mesmo assim, a floresta ainda tem muito a oferecer em termos de clima. “A gente está aqui na cidade, vai aqui na BR e é aquele quenturão. Quando chega lá na floresta é como se você entrasse dentro de um balde d’água e sentisse aquele alívio”, descreve.

O boi avança

Gado na Resex Chico Mendes. Foto: Sibélia Zanon

Depois de sua criação há 34 anos, a Resex Chico Mendes sofreu perda de quase 11% de floresta. Segundo dados do MapBiomas, em 1990 a vegetação ocupava mais de 924 mil hectares do território da Resex e, em 2023, ocupava menos de 825 mil hectares. Praticamente toda a área desmatada foi convertida em pasto. Em 1990, as áreas de pastagem se estendiam por 6 mil hectares e em 2023 o gado já avançava por mais de 105 mil hectares.

Um dos fatores que colaborou para a boiada entrar foi a inauguração da ponte Abunã sobre o Rio Madeira em maio de 2021. Com cerca de 1,5 quilômetros de comprimento, a obra que estava em andamento desde 2014 conectou Rondônia e Acre.

“O grande mote desse aumento do desmatamento são pessoas que, na sua grande maioria, vieram de Rondônia, depois que fizeram a ponte do Rio Madeira. Elas venderam terras mais caras em Rondônia e compraram terras mais baratas no Acre”, conta Marcos Mesquita Neto, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e chefe do núcleo de gestão da Resex Chico Mendes. “Não são extrativistas, eles vêm para plantar, para criar gado e isso é um problema”.

Outro vetor de aumento das pressões dentro da Resex é o Projeto de Lei (PL 6024/2019) de autoria da deputada Mara Rocha (PSDB-AC), que atualmente aguarda parecer da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS). O PL propõe a redução da área da Resex Chico Mendes em aproximadamente 22 mil hectares e acaba servindo de incentivo para a venda de lotes de terra pelos próprios moradores – prática ilícita, já que as terras da Resex pertencem à União com o usufruto dos extrativistas que ali habitam e trabalham. Com parecer contrário do deputado federal Airton Faleiro (PT-PA), o Projeto de Lei ainda está em tramitação e sujeito à deliberação de membros da comissão.

“Quando ele (o Projeto de Lei) foi protocolado na Câmara, exerceu uma grande pressão e fundamentou muita invasão”, diz Mesquita. “Extrativistas que lutaram nos empates com Chico Mendes são contra”.

O Projeto vai na contramão da luta histórica dos seringueiros em favor dos modos de vida das comunidades tradicionais, que culminou com o assassinato de Chico Mendes.

Anacleto Maciel, representante do Conselho Nacional do Seringueiro (CNS), reclama da demora do ICMBio. Foto: Sibélia Zanon

Anacleto Maciel conviveu de 1977 a 1988 com Chico Mendes, lutando por melhores condições de trabalho, pelo preço justo da borracha, e pela floresta. “Tem pessoas loteando a colocação, vendendo, e os órgãos ambientais não tomam providência”, alerta. “Vai impedir depois que a mata caiu? Está queimada, acabou, aí vai lá aplicar uma multa. Não resolve o problema”.

Segundo o ICMBio, demora de dois a sete anos para conseguir retirar alguém de dentro da Resex. Como resultado de denúncia ou fiscalização, há 100 processos de desocupação, retirada de gado, e similares tramitando atualmente. Apenas em 2024, até o mês de outubro, foram autuadas multas no valor de R$ 16 milhões na Resex.

“As pessoas, muitas vezes, desmatam uma riqueza tão grande e não sabem nem o que estão desmatando. Ninguém sabe a riqueza que tem na Amazônia”, diz Maciel.

*A repórter viajou a convite do Legado Integrado da Região Amazônica (LIRA)/ Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), iniciativa que potencializa ações de conservação na Amazônia.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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