Autorizações para desmatamento estão sendo concedidas de forma descontrolada e, muitas vezes, por órgãos sem competência legal. É o diagnóstico feito por uma nota técnica da Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), entidade que reúne membros dos ministérios públicos que atuam na defesa do meio ambiente e da ordem urbanística. A situação é especialmente grave no Cerrado, alerta a associação, mas as propostas de ajustes também servem para outros biomas – exceto a Mata Atlântica, regida por lei própria.
O documento, divulgado nesta segunda-feira (1), traça um panorama do aumento do desmatamento causado por Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) concedidas irregularmente – com problemas como o descumprimento de requisitos legais e a violação dos limites das autorizações, e dá orientações para a adequação desses processos. A nota cita dados do MapBiomas, indicando que 0,96% dos imóveis cadastrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) foram responsáveis por 86% dos alertas de desmatamento nacionais em 2023. No mesmo ano, “quase 3/4 dos alertas e da área desmatada no Cerrado ocorreram em imóveis rurais privados”, diz a associação.
A maior parte da supressão do Cerrado se concentra no MATOPIBA – região formada pelo estado do Tocantins e partes de Maranhão, Piauí e Bahia. Em 2023, 47% de todo o desmatamento no país e 74% do desmatamento no bioma se concentraram nessa área. Grande parte dele, segundo a nota técnica, em áreas privadas. “Refletindo a realidade nacional, esse desmatamento tem ocorrido de forma predominante nas propriedades privadas, impulsionado, principalmente, pela expansão da fronteira agropecuária, com a conversão de áreas de vegetação nativa em espaços voltados à produção de commodities”, diz um trecho do documento.
Segundo o relatório, dados do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Bioma Cerrado (PPCerrado) estimam que “pelo menos metade do desmatamento do Cerrado é marcado por algum grau de ilegalidade, seja por não ser autorizado, seja por não respeitar os requisitos e os limites das autorizações concedidas”. A ABRAMPA alerta que esse cenário aumenta o risco de perda de remanescentes de vegetação nativa, inclusive em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal, contribuindo para o agravamento da crise climática.
A nota afirma ainda que os estados têm descentralizado aos municípios a concessão das ASVs sem atender a “requisitos legais mínimos”, como a necessidade de um órgão ambiental capacitado, um conselho de meio ambiente e a limitação da transferência de competência apenas a atividades com impactos locais. “Além disso, também têm sido observados casos nos quais os próprios municípios têm assumido, autonomamente, as atividades autorizativas, sem a anuência do respectivo estado, em claro movimento de usurpação de competência e de maneira patentemente ilegal”, diz o documento. Apenas na Bahia, mais de 300 municípios concedem ASVs, muitos sem cumprir os requisitos.
“Há muitas falhas nos processos das Autorizações de Supressão de Vegetação que precisam ser corrigidas enquanto é tempo. O que observamos é um cenário de absoluto descontrole na concessão dessas autorizações, especialmente no Cerrado. Incluindo descumprimentos reiterados da própria Lei Nacional de Vegetação Nativa, concessões de autorizações por municípios não devidamente habilitados ao licenciamento ambiental, e falta de transparência, o que têm causado afronta aos direitos constitucionais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à estabilidade climática e ao acesso à informação”, destaca Alexandre Gaio, presidente da ABRAMPA e promotor de justiça do Ministério Público do Paraná (MPPR).
A nota técnica aponta que esse descontrole no desmatamento do Cerrado tem trazido sérias consequências ambientais, que impactam fortemente as condições de vida das populações humanas e animais. “Estudos indicam que o bioma já enfrenta uma série de impactos negativos, com prejuízos à provisão de recursos hídricos, biodiversidade e do clima, aumentando sua vulnerabilidade. A contínua perda de vegetação poderá prejudicar ainda mais o ciclo das chuvas, elevando os riscos de desertificação do solo e de aumento das temperaturas na região, além de resultar em perda significativa de biodiversidade”.
Recomendações
Com o diagnóstico de que o processo de concessão de Autorizações para Supressão de Vegetação é repleto de “falhas estruturais”, a ABRAMPA propôs uma série de ações para que membros do Ministério Público possam ajudar a adequar essas licenças, seja de forma consensual ou por meio de ações civis públicas. A nota recomenda que os procuradores tomem medidas como:
- Exigir que os órgãos ambientais estaduais publiquem, de forma acessível, a lista de municípios aos quais foi delegada e descentralizada a competência para a concessão de autorizações e fiscalizar regularmente o cumprimento dos requisitos legais.
- Garantir que as autorizações de supressão de vegetação sigam rigorosamente a legislação ambiental vigente, corrigindo ou cancelando aquelas irregularmente concedidas.
- Realizar a verificação e a validação das informações prestadas pelos requerentes de autorizações por meio de imagens de satélite.
- Monitorar a execução das autorizações concedidas, assegurando o cumprimento das condições estabelecidas, e buscar a sua suspensão ou cancelamento em caso de irregularidades.
- Assegurar total transparência no processo, incluindo a publicação de todas as informações e documentos relacionados às autorizações requeridas e concedidas no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor).
Segundo a nota, esses procedimentos podem contribuir para o cumprimento de objetivos dos planos de ação de prevenção e controle do desmatamento do Cerrado (PPCerrado) e da Amazônia Legal (PPCDAm).
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