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As vozes das águas caladas da Amazônia urbana

As vozes das águas caladas da Amazônia urbana


Às margens dos antigos igarapés que serpenteiam as periferias de Belém, pulsa uma Amazônia urbana esquecida. É um território onde a água já foi fonte de vida, lazer e cultura — mas hoje, para muitos, se tornou símbolo de abandono, poluição e descaso. E é justamente esse território que corre o risco de não ser ouvido na COP30, prevista para acontecer na capital paraense em novembro de 2025.

Com a COP30 se aproximando, Belém se prepara para receber líderes globais num evento que promete colocar a Amazônia no centro do debate climático. Mas há uma Amazônia que insiste em permanecer à margem — a urbana, periférica, encharcada de problemas históricos e ainda invisível nas discussões de alto nível.

Belém foi escolhida para sediar o maior evento climático do planeta. Mas, longe dos debates sobre carbono, transição energética e acordos multilaterais, há uma pauta urgente que borbulha nas baixadas e favelas da cidade: o direito à água limpa e ao saneamento básico. É sabido por diversos estudos que Belém trata apenas cerca de 2% do seu esgoto. O resultado são rios e canais urbanos — antes, muito antes, locais de banho e pesca — hoje transformados em valões a céu aberto, com cheiro forte e risco constante de doenças. Em bairros como Terra Firme, Pratinha, Utinga, Guamá e Jurunas, o contato com a água é inevitável — mas também perigoso. A crise climática, ali, tem cheiro, cor e consequências diárias.

Nas periferias amazônicas, onde se vive ao lado (e muitas vezes dentro) das águas, não é raro que a enchente entre pelas portas antes da ajuda do poder público. Essa Amazônia urbana, de palafitas e becos alagadiços, não aparece nas peças publicitárias da COP. Mas ela grita.

E grita alto.

A COP30 representa uma oportunidade histórica para reposicionar a Amazônia no centro das negociações climáticas globais. Entretanto, o cenário urbano de Belém — cidade-sede do evento — evidencia uma lacuna crítica: a ausência das populações periféricas no desenho e na execução de políticas climáticas.

Setores da sociedade civil e a articulação de movimentos populares em eventos paralelos, como a Cúpula dos Povos, demonstram uma tentativa de tensionar as fronteiras entre participação simbólica e decisão política real. A pauta da água, nesse contexto, emerge como ponto de convergência entre direito à cidade, justiça ambiental e enfrentamento à colonialidade das políticas climáticas.

Diante da ausência nos espaços oficiais da cúpula, movimentos populares vêm se articulando para construir alternativas. A “COP das Baixadas”, por exemplo, nasceu para garantir que os moradores das periferias tivessem um espaço legítimo de discussão sobre a crise climática. Ela nasceu da união das iniciativas  de coletivos que participaram ativamente da 1°edição da Conferência das Baixadas, onde entenderam a dimensão do que foi construído coletivamente e da importância de manterem-se articulados, a partir de então, como uma coalizão de organizações atuantes na pauta climática em Belém do Pará e na Amazônia.

Organizada por coletivos diversos como Gueto Hub, Barca Literária, Cedenpa, Palmares Lab e Mandí, entre outros, essa iniciativa propõe uma visão mais realista e democrática da transição ecológica: uma que comece por esgoto tratado, moradia digna e respeito às águas que cercam essas comunidades.

A “COP das Baixadas” não espera convite. Ela já acontece, com rodas de conversa, mutirões e formação política nos bairros que mais precisam ser ouvidos e diz com firmeza: a Amazônia não é só floresta, também é cidade.

No entanto, o que se vê até agora é um esforço de maquiagem verde. A nova Avenida Liberdade, em Belém, tem sido construída para facilitar o acesso de chefes de Estado e empresários à COP, mas atravessa áreas sensíveis e ameaça moradores com processos de remoção. É o risco de uma cidade se maquiar para receber o mundo, enquanto esconde seus filhos debaixo do tapete.

Há, claro, vozes tentando virar esse jogo. A Cúpula dos Povos, que ocorrerá paralelamente à COP30, deve reunir mais de 20 mil pessoas de movimentos sociais, indígenas e organizações internacionais em Belém. A mensagem é clara: não há solução climática sem os povos da Amazônia.

É um esforço para garantir que a COP30 deixe de ser uma vitrine e passe a incluir, de fato, quem mais sofre com os efeitos do clima e do abandono. A crise do clima também é uma crise de escuta. E talvez uma das decisões mais importantes da COP30 nem seja assinada em papel timbrado, mas construída nos becos das baixadas, onde a água sobe, o esgoto transborda — e, ainda assim, a esperança resiste.

Porque é lá que mora a Amazônia de verdade. Aquela que precisa ser ouvida, não apenas exibida. Se a COP pretende deixar um legado, ele deve começar pelas margens. Onde a água sobe sem aviso, o poder público raramente chega e onde o futuro do planeta já está em disputa.


A imagem que abre este artigo é de autoria de Jader Paes/ Agência Belém e mostra a implantação de saneamento básico na Rua Barão de Igarapé Miri, no bairro do Guamá, em Belém.


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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