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ToggleJunho chegou, mês esperadíssimo pelo amazonense e gente do mundo todo; que aguarda pelo grandioso festival folclórico de Parintins, a celebração do Boi-Bumbá e afirmação de uma rica identidade amazônica.
Nossa coluna então traz uma reflexão a partir de dados e fatos, que levam a questionamentos pertinentes sobre as percepções locais e externas sobre cultura e identidade.
A Amazônia, também conhecida por região Norte, tem um vasto e complexo conjunto de biomas, de proporcionalmente baixa ocupação demográfica. É frequentemente retratada por um imaginário popular que, embora poético, nem sempre se alinha com a realidade de seu rico mosaico cultural.
Há uma tendência persistente em associar a região exclusivamente às culturas indígenas ou a uma “cultura cabocla” branco-indígena que, de forma equivocada, se tenta desvincular da inegável e profunda influência da presença negra. Este artigo busca rebater, novamente, essa narrativa simplista, apresentando dados e fatos que evidenciam que “não é bem assim”.
Como historiador, cabe a mim também ter que “lembrar coisas que a sociedade quer esquecer” como diria Peter Burke, e acrescento, mais que esquecer, nem chegar a conhecer.
Vamos começar pela ideia de “cultura cabocla”. Quando falamos de cultura, falamos em um contexto recortado, seja nacional,regional ou étnico. Nesses contextos, especialmente nos caldeados, não há origem ou influências únicas, mas concentração de múltiplos atores e práticas culturais de origens distintas em um determinado território. Pode haver um “tipo médio” em determinada cultura? Sim, mas não necessariamente único.
Por exemplo, o gaúcho, o habitante dos pampas, que tem uma cultura transfronteiriça, caldeada de múltiplas origens. Ele até pode ter uma ou mais representações estereotipadas no imaginário popular, mas é certo que essas imagens não são aplicáveis a todos e todas no contexto da dita cultura gaúcha, que na verdade é ampla e diversa,com vários “tipos” possíveis.
Não é diferente quando tratamos de cultura cabocla amazônica ou amazonense. A diversidade na ocupação histórica do território e na configuração da identidade, ou identidades abarcadas, vão muito além dos estereótipos que se pretendem travar.
A realidade religiosa de Manaus: um espelho da diversidade
O último Censo, ao revelar o crescimento das religiões de matriz africana em Manaus, oferece um contraponto significativo à ideia de uma Amazônia culturalmente homogênea. Enquanto a presença de práticas religiosas puramente indígenas se mostra ausente nos dados, a Umbanda e o Candomblé, com suas raízes fincadas na diáspora africana, demonstram um aumento expressivo.
Em 2010, apenas 1.514 pessoas (0,06%) se declaravam adeptas dessas religiões na capital amazonense; em 2022, esse número saltou para 10.472 (0,33%), um crescimento de quase sete vezes (e obviamente ainda bem sub-declarada). Embora ainda representem uma parcela menor da população, esse dado é um indicativo claro da vitalidade e expansão da cultura negra na região, desafiando a percepção de que a influência africana é marginal ou inexistente.
Bom exemplo, são as manifestações públicas notadamente no mês de dezembro, como o “Balaio de Oxum” na Ponta Negra ou o Festival Afroamazônico de Yemanjá, no mesmo local, mas não apenas elas, também os registros bem mais antigos da presença afroreligiosa regional.
Festival de Parintins e a (re)invenção do folclore
Junho traz consigo o efervescente Festival Folclórico de Parintins, um espetáculo grandioso que, para muitos, é erroneamente considerado um “festival indígena”, e isso não é para menos, pois há toda uma intencionalidade nisso.
Embora as culturas indígenas tenham sido incorporadas e sejam celebradas no evento, a origem do Boi-Bumbá, manifestação central do festival, não reside e nunca fez parte original de qualquer cultura indígena.
O Boi-Bumbá, com suas raízes profundas na “civilização do couro” do Piauí, é um exemplo notório da influência negra na formação cultural brasileira.
Nascido das brincadeiras dos escravizados que lidavam com o gado, essa manifestação folclórica se espalhou pelo Maranhão, Pará, até fincar raízes no Amazonas, onde ganhou novas roupagens e se tornou o ícone que conhecemos hoje. A dita “cultura cabocla”, na qual o Boi-Bumbá também se insere, e já escrevemos sobre, não pode prescindir da história e da influência negra na região, ignorando a contribuição essencial e fundante dos povos africanos e seus descendentes na construção dessa identidade caldeada.
Os tambores que ecoam a ancestralidade
Para além do Boi-Bumbá, a presença negra na Amazônia ressoa nos ritmos e melodias que embalam a vida da região. Os “cinco tambores amazônicos”, embora nem sempre explicitamente nomeados como tal, representam a inegável herança africana na música e nas manifestações culturais locais.
Tambor de crioula, Bumba-meu-boi, Carimbó, Gambá, Marabaixo, são a prova viva da riqueza cultural trazida pelos africanos escravizados. Eles são veículos de memória, resistência e celebração, que conectam o presente amazônico a uma ancestralidade africana que se manifesta em cada batida, em cada canto, em cada dança. A negação dessa influência é um empobrecimento da própria história e da diversidade cultural da Amazônia.
Conclusão: reconhecer para enriquecer
O objetivo da reflexão não é propor a minoração da importância da influência indígena na cultura regional e nas raízes da população, isso é infactível. Porém é imperativo que a narrativa sobre a cultura amazônica seja revista e ampliada para incluir, de forma justa e proeminente, a contribuição da população negra amazonida. Negar ou minimizar essa influência não apenas distorce a história, mas também empobrece a compreensão da complexidade e da riqueza cultural da região.
A Amazônia é um caldeirão de culturas, onde as tradições indígenas e caboclas permeadas das eurodescendentes e das afro-brasileiras se entrelaçam, formando uma identidade peculiar e vibrante.
Reconhecer a presença negra, suas lutas, suas resistências e suas manifestações culturais é um passo fundamental para construir uma Amazônia mais justa, inclusiva e verdadeiramente representativa de sua diversidade. Somente assim poderemos desconstruir imaginários equivocados e celebrar a Amazônia em sua plenitude, com todos os seus sons, cores e histórias.
A imagem que abre este artigo mostra a celebração do Balaio da Oxum 2024, na praia da Ponta Negra em Manaus. (Foto do Instagram: @aguilar.abecassis via @balaiodaoxummanaus).
Nota de transparência: O texto foi produzido com assistência de inteligência artificial (Manus IA), sendo o argumento, verificação, edição, complementação e contextualização humanas realizadas pelo autor.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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