Apesar de a surucucu (Lachesis muta) ser a maior serpente peçonhenta das Américas – podendo chegar a 3,6 metros de comprimento –, ela não é a mais conhecida em termos científicos. Alguns dos aspectos taxonômicos da espécie, por exemplo, foram revelados em um artigo publicado na última segunda (22) na revista científica Systematics and Biodiversity.
O estudo, liderado pelo pesquisador Breno Hamdan, do Instituto Vital Brazil e Universidade Federal do Rio de Janeiro, contou com a participação de dezesseis pesquisadores de treze instituições, que investigaram a taxonomia (ciência que estuda a classificação dos organismos) das surucucus com o uso de técnicas avançadas de genética e análises do veneno, da morfologia e do habitat natural.
“Publicamos inicialmente o sequenciamento completo do material genético mitocondrial da população da Mata Atlântica e comparamos com o de um indivíduo da população amazônica. Em seguida, sequenciamos os DNAs de representantes das duas populações e fizemos uma análise que usa SNPs, que são fragmentos de DNA repetidos que apresentam informações importantes sobre a estrutura populacional. Por meio desse sequenciamento de SNPs, identificamos se as populações de L. muta eram a mesma espécie ao longo de sua distribuição ou se haviam ali espécies diferentes”, explicou Hamdan.
Os pesquisadores concluíram que, ao contrário do que se pensava, as populações da Amazônia (Lachesis muta muta) e da Mata Atlântica (Lachesis muta rhombeata), consideradas até então subespécies ou, mais recentemente, uma espécie única (Lachesis muta), são na verdade duas espécies distintas. “Identificamos diferenças genéticas extremamente relevantes, a ponto de identificar que os indivíduos da população atlântica têm uma história evolutiva única e diferente daquela história de vida dos indivíduos da população amazônica”, acrescentou o pesquisador.
A população da Amazônia permaneceu como Lachesis muta e a população da Mata Atlântica, considerada outra espécie pelo estudo, foi nomeada como Lachesis rhombeata. “A população atlântica já havia sido reconhecida no século XIX com a descrição formal da espécie pelo príncipe Maximilian von Wied-Neuwied, então resgatamos esse nome L. rhombeata da descrição original”, esclareceu Hamdan.
Suas principais diferenças morfológicas, de acordo com o estudo, são que a L. muta tem mais escamas no ventre, a faixa preta após os olhos é mais fina e essa espécie é mais comprida (em média 1,9m), tem cabeça maior e a cauda um pouco mais longa. Já L. rhombeata tem menos escamas no ventre, a faixa preta após o olho é mais grossa, alcança cerca de 1,8m de comprimento e tem a cabeça e a cauda menores.
Em relação às análises de veneno, Hamdan explicou que o veneno das duas espécies é relativamente bem conservado. “Contudo, identificamos algumas toxinas, da família das fosfolipases, que só ocorrem em indivíduos da Amazônia. Somando todas essas diferenças, pudemos indicar que a população atlântica tem uma identidade única”, explica.
Rodrigo Gonzalez, da Universidade Estadual do Ceará e um dos autores do artigo, esclarece que o estudo de diferentes populações com diferentes fontes de dados ajuda a elucidar questões acerca da evolução e taxonomia, podendo ter impactos diretos na conservação das espécies. “Antes do nosso estudo, Lachesis muta era considerada uma espécie com ampla distribuição e seu status de conservação era considerado ‘pouco preocupante’ pela IUCN. Agora que ela foi dividida em duas espécies, a Lachesis rhombeata da Mata Atlântica deverá passar por uma avaliação para determinar o novo seu status de conservação”.
O estudo identificou uma menor diversidade genética na espécie L. rhombeata, nativa da Mata Atlântica, o que sugere que a espécie deve ter seu status de conservação cuidadosamente avaliado, visto que já foi considerada extinta, criticamente ameaçada ou ameaçada em estados como Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
O trabalho também apontou que a população da Serra de Baturité, no Ceará, conhecida localmente como malha-de-fogo, que encontra-se em uma área crítica de perda de habitat, é geneticamente diferente das demais e já está sendo estudada pelo mesmo grupo como uma nova espécie em potencial.
“A população cearense é uma população geneticamente distinta inclusive da população atlântica. Por ter uma identidade genética única, propomos que ela seja reconhecida como uma linhagem evolutiva distinta e que políticas públicas de conservação da biodiversidade sejam tomadas na região”, concluiu Hamdan. Os pesquisadores propõem a identificação e delimitação de unidades de conservação significativas na área de ocorrência dessa população como uma política pública prioritária para conservação.
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