O anúncio de que o Brasil passará a exportar aves nativas vivas acendeu um alerta entre congressistas, ambientalistas e até no próprio governo. O acordo, que prevê o envio de emplumados silvestres para fins ornamentais e de conservação, foi firmado sem consulta prévia aos órgãos ambientais federais.
Noticiadas no fim de agosto, as exportações de aves nativas vivas para “fins ornamentais, de conservação em zoológicos e outros usos específicos” aos Emirados Árabes Unidos foram comemoradas pelo Ministério da Agricultura por “diversificar a economia brasileira”.
Conforme a pasta, aquele país movimentou no ano passado o equivalente a quase R$ 200 milhões importando aves originárias de outras regiões globais. “Não se espera um grande volume exportado do Brasil, mas a medida amplia a diversificação da pauta e cria oportunidades comerciais reguladas”, avaliou.
Ainda conforme o ministério comandado por Carlos Fávaro (PSD), a continuidade do acordo comercial só depende das condições sanitárias brasileiras e do cumprimento de normas de defesa agropecuária. “Além disso, todas as exportações devem observar a legislação ambiental em vigor”, destacou.
Exportar espécies ameaçadas só é permitido quando oriundas de criadouros autorizados ou coletadas com licenças, e o comércio deve ser autorizado pela Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção), da qual o Brasil é signatário desde 1975.
Exportar animais ou plantas listadas na Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção) só é permitido quando oriundos de criadouros autorizados ou de coletas licenciadas na natureza. O Brasil é signatário do acordo desde 1975.
Todavia, apesar das ligações óbvias desses negócios com os órgãos ambientais federais, os mesmos não receberam nenhuma consulta formal e souberam pela imprensa que emplumados silvestres poderão ser exportados para a península arábica e, de lá, para outros pontos do planeta.
Departamentos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) responsáveis pela conservação da fauna tomaram “conhecimento do tema por meio de notícia publicada no site do Ministério da Agricultura”. O mesmo ocorreu com o Ibama, responsável pelos registros comerciais via Cites, apurou ((o))eco.

A reportagem soube desse escanteio nos órgãos ambientais logo após o anúncio pela pasta do agronegócio, mas certos detalhes sobre a relação entre os órgãos federais só chegaram por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Por exemplo, num ofício assinado pelo secretário-executivo João Paulo Capobianco, o MMA pediu toda a documentação envolvida na negociação com os Emirados Árabes e a lista das espécies envolvidas para “análise técnica, registro e acompanhamento pelos órgãos ambientais competentes”.
Contudo, o Ministério da Agricultura respondeu que o acordo foi iniciado em 2018 e tratava apenas de “aspectos sanitários” – o que não exigiria aval ambiental –, e também não apresentou uma lista com as espécies de aves abrangidas pelo arranjo.
Diante do novo drible, a pasta comandada por Marina Silva (Rede) destacou que os órgãos ambientais federais devem ser sempre consultados e integrados previamente em negociações internacionais sobre a fauna silvestre do Brasil.
“Permanecemos avaliando medidas adicionais para assegurar o devido acompanhamento e monitoramento das exportações, de modo a garantir a rastreabilidade, o cumprimento da legislação ambiental e o respeito aos direitos e ao bem-estar animal”, afirmou o MMA.

Biodiversidade como pet de luxo
A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) avaliou que a exportação de aves nativas vivas traz de volta ao período colonial – de 1530 a 1822 –, quando o país era tratado como “um território exótico a serviço de milionários estrangeiros”.
“A decisão do Ministério da Agricultura ignora qualquer compromisso ambiental e reforça que o agronegócio está mais preocupado com o lucro do que com a proteção animal”, avaliou. “É um retrocesso que envergonha o país”, ressaltou.
Para a parlamentar, a prática pode fomentar atividades ilegais – como o tráfico de vida selvagem e a criação desregrada – e por isso o Brasil deveria investir em tecnologia e inovação e não transformar a biodiversidade em pet de luxo. “É vergonhoso transformar espécies dos nossos biomas em distração”, reclamou.
Diante do cenário ameaçador, a parlamentar vai propor um projeto de lei tentando barrar a exportação de aves silvestres vivas do Brasil. Outras propostas tramitando de Salabert proíbem as vendas de bois e outros animais vivos para abate no Exterior e a debicagem – corte parcial e cauterização – de aves de criação no país todo.

Outro ponto criticado foi a defesa do Ministério da Agricultura de que o comércio regulado ajuda a proteger espécies ameaçadas. “Milhões de animais silvestres são retirados da natureza pelo tráfico, principalmente aves. Ao fortalecer rotas fiscalizadas, o Brasil reduz o espaço para esse mercado paralelo”, avaliou.
Mas o enredo é outro, afirma a bióloga Júlia Trevisan, coordenadora de Campanhas de Vida Silvestre da ong Proteção Animal Mundial. Para ela, falhas na legislação e na fiscalização aumentam o risco de aves capturadas na natureza engrossaram ilegalmente as exportações.
Trevisan lembra que a mudança na entrega de anilhas – do on-line para o presencial – derrubou os recebimentos em mais de 95%, indicando que muitas aves vendidas como legais portavam anilhas falsificadas. “Isso deixa claro que o argumento de que o mercado legal combate o tráfico não se sustenta”, afirmou.
A bióloga lembrou do caso do bicudo (Sporophila maximiliani), pássaro de canto melodioso hoje ameaçado de extinção. “Ele foi caçado e vendido durante anos para viver em gaiolas. Agora, criadores dizem querer preservá-lo, mas foram eles mesmos que ajudaram a quase extingui-lo”, disse.
Ainda segundo a especialista, as espécies mais comercializadas são as mais traficadas, o que leva quem quer pagar menos a evitar os criadouros legalizados. “Defender o comércio nacional ou internacional como forma de conservação parte de um pressuposto errado”, reforçou.
Diante disso tudo, Trevisan defende barrar as exportações, inclusive pelos danos às aves e aos ambientes naturais. “Manter um animal silvestre em gaiola é uma forma de egoísmo”, avaliou. “Esses bichos têm papéis ecológicos essenciais, como dispersar sementes e manter o equilíbrio dos ecossistemas”, lembrou.
No centro dessa disputa que envolve o balanço entre lucro e conservação da biodiversidade, as aves silvestres brasileiras podem acabar virando mais um produto básico de exportação, presas às mesmas gaiolas de sempre.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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