A “degradação” florestal se refere à modificação da floresta que diminua o seu valor aos humanos, mas sem transformá-la em uma vegetação que não seja floresta [1]. O indicador mais comum é a perda de biomassa, por exemplo por meio de exploração madeireira, incêndios florestais ou mortalidade de árvores durante secas severas. Pode também perder valor por mudanças na composição das espécies de árvores ou por dizimação da fauna, por exemplo pela caça. A escala da degradação em termos de perda de biomassa e estoque de carbono é enorme, chegando a rivalizar as perdas por desmatamento [2-4].
A exploração madeireira tem um papel fundamental. A maior parte da madeira extraída na região é ilegal, mesmo que seja comercializada com documentação atestando legalidade [5]. A extração ilegal é feita sem os cuidados exigidos pela legislação sobre manejo florestal, assim matando e danificando mais árvores além daquelas colhidas para madeira. No entanto, há danos colaterais mesmo em projetos de manejo autorizados. Também, os projetos de manejo florestal “sustentável” não são, na prática, sustentáveis devido a brechas na legislação permitindo a colheita das áreas manejadas inteiras nos primeiros anos do ciclo, assim deixando o projeto sem renda durante décadas enquanto (teoricamente) espera para a floresta recuperar para o próximo ciclo, e devido a contradições lógicas entre a taxa de crescimento de árvores e as taxas de desconto usados em decisões financeiros [6, 7].
Para ser sustentável em termos simples de manutenção de produção, sem considerar sustentabilidade econômica, teria que ter um ciclo de 60 anos colhendo apenas 10 m3/ha/ciclo e com 90% do volume da madeira na floresta sendo de valor comercial [8], o que é completamente fora da possibilidade para viabilidade econômica. Evidências de mais de 800 planos de manejo no Pará indicam que, nas áreas com exploração mais antiga, os planos progridam para colher árvores menos valiosas e não há sinais da recuperação teoricamente esperada das populações das espécies colhidas–ou seja, não são sustentáveis [9].
A exploração madeireira, seja legal ou não, fragiliza a floresta para a entrada de incêndios florestais, deixando madeira morta que serve como lenha para um incêndio e abrindo buracos na copa da floresta, permitindo a entrada de sol e vento que ressecam o sub-bosque. Um estudo dos incêndios no El Niño de 2015-2016 em Roraima mostrou que o efeito da exploração madeireira em causar mais área a queimar, e em matar mais árvores caso que uma área que foi explorada para madeira queime, mais que duplica a perda de biomassa comparado com a exploração madeireira em si [10]. Isto tem o efeito de tornar insustentáveis sistemas de manejo considerados teoricamente sustentáveis, pois os planos jamais consideram que a floresta pode pegar fogo.
Incêndios florestais também degradam a floresta por favorecer a entrada de bambus que trepam até a copa da floresta, quebrando galhos, inibindo o crescimento e matando as árvores. Isto ocorre principalmente no Acre e áreas vizinhas no sudoeste da região [11-13].
O desmatamento deixa a floresta restante retalhada em pequenos fragmentos, ou ilhas de floresta em um mar de pastagens. As ilhas sofram degradação pelo efeito de borda, com alteração do microclima para ser mais quente e seca, o que provoca mortalidade de árvores e facilita a entrada de incêndios, também matando árvores. O Projeto Dinâmica de Fragmentos Florestais (PDBFF), ao norte de Manaus, documenta esta degradação há mais de 40 anos [14]. A perda de biomassa pelo efeito de borda na Amazônia brasileira representa uma grande emissão de carbono, equivalente a mais de 30% da emissão pelo desmatamento na região [15]. [16]
A imagem que abre este artigo mostra desmatamento para garimpagem de cassiterita na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, Amazonas (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama).
Notas
[1] Lapola, D.M., P. Pinho, J. Barlow et al. 2023. The drivers and impacts of Amazon forest degradation. Science 379: art. eabp8622.
[2] Walker, W.S., S.R. Gorelik, A. Baccini et al. 2020. The role of forest conversion, degradation, and disturbance in the carbon dynamics of Amazon indigenous territories and protected areas. Proceedings of the National Academy of Science USA. 117: 3015–3025.
[3] Qin, Y., Xiao, X., Wigneron, J.-P. et al. 2021. Carbon loss from forest degradation exceeds that from deforestation in the Brazilian Amazon. Nature Climate Change 11: 442–448.
[4] Silva Junior, C.H.L., N.S. Carvalho, A.C.M. Pessôa et al. 2021. Amazonian forest degradation must be incorporated into the COP26 agenda. Nature Geoscience 14: 634–635.
[5] Brancalion, P.H.S., D.R.A. de Almeida, E. Vidal et al. 2018. Fake legal logging in the Brazilian Amazon. Science Advances 4: art. eaat1192.
[6] Fearnside, P.M. 1989. Manejo florestal na Amazônia: Necessidade de novos critérios na avaliação de opções de desenvolvimento. Pará Desenvolvimento 25: 49-59.
[7] Fearnside, P.M. 2020. A sustentabilidade da agricultura na Amazônia. Amazônia Real, Série completa.
[8] Sist, P., C. Piponiot, M. Kanashiro, M. Pena-Claros, F.E. Putz, M. Schulze, A. Verissimo & E. Vidal 2021. Sustainability of Brazilian forest concessions. Forest Ecology and Management 496: art. 119440.
[9] Richardson, V.A. & C.A. Peres 2016. Temporal decay in timber species composition and value in Amazonian logging concessions. PLoS ONE 11(7): art. e0159035.
[10] Barni, P.E., A.C.M. Rego, F.C.F. Silva, R.A.S. Lopes. H.A.M. Xaud, M.R. Xaud, R.I. Barbosa & P.M. Fearnside. 2022. Exploração madeireira e incêndios florestais. Amazônia Real, Série completa.
[11] Ziccardi, L.G., P.M.L.A. Graça, E.O. Figueiredo & P.M. Fearnside 2019. Decline of large-diameter trees in a bamboo-dominated forest following anthropogenic disturbances in southwestern Amazonia. Annals of Forest Science 76: art. 110.
[12] da Silva, S.S., I. Numata, P.M. Fearnside et al. 2020. Impact of fires on open bamboo forest in years of extreme drought in southwestern Amazonia. Regional Environmental Change 20: art. 127.
[13] da Silva, S.S., P.M. Fearnside, P.M.L.A. Graça et al. 2021. Increasing bamboo dominance in southwestern Amazon forests following intensification of drought-mediated fires. Forest Ecology and Management 490: art. 119139.
[14] Laurance, W.F., J.L.C. Camargo, P.M. Fearnside et al. 2018. An Amazonian rainforest and its fragments as a laboratory of global change. Biological Reviews 93(1): 223–247.
[15] Silva Junior, C.J.H., L.E.O.C. Aragão, L.O. Anderson et al. 2020. Persistent collapse of biomass in Amazonian forest edges following deforestation leads to unaccounted carbon losses. Science Advances 6: art. eaaz8360.
[16] Esta série é uma atualização de: Fearnside, P.M. 2022. Ameaças aos serviços ambientais da Amazônia. p. 28-35 In: C.W.N. Moura & G.H. Shimizu (eds.) Botânica: Para Que e Para Quem?: Desafios, Avanços e Perspectivas na Sociedade Contemporânea. Sociedade Botânica do Brasil, Brasília, DF. 517 p.
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