Introdução
“Serviços Ambientais”, também conhecidos como “serviços ecossistêmicos reguladores” ou “serviços ecossistêmicos não provisionadores”, são funções de ecossistemas que não sejam a produção de bens físicos, como madeira ou pescado, mas sim a estabilização climática e o fornecimento de outros benefícios importantes para a população humana. A floresta amazônica forneçe diversos serviços ambientais, entre os quais três importantes grupos são: a reciclagem de água que mantém o regime de chuvas na Amazônia e em outras partes do Brasil e paises vizinhos, a estocagem de carbono que evite o aquecimento global, e a manutenção da biodiversidade. Estes serviços são ameaçados pelo desmatamento e pela degradação da floresta, por exemplo pela exploração madeireira, incêndios florestais e mudanças climáticas. O fato da floresta fornecer serviços tão valiosos à sociedade humana ofereçe a possibilidade do valor dos serviços ambientais se tornar a base de uma economia mais sustentável para a população rural associada à floresta [1, 2].
Os Serviços Ambientais
Reciclagem de água
A floresta amazônica recicla água, uma parte de que é transportada para São Paulo pelos ventos conhecidos como “rios voadores” [3, 4]. Esta função que é essencial para manter uma cidade com mais de 20 milhões de habitantes naquele lugar, além de manter centros urbanos e atividades agrícolas em uma boa parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste [5]. Em 2014 a cidade de São Paulo quase ficou sem água até para beber, e em 2021 aquela região também sofreu uma grande seca. O novo padrão de secas no Sudeste brasileiro, que está ligado a mudanças nas temperaturas dos oceanos devido ao aquecimento global, diminua a margem de tolerância para perda da água suprida pelos “rios voadores” [6]. A perda dessa água também implicaria em grandes perdas para a agricultura brasileira.
Estocagem de carbono
A floresta estoca grandes quantidades de carbono, tanto na vegetação [7, 8] como no solo [9]. Isto tem dois papeis destintos nas mudanças climáticas. O primeiro é a emissão a cada ano, que faz uma contribuição significativa ao aquecimento global, mesmo que os combustíveis fósseis sejam o grosso do problema mundial. A emissão por desmatamento chama atenção porque a diminuição dessa emissão representa uma das opções de mitigação mais atraentes por ser relativamente barata, potencialmente rápida, e com maiores benefícios ambientais e sociais associados (e.g., [10]). O segundo papel da floresta está no enorme estoque de carbono que poderia se transformar em gases de efeito estufa, seja propositalmente, como por desmatamento, ou sem ser proposital, como por mudança climática e incêndios florestais. Se este estoque for lançado na atmosfera seria um acontecimento desastroso, podendo levar o clima global para além de um ponto de não retorno [11, 12]. O aquecimento global é um problema para o mundo inteiro, e o Brasil é um dos países que tem mais para perder ser o aquecimento for permitido a avançar sem controle.
Manutenção da biodiversidade
A perda da floresta amazônica implica em grandes perdas de biodiversidade [13]. Além das perdas utilitárias dessa biodiversidade, como fornecedor de alimentos, remédios, e outros produtos, também há perda de valor intrínseca [14, 15]. A maior parte das espécies de plantas e animais em florestas tropicais não se adaptam a viver em áreas desmatadas. Sendo que existem muitas espécies com distribuições restritas, as grandes áreas desmatadas significam que alguns dessas espécies seriam levadas à extinção. Entre os impactos do desmatamento e dos processos sociais ligados a ele é o aumento do risco de “pulos” zoonóticos levando a novas doenças humanas [16-18]. [19]
A imagem que abre este artigo mostra nuvens que formam os rios voadores , em Novo Aripuanã, Amazonas (Foto: Wérica Lima/Amazônia Real).
Notas
[1] Fearnside, P.M. 1997. Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural. p. 314-344 In: C. Cavalcanti (ed.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. Editora Cortez, São Paulo, Brazil. 436 p.
[2] Fearnside, P.M. 2008. Amazon forest maintenance as a source of environmental services. Anais da Academia Brasileira de Ciências 80(1): 101-114.
[3] van der Ent, R.J., H.H.G. Savenije, B. Schaefli & S.C. Steele-Dunne 2010. Origin and fate of atmospheric moisture over continents. Water Resources Research 46: art. W09525.
[4] Zemp, D.C., C.F. Schleussner, H.M.J. Barbosa et al. 2014. On the importance of cascading moisture recycling in South America. Atmospheric Chemistry and Physics 14: 13337–13359.
[5] Fearnside, P.M. 2015. Rios voadores e a água de São Paulo. Amazônia Real.
[6] Fearnside, P.M. 2021. As lições dos eventos climáticos extremos de 2021 no Brasil: 2 – A seca no Sudeste. Amazônia Real, 20 de julho de 2021.
[7] Nogueira, E.M., A.M. Yanai, F.O.R. Fonseca & P.M. Fearnside 2015. Carbon stock loss from deforestation through 2013 in Brazilian Amazonia. Global Change Biology 21: 1271–1292.
[8] Fearnside, P.M. 2018. Brazil’s Amazonian forest carbon: The key to Southern Amazonia’s significance for global climate. Regional Environmental Change 18(1): 47-61.
[9] Barros, H.S. & P.M. Fearnside 2019. Soil carbon is decreasing under “undisturbed” Amazonian forest. Soil Science Society of America Journal 83(6): 1779-1785.
[10] Nepstad, D., B.S. Soares-Filho, F. Merry et al. 2009. The end of deforestation in the Brazilian Amazon. Science 326: 1350-1351.
[11] Fearnside, P.M. 2019. Amazônia e o aquecimento global. Amazônia Real. https://bit.ly/3yjKdD7
[12] Fearnside, P.M. & R.A. Silva 2023. A seca na Amazônia em 2023 indica um futuro desastroso para a floresta tropical e seu povo. The Conversation, 06 de novembro de 2023.
[13] Joly, C.A., M.C.G. Padgurschi, A.P.F. Pires et al. 2019. Capítulo 1: Apresentando o Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. pp. 6-33. In Joly C.A et al. (eds.) 1° Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Editora Cubo, São Carlos, SP. 351 pp.
[14] Fearnside, P.M. 2009. Biodiversidade nas florestas Amazônicas brasileiras: Riscos, valores e conservação. p. 19-44 In: A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais, 2ª Ed. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Manaus, AM. 134 p.
[15] Fearnside, P.M. 2021. O valor intrínseco da biodiversidade amazônica. Amazônia Real-Série.
[16] Ellwanger, J.H., B. Kulmann-Leal, V.L. Kaminski et al. 2020. Beyond diversity loss and climate change: Impacts of Amazon deforestation on infectious diseases and public health. Annals of the Brazilian Academy of Sciences 92(1): art. e20191375.
[17] Ellwanger, J.H., P.M. Fearnside, M. Ziliotto et al. 2022. Synthesizing the connections between environmental disturbances and zoonotic spillover. Annals of the Brazilian Academy of Sciences 94(3): art. e20211530 3.
[18] Ferrante, L., R.I. Barbosa, L. Duczmal & P.M. Fearnside. 2021. A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias. Amazônia Real. Série completa.
[19] Esta série é uma atualização de: Fearnside, P.M. 2022. Ameaças aos serviços ambientais da Amazônia. p. 28-35 In: C.W.N. Moura & G.H. Shimizu (eds.) Botânica: Para Que e Para Quem?: Desafios, Avanços e Perspectivas na Sociedade Contemporânea. Sociedade Botânica do Brasil, Brasília, DF. 517 p. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (312450/2021-4), a Financiadora de Estudos e Projetos/Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (FINEP/Rede Clima) (01.13.0353-00) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (01.02.016301.000289/2021-33).
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