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Amazônia: fronteira do caos - Amazônia Real

Amazônia: fronteira do caos – Amazônia Real


(Este texto foi publicado em julho de 2016. Como, infelizmente, não só continua atual como seu tema, com um novo desdobramento no início do mês, é ignorado pela grande imprensa, decidi reproduzi-lo.)

Nos 10 primeiros anos depois do fim da ditadura, entre 1986 e 1996, foram registrados 660 assassinatos no campo, mais do que as 625 mortes computadas em 21 anos de regime militar. Do massacre de Eldorado dos Carajás, justamente em 1996, até hoje, 197 pessoas foram assassinadas em conflitos somente no sudeste e sul do Pará, a área mais conflagrada pela disputa de terras no Brasil.

Na democracia atual, o crescimento da violência no meio rural se deve ao esvaziamento das instituições estatais que lidavam (e ainda lidam, embora agora precariamente) com os pontos de tensão e atrito, diretamente no front. Sem a mediação do poder público, que continua tendendo a ficar ao lado dos mais fortes, porém agora de forma menos decisiva, em função das condicionantes políticas, o vazio do Estado colocou os campos antagônicos em posições frontais. O resultado: mais violência.

Para constatá-la, o jornal O Estado de S. Paulo teve a feliz – e cada vez mais rara, principalmente na insensível imprensa local – iniciativa de enviar à região dois repórteres, André Borges e Leonencio Nossa, publicando os seus relatos.

Eles constatam que houve avanços institucionais, como a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que disponibilizou para a safra 2015/ 2016 28,9 bilhões de reais (linha de crédito criada nos governos do PT), e descriminalização dos movimentos de pequenos agricultores.

Ainda assim, a lição de barbárie de Eldorado “não trouxe mudança real à questão da violência.  As polícias deixaram de atuar, sob certa medida, na repressão a ativistas, mas o espaço seria ocupado por milícias contratadas por grileiros”. Observam que “ex-agentes da repressão” estão sendo contratados por fazendeiros para chefiar pistoleiros.

No Pará, a mais destacada empresa de serviço de escolta armada no trecho entre Anapu e Eldorado foi criada em 2002 em Araguaína, no Tocantins, por Renê Rodrigues de Mendonça, um agente federal aposentado. A Atalaia Segurança e Vigilância “domina o mercado de escolta de fazendeiros e grileiros”.

Ela está atuando na fazenda Cedro, 8,3 mil hectares de antigos aforamentos concedidos pelo governo do Estado para a extração de castanha. Relatam os repórteres que Benedito Mutran, do clã que dominou o mercado de amêndoas entre 1950 e 1980, derrubou as castanheiras e criou gado:

“O governo do Estado nunca se opôs à mudança de exploração da terra. Benedito vendeu a Cedro para o banqueiro Daniel Dantas. Por um capricho da história, Dantas teve como advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado do PT que no passado defendeu famílias de guerrilheiros, sindicalistas e camponeses assassinados nas terras que hoje são apostas do banqueiro no negócio da mineração”.

Os enviados especiais de O Estado de S. Paulo, de posse de muitas denúncias contra a Atalaia, conseguiram entrevistar o dono da empresa. Renê Rodrigues de Mendonça negou a prática das violências contra posseiros que foram relatadas, analisando cada caso, como os da Cedro. “A perícia técnica vai comprovar que nossos seguranças não causaram a morte do Wagner”, um dos assentados, disse.

Com base nas suas apurações nos locais, os repórteres concluem: “A mancha verde do Cerrado e da selva de propriedade da União diminui, enquanto um Brasil regido pela lei dos fuzis e movido por violações de direitos se expande. São 100 milhões de hectares do território nacional sob controle de grileiros, área de quatro Estados de São Paulo”.

Para eles, “um mercado da violência se movimenta e impõe seu modelo econômico. Por pouco dinheiro se derruba um ipê – o novo mogno da Amazônia – ou se fuzila um homem ou uma mulher. Com os setores industrial e comercial em crise, a agricultura é pressionada para crescer ao largo da garantia de conquistas socioambientais”.

Consideram “um mito que o poder público está ausente. As digitais de governo, Judiciário e Ministério Público na promoção da violência são vistas a olho nu, em processos de regularização que se arrastam por décadas a fio e sentenças e ações que favorecem, invariavelmente, os grileiros, mais preparados para constituir defesas jurídicas”.

Apesar disso, na linha de frente dos conflitos a ausência do poder público é atestada pelos próprios repórteres. Da sua narrativa também se observa que os personagens dos dramas – estes, sim, violentos, bárbaros e injustos, como sempre – se diversificaram. A explicação maniqueísta do bom e do mal, do dono da posse e do detentor da propriedade, do capital e do trabalho e outros esquematismos já não é suficiente para compreender a realidade.

O principal produto da ação do governo na expansão econômica pela fronteira econômica foi gerar o caos na busca pela realização de estratégias montadas fora da região. Os clientes dessa estratégia, os empreendimentos de grande porte voltados para a exportação, foram muito bem atendidos. O que ficou na fronteira desses projetos foi entregue à própria sorte, numa dinâmica humana, social e econômica terrível, massacrante.

[Dantas não concluiu o pagamento devido a Benedito Mutran Filho, limitando-se aos 15% da entrada, causando grandes problemas financeiros ao fazendeiro, uma das causas do seu suicídio, na semana passada, após um longo processo depressivo. Por onde anda Daniel Dantas?]


A foto que abre este artigo, motra um homem rezando no memorial pelas vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás ao longo da rodovia BR-155, no sul do Pará (Foto: Tommaso Protti/Greenpeace/ 2017).


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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