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Amazônia branca: sem proteger a Antártida, adeus clima

Amazônia branca: sem proteger a Antártida, adeus clima

Estamos atravessando um caos ambiental no como há muito tempo não se havia visto. Muito tempo e energia está sendo perdido em empurrar a culpa para um lado ou para outro, como se a catástrofe das queimadas generalizadas e do desmatamento continuado não fossem o produto de todos, literalmente todos os governos que vêm acumulando derrotas fragorosas na gestão de nosso maior patrimônio – os ecossistemas que sustentaram até aqui toda a economia e sociedade nacionais. 

Temos visto na atual gestão a preocupação com a Amazônia retornar ao centro das atenções, de certa forma uma consequência natural do retorno de Marina Silva ao Ministério do e da escolha de Belém do Pará como sede da COP 30 do Clima, num momento em que a encruzilhada do apocalipse climático chegou ao teto das casas das centenas de milhares de gaúchos vitimados pelas enchentes e aos pulmões de milhões de brasileiros intoxicados pela fumaça dos incêndios florestais generalizados. Não há espaço para o fracasso na adoção de soluções que revertam o imenso estrago já feito nos sistemas planetários que permitem a vida humana na Terra.

Não obstante a importância da floresta amazônica como regulador climático regional, o Brasil corre o risco de deixar de lado, por falta de cobertura midiática regular e desconhecimento de nossos tomadores de decisão, da imensa importância da Antártida e seu oceano circundante para a regulação climática, não apenas de nosso território nacional, mas de todo o planeta. De fato, sem se adotar medidas para proteger o continente e as águas antárticas, não haverá Amazônia que nos salve do agravamento das tragédias ambientais que já nos impactam de maneira indelével e custosa. E não estamos falando apenas de adotar medidas amplas para reduzir as emissões de carbono, desacelerando o degelo do continente que parece ser a única coisa a gerar manchete eventual na nossa imprensa; é preciso, mais do que isso, agir resolutamente para preservar a Antártida enquanto sistema ecológico funcionante. 

A Ciência vem mostrando de forma cada vez mais decisiva que a marinha – e a manutenção das complexas teias ecológicas que regem o equilíbrio entre as múltiplas espécies vivas – é componente essencial da capacidade do Oceano em absorver carbono, portanto atuando em direta conexão com os esforços de mitigação climática. E em nenhum outro lugar do planeta a produtividade de vida marinha e a geração de interações complexas é maior do que nos mares antárticos. Assim, proteger a integridade da vida marinha antártica, é contribuir diretamente para a restauração do equilíbrio climático no Brasil, no Hemisfério Sul e no planeta. 

Por que proteger lá, e não aqui? Bem, essa distinção não existe de fato, pois os mares austrais se conectam com, e alimentam diretamente, o mar brasileiro de diversas formas. Por um lado, a Corrente das Malvinas, que vem da região periantártica, traz sazonalmente nutrientes, plâncton e diversas espécies de fauna às nossas águas do Sul e Sudeste, contribuindo para o incremento da produção pesqueira nacional e também para nossas próprias teias ecológicas marinhas (novamente, essenciais à regulação climática pela absorção de carbono com auxílio da biomassa marinha). E a geração direta de emprego e renda trazida pela natureza da Antártida ao Brasil não se restringe à pesca: as baleias jubarte e franca, colunas vertebrais do turismo de observação que gera expressivas somas à economia de muitas comunidades costeiras do Sul ao Nordeste brasileiros, se alimentam diretamente naquela região durante o verão. Para as baleias e para muitos outros grupos de espécies, o krill, diminuto camarão que se reproduz aos bilhões no verão antártico junto à borda dos gelos flutuantes, é absolutamente fundamental, e o fato de existir uma crescente pesca industrial direcionada a ele vem causando uma também crescente preocupação de que ela possa afetar tanto a recuperação das populações de baleias quase extintas pela caça comercial que as vitimou até recentemente, como toda a teia da vida antártica.

Baleia Jubarte. Foto: Rodolfo Werner

Para enfrentar esse tipo de problema, a Convenção para os Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR ou “camelar” como é mais conhecida pelo acrônimo em Inglês) estará considerando em sua próxima reunião plenária, que se inicia neste próximo dia 14 de outubro em Hobart, Tasmânia, uma série de medidas para aprimorar a regulação da pesca do krill, e também propostas da Argentina e do Chile de novas Áreas Marinhas Protegidas na região da Península Antártica, que é crucial para a biodiversidade da região. Mas essas medidas enfrentam forte e prolongada oposição da China e da Rússia, que se recusam a admitir a necessidade de se proteger tanto áreas-chave como um determinado volume da biomassa do krill para que a Antártida siga viva e distribuindo vida.

O Brasil, enquanto país tradicionalmente não-alinhado e com diálogo amistoso e regular com ambos estes países – bem como sendo um protagonista de ponta da pesquisa científica antártica graças ao programa PROANTAR com mais de 40 anos de contribuições relevantes – pode cumprir um papel fundamental em destravar, ao mesmo tempo, a criação dessas novas áreas protegidas e a continuidade do aprimoramento da gestão de pesca antártica. Mas para isso é preciso que nosso país assuma um protagonismo mais incisivo tanto na CCAMLR, liderando esse diálogo em coordenação com nossos vizinhos latino-americanos, como levando o tema da conservação antártica à mesa de negociação da próxima COP do Clima, tendo a coragem de promover a noção de que proteger a “Amazônia Branca” é tão importante como proteger a Amazônia Verde. 

E como estamos hoje nesse sentido? Em estado de apreensão, porque faltando poucos dias para a plenária da CCAMLR ainda não há confirmação pública de que nossos representantes diplomáticos estejam viajando para participar da reunião. Tampouco vemos indicação de que a organização brasileira da COP 30 do Clima tenha aberto até o presente um espaço protagônico para as questões marinhas e antárticas nas discussões e deliberações que se levarão a cabo em Belém em 2025. Por isso mesmo, o Instituto Baleia Jubarte e o Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza lançaram nas redes sociais o movimento #BrasilnaCCAMLR, que visa alertar para a importância da Antártida e apoiar uma participação brasileira proativa e continuada em defesa dos ecossistemas antárticos. Para fazer parte do movimento, basta acessar o post no Instagram da campanha e marcar o Ministério de Relações Exteriores @itamaratygovbr e o Ministério do Meio Ambiente @mmeioambiente solicitando que o Brasil esteja presente e ativo a favor da conservação na próxima reunião da CCAMLR. Talvez assim seja possível despertar nossos governantes para a urgência dessa participação e para a oportunidade que uma liderança no tema oferece ao Brasil, que poderá, se quiser, ter um papel histórico em lograr a conservação efetiva dessa usina de vida hoje ameaçada, mais que tudo, pela inação. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.



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