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Amazônia: aquém do paraíso prometido (1)

Amazônia: aquém do paraíso prometido (1)


Escrevi este artigo em 2003, 20 anos atrás. Republico-o agora, em dois capítulos, devido à sua extensão. Ofereço este texto à apreciação do leitor por considerá-lo atual. O que previu de ruim aconteceu. O que imaginou de bom se frustrou. Retóricas e promessas à parte, a tendência à devastação dos bens naturais do bioma amazônico prosseguiu, de leste para oeste, do sul para o norte

Esse resultado trágico não foi alterado por dois mandatos seguidos de Lula, um e meio de Dilma Rousseff e o primeiro ano do terceiro mandato de Lula. Quase 18 anos de governos do PT, o partido político que por mais tempo ocupou a presidência da república. O artigo que reproduzo foi escrito em 2003, quando o líder petista iniciava o seu primeiro mandato. Lido hoje, ele parece de certa forma profético. Continuará assim sob Lula3 – e Lula4?


Ao longo da década de 1990, mais de 370 bilhões de reais (o equivalente a mais de 120 bilhões de dólares) de recursos públicos foram aplicados na Amazônia, com o objetivo de desenvolver a região, segundo a contabilidade feita no documento “Amazônia Sustentável”, apresentado em maio deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um termo de referência para a elaboração e implementação do “Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia”, capítulo regional do PPA (Plano Plurianual) do governo federal para o período 2004/2007.

Dá uma média de R$ 37 bilhões (ou US$ 12 bilhões) por ano. Esse dinheiro todo, originário do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam), administrado pela extinta Sudam, do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), sob a responsabilidade do Banco da Amazônia, do Banco do , Caixa Econômica e bancos comerciais, daria para desenvolver qualquer nova fronteira do mundo. Mas não teve esse efeito na Amazônia Legal, com área de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados (se fosse um país, seria o 7º maior do planeta).

Muito pelo contrário. O Produto Interno Bruto (PIB) regional somava R$ 73 bilhões em 2000. Representava apenas 6,5% do PIB do Brasil, uma participação que sequer retrata a grandeza demográfica da região, que, com 21 milhões de habitantes, possui 12% da população brasileira, o dobro, portanto, da sua expressão econômica.

Não surpreende, assim, que o PIB amazônico per capita, de R$ 3.500, corresponda a pouco menos de dois terços desse indicador em termos nacionais (média que já inclui o Nordeste, a mais pobre região brasileira, a única situada abaixo da posição da Amazônia).

Manter o modelo de ocupação da região significaria condená-la a um desenvolvimento desigual, injusto, explosivo; que subdesenvolve, ao invés de desenvolver; que mais destrói do que constrói; que sacrifica, hoje, os recursos que lhe vão faltar no futuro, dilapidando seu enorme capital contido (e, em boa parte, ainda oculto) na natureza.

Outros governos, no passado, também conseguiram fazer um diagnóstico crítico como esse, embora sem avançar muita coisa além das palavras e do formalismo. Alguns tentaram corrigir os erros e mudar sua postura. Mas nenhum mudou, de fato, os rumos da Amazônia, de tal maneira que ela escapasse a um fatalismo que a tem marcado nas últimas décadas: crescer se empobrecendo.

Essa realidade é confirmada pelos últimos números do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) divulgados pela ONU, neste ano, com dados de 2001. A região Norte foi a única, no Brasil, em que a pobreza cresceu entre 1990 e 2001, segundo o “Relatório do Desenvolvimento Humano 2003”, da Organização das Nações Unidas. Mostra o documento que, em 1990, a pobreza atingia 36% da população da região, mas esse percentual passou para 44% da população em 2001. É certo que, como as informações são retiradas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), elas se limitam às áreas urbanas da região Norte, mas os dados permitem uma análise comparativa satisfatória.

Ao contrário do que tem ocorrido nas regiões Nordeste e Sudeste, no Norte do país o Índice de Desenvolvimento Humano não tem evoluído o suficiente. Esse resultado indica que a pobreza continuará a se agravar na Amazônia comparativamente ao restante do país. Alertando para o descaso com que a região vem sendo tratada, o relatório propõe a aplicação de mais recursos ao Norte, devido à tendência negativa do IDH (e também ao Nordeste, em razão do índice baixo).

Entre os dias 9 e 10 de maio deste ano, o governo do PT apresentou, em Rio Branco, no Acre, mais um diagnóstico correto dos problemas amazônicos e novas promessas para resolvê-los, evitando que a região continue a se distanciar das partes mais ricas do país. O documento básico foi submetido a todos os governadores da região e aprovado. Uma comissão interministerial, com a participação de representantes dos Estados, trataria de dar ao texto formato e operacionalidade para que ele passasse a fazer parte do PPA, o plano quadrienal do governo federal, que tem força de lei.

A rigor, não haveria novidade para os observadores mais antigos e experimentados da cena regional. Por isso mesmo, mais céticos quando se trata de palavras ou papéis, principalmente se considerada a intensa produção de documentos que houve durante o predomínio da tecnoburocracia estatal sob o regime militar (1964-85).

No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com respaldo na convincente vitória eleitoral e nas declarações de compromisso com a mudança, poderia se credenciar a um voto de confiança. Ele efetivamente inovou em relação aos seus antecessores.

Em primeiro lugar por ter, finalmente, estabelecido como prioridade das políticas públicas o recurso mais valioso da Amazônia: a sua floresta (a Amazônia abriga um terço das florestas tropicais do planeta e a maior diversidade de vida). Até agora, comprovando o tom colonial dessas políticas, a prioridade vinha sendo dada a outros componentes, todos secundários, do bioma amazônico: seu solo, seu subsolo e, por irracional que seja, o desmatamento.

Ou seja: a conversão da floresta em pastagem, lavoura, plantation, , hidrelétrica, mineração, cidade, etc. Uma política baseada numa negatividade (a alteração da composição natural) ao invés de numa categórica positividade (o aproveitamento das maiores riquezas já existentes na região, dependendo de descobertas e invenções).

Pela primeira vez um presidente anunciou, com todas as letras, que a ação pública, desta vez, vai se voltar para a preservação, o uso econômico, o manejo, o conhecimento e o desfrute do elemento majoritário na região, a sua floresta nativa, juntamente com sua enorme bacia hidrográfica, sem igual no planeta. Para não ficar apenas numa declaração de intenções, como alguns de seus antecessores, Lula carregou na sua comitiva ao Acre, a menos conhecida e mais isolada das unidades federativas brasileiras, os presidentes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do e dos Recursos Naturais Renováveis). Em Rio Branco mesmo os dois as sinaram um protocolo para substituir o assentamento agrário pelo assentamento florestal.

Ao invés de instalar colonos em áreas que eles, para ocupar, precisam desmatar, na qual implantam cultivos de ciclo curto de pouca ou nenhuma perenidade, deixando como saldo a natureza saqueada e um ciclo continuado de migração humana, os dois órgãos se comprometiam a se empenhar em instalar colonos harmonizados com a paisagem, capazes de aproveitar produtivamente tudo o que a floresta lhes pode fornecer, sem comprometer a continuidade do uso do recurso. Isto é: sem dilapidá-lo.

Numa Amazônia que já perdeu 17% da sua cobertura vegetal original (a taxa média do desmatamento foi de 16 mil quilômetros quadrados por ano nos últimos 10 anos) e degradou pelo menos um quarto desses 60 milhões de hectares, uma tal política poderá parecer utópica, delirante.

Diante dos parcos recursos que Incra e Ibama dispõem no momento e de toda uma cultura contrária, que precisarão enfrentar para alcançar os primeiros resultados nessa nova diretriz, realmente a distância entre o desejado e o realizável é imensa, quase intransponível. Mas pelo menos o governo parecia vislumbrar o rumo certo.

Ao invés de se deslocar para o mais ocidental (isolado e ignorado) dos Estados brasileiros, carregando propostas e atos concretos, o presidente podia ter simplesmente juntado uma legião de tecnoburocratas em Brasília, com ligeiras escalas (ou passagens a jato) pelas capitais amazônicas, e apresentado ao parlamento sua versão do PPA, seguindo o modelo do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e de todos os presidentes da república.

Mas preferiu reunir previamente com os governadores da região e os fez assinar um termo de compromisso em conjunto. Não para referendar um papel pronto e acabado trazido de Brasília, como tem sido a praxe. O documento apresentado em Rio Branco seria apenas o tiro de partida.

Para alcançar o ponto de chegada, uma comissão interministerial, coordenada pelo todo-poderoso chefe da Casa Civil da Presidência da República, com a participação de representantes de todos os Estados da região, ficou encarregada de dar a forma final (no curto prazo de três meses) ao Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia. Aos governadores, desta vez, não caberia apenas colocar suas assinaturas no papel. Passarão a ser responsáveis legais e morais pela execução do que avalizaram.

O que o governo Lula está propondo colide em muitos pontos com o que os próprios governadores (e boa parte das elites regionais) têm dito e feito. Eles devem estar dispostos, porém, a mudar (a mudança, afinal, é a razão de ser dessa nova geração de governantes, que pode se mirar no exemplo argentino vizinho, onde a descrença nos políticos levou a nação a um abismo). Mesmo porque as premissas e as conclusões do programa estão acima de sua capacidade de questionamento.

Quem poderá discordar de que os magros resultados alcançados por uma política de desenvolvimento do tamanho de 370 bilhões de reais (ou US$ 120 bilhões) se devem à “estrutura produtiva excessivamente concentrada, com reduzida articulação endógena; reduzida capacidade científica e tecnológica instalada, que limita iniciativas para a conservação, recuperação e aproveitamento econômico sustentável de seus recursos naturais; escassez e deficiência de infra-estrutura econômica; baixos níveis educacionais; grave quadro de desarticulação agrária, do qual derivam sérios conflitos de terra; crescente e desordenado processo de urbanização, de terminando enormes carências de infra-estrutura e serviços sociais; deficiente sistema de gestão do território amazônico e incipiente uso de processos disciplinadores de gestão ambiental”, conforme o documento oficial apresentado no Acre?

Como negar que “o desenvolvimento da região requer uma ação coordenada de governo, visando um novo padrão de financiamento, com prioridade na alocação de recursos para a produção sustentável com tecnologia avançada, gestão ambiental e ordenamento territorial, inclusão social e cidadania e infra-estrutura para o desenvolvimento”?

O Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia, em sua versão final, deverá contemplar, prioritariamente, os temas considerados de maior relevância para mudar a situação atual e a trajetória do processo de ocupação da região: a produção sustentável com tecnologia avançada, novo padrão de financiamento, gestão ambiental e ordenamento territorial, inclusão social e cidadania, e infra-estrutura para o desenvolvimento.

O governo considera exequível essa plataforma porque já existiriam, hoje, “condições para um novo ciclo de desenvolvimento que combine diversificação da produção com incorporação de inovações tecnológicas e agregação de valor aos produtos regionais, possibilitando nova inserção no mercado nacional e internacional que, ao mesmo tempo, estimule a geração de empregos, melhor distribuição de renda e redução dos impactos ambientais”.

Para implantar uma efetiva gestão ambiental e um ordenamento territorial e fundiário, capaz de mudar o modelo de ocupação, o governo diz que vai recorrer a ferramentas como o zoneamento ecológico e econômico, o sistema de licenciamento ambiental em propriedade rural, o ordenamento fundiário, a revisão do modelo de reforma agrária e a consolidação de um sistema de áreas protegidas.

Essas normas se aplicarão a toda a Amazônia, mas, no Acre, o presidente anunciou já havia um alvo selecionado para uma ação imediata destinada a distinguir com clareza a terra pública da privada, como condição essencial para mudar o atual quadro de conflitos. Atenção especial deveria ser dada às áreas consideradas mais críticas, como no eixo de expansão do desmatamento, ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém, entre o Pará e Mato Grosso, e na área conhecida como Terra do Meio, no vale do Xingu, também no Pará, onde está a maior concentração da madeira mais valiosa da Amazônia, o mogno.

O grande teste para a implantação do novo modelo será mesmo o “Projeto de Assentamento de Produção Florestal, com base Familiar e Comunitária”, que o Incra e o Ibama vão conduzir. Sua clientela é vasta: 380 mil unidades de produção de pequena escala e os migrantes que se habilitarem. Eles terão que desenvolver, com prioridade, atividades de manejo florestal comunitário, de extrativismo e outras ações que representem baixo impacto ambiental. Essas atividades serão implementadas nas áreas de cobertura florestal primária e, em forma alternativa, nas demais existentes.

Mas para que esse programa dê certo não bastará fazer uma boa seleção de colonos, instalá-los nas áreas adequadas, acompanhar sua atividade, dar-lhes apoio técnico e de infraestrutura. Será preciso mudar toda a cultura agropecuária e a lógica do desmatamento. Mesmo dentro do governo haverá resistências muito fortes a essa transformação, que exigirá uma verdadeira revolução de mentalidade e de operacionalização, inclusive para que haja recursos financeiros em condições de sustentar a vasta reciclagem do aparato público e privado na região. Os mecanismos de crédito diferenciados serão um capítulo à p arte nessa batalha. A assistência técnica competente será outro imenso desafio.

Através do termo de cooperação que Incra e Ibama assinaram, com validade de quatro anos, o governo parece empenhado em demonstrar que está plenamente consciente dessas dificuldades e disposto a enfrentá-las. Sua maior arma de combate será o Banco da Amazônia, no ato presenteado com um reforço de caixa de quase R$ 230 milhões (quase US$ 80 milhões) e com novas perspectivas institucionais.

Mas diante da extensão da guerra em perspectiva, o que inibe maior entusiasmo não é nem principalmente a fragilidade dos recursos já empenhados no novo programa, mas a falta de sinais concretos de mudanças efetivas no próprio governo para fazer os observadores mais exigentes se convencerem de que, desta vez, a mudança é mesmo para valer.

O problema é que, como em quase toda a sua ação até agora, nem o presidente parecia firme na decisão que ele próprio comunicou. Menos de dois meses depois do encontro no Acre, Lula foi a Parintins, no Amazonas, ver o maior acontecimento folclórico da região (a festa do boi). Ocupando o lugar onde parece se sentir mais à vontade, o palanque, o presidente fez um discurso – como de regra – polêmico, mas sem apartes. Aproveitou para ditar o que pensa sobre a Amazônia.

Garantiu, por exemplo, que a região deixou de receber investimentos por causa do movimento de preservação ecológica. Lamentando o prejuízo, o presidente advertiu que a Amazônia “não pode se tratada como uma coisa de outro mundo, intocável, onde as pessoas não têm direito aos benefícios”.
Acostumado ao modo de vida da maior área metropolitana do continente, o ex-torneiro mecânico do ABC paulista, o principal polo industrial do Brasil, se declarou convencido de que não viver no escuro é tão fundamental quanto fazer três refeições por dia, ter escola de qualidade e acesso à saúde.

“Chegou a hora de as pessoas tomarem, se quiserem, um banho quente, mesmo numa região quente como a Amazônia”, garantiu o presidente. Verba do Ministério de Minas e Energia havia possibilitado, um pouco antes, a compra de mais um gerador a diesel para Parintins, pequena comunidade de 20 mil habitantes, totalmente dependente de energia térmica à base de derivado de petróleo.

Entusiasmado com a festa de Parintins, o presidente lembrou que essa festa começara de forma anônima, trazida por migrantes. “Durante anos não foi levada em conta pela elite intelectual brasileira, porque muitas vezes as coisas só acontecem no Brasil depois que acontecem no New York Times”. Mas, em sua versão, “a competência dos que conseguiram montar uma festa sem apoio financeiro, fez com que a festa virasse uma referência nacional e mundial”.

O discurso do líder maior do PT merecia atenção (e rigor) maior do que o recebido. Se muita mudança já ocorreu na forma e no conteúdo de Luiz Inácio, seu preconceito em relação aos intelectuais transitou sem alterações na passagem para o exercício do poder. O intelectualismo tem suas mazelas, destacadas durante os oito anos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Mas o anti-intelectualismo é pelo menos tão nocivo quanto a auto-suficiência dos nossos mandarins (piorada pelo palanque e sua consequência vitoriosa).

Perfeitamente certo na crítica à macaqueação colonial brasileira, que só aplaude as criações nacionais quando sacramentadas pela metrópole, o presidente esqueceu que o sincretismo do boi de Parintins só é o que é pela força da principal patrocinadora do evento, a Coca-Cola, tão entusiasticamente saudada em Nova York quanto em Brasília ou São Bernardo. No dia em que a Disney montar seu parque temático na jungle, lá deverá Lula aparecer para aplaudir e enaltecer, ainda que não na língua de Tio Sam (de resto, ociosa diante desse novo esperanto brasileiro)?

Os intelectuais pernósticos que, com suas filigranas conceituais, como a ecologia, estariam espantando os investimentos de capitais que promoveriam o desenvolvimento amazônico, no entendimento do presidente, desenvolvimentismo que é o mesmo altar diante do qual fazem suas orações o intelectual e o operário paulistas. Indiferentes às suas diversidades retóricas, eles se acomodam num cenário metropolitano, anos-luz à frente do primitivo hinterland. Nesse aspecto, Lula e FHC são semelhantes; os amazônidas, são “os outros”.

Admitamos que o prejuízo apontado pelo presidente seja verdadeiro. Pode ser, entretanto, apenas um prejuízo nominal. Na análise do custo/benefício, a estrada que não veio, a fazenda que não se implantou, a mineração que foi adiada, todos poderiam acarretar mais custo do que receita.

Pode-se citar o exemplo do polo de alumínio de Barcarena, às proximidades de Belém do Pará, um dos maiores do mundo, produto da associação da ex-estatal Companhia Vale do Rio Doce e de um consórcio japonês, onde o presidente já esteve. Só de subsídio energético, o tesouro nacional entrou com dois bilhões de dólares para viabilizar investimento de tamanho proporcional, mas que ainda tem um passivo a descoberto de um bilhão de dólares. A conta não inclui outros subsídios menos explícitos e volumosos, mas na ponta do lápis certamente a Amazônia mais perdeu do que ganhou.

Frequentemente, os preservacionistas (para aceitar a camisa-de-força conceitual que seus contendores, declarados ou não, lhes impõem) se posicionam equivocadamente, às vezes raciocinando de forma irrealista. Mas seus adversários, mesmo quando agem sob o signo do pragmatismo e da objetividade, não obram melhor.

O líder operário Lula estava a postos para criticar quando os militares gastavam fortunas para permitir ao colono de Ji-Paraná, nos confins de Rondônia, ligar diretamente para Tóquio. O agora presidente não quer saber quanto custa levar uma linha de energia de alta tensão por centenas de quilômetros para permitir ao dançante do boi amazonense tomar banho quente em terras equatoriais.

Menos convencional, e, no entanto, mais sensato, era o economista (nordestino, como Lula) Rubens Vaz. Em plena ditadura, propôs que as grandes rodovias fossem construídas a muque humano, com a coadjutoria de animais de tração, ao invés de abertas com pesadas e caras máquinas, movidas a petróleo importado. Regredir na tecnologia sairia mais barato e renderia socialmente mais, ainda que não na mesma velocidade.

Mas por que tanta pressa na Amazônia? Para raciocinar sempre a curto prazo, seguindo uma marcação do tempo incompatível com a cronologia da natureza? Arriscando seu pescoço, Rubens Vaz preferia o modelo chinês, baseado no trabalho intensivo, ao modo que requer necessariamente o capital intensivo. Não foi ouvido. Nem, felizmente, anatematizado.

O discurso feito em Parintins pelo operário-presidente, avesso aos intelectuais, além de colidir com o discurso de Rio Branco, pecou pela superficialidade (e pelo mesmo mimetismo mental que abjurou) quando defendeu a mesmice: grandes usinas hidrelétricas numa planície densamente arborizada, extensas (e caras) linhas de transmissão até mercados cujo consumo é premido por hábitos perfunctórios, sem qualquer mediação da recomendável conservação. Se depender desse modelo que o presidente defende, a Amazônia continuará a ser a mesma. Para quê, então, terá votado na mudança (para melhor) de Lula?


A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo e mostra o presidente Lula durante a campanha eleitoral em Manaus, durante a visita ao MUSA.


Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.A

valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da do Brasil.

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As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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