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Com a estiagem extrema, o rio Juruá e afluentes vê uma mortandade de peixes sem precedentes

Acre passa por nova seca extrema e terras indígenas voltam a ficar isoladas

Nesta semana, o governo do Acre decretou situação de emergência e alertou para desabastecimento do sistema de água no estado. Na imagem acima, Rio Jurúa atualmente no início do mês de junho, município de Marechal Thaumaturgo (Foto cedida por Francisco Piyãko).


Rio Branco (AC) – A estiagem atípica no Acre atinge atualmente toda a bacia hidrográfica do estado. Nesta quinta-feira (13), o rio Acre atingiu a marca negativa de 2,06m, segundo dados da Defesa Civil Municipal. A média para o mesmo período é de 4,50 metros. Há nove dias consecutivos,  a Defesa Civil Estadual registra diminuição no nível das águas na capital. Afluente do Purus, o rio Acre nasce em território peruano demarcando em parte a fronteira entre Brasil e Bolívia. Ele é um foi um dos mais afetados pela seca severa de 2023,  ficando abaixo de 1,50 metros.

No início deste mês, o Governo do Estado do Acre promulgou o Decreto n° 11.338, declarando a existência de circunstância anormal, caracterizada como situação de emergência, por conta de uma das secas mais severas, que estão prestes a  atingir os 22 municípios do estado. No decreto, o governo diz que a situação é “em decorrência do cenário de extrema seca vivenciado e da iminente possibilidade de desastre decorrente da incidência de desabastecimento do sistema de água no Estado do Acre”.

Outros rios da bacia, como o Tejo, afluente do Juruá, desceu tanto que as populações ribeirinhas e indígenas alertam para efeitos drásticos, que vão desde isolamento das comunidades, instabilidade alimentar a ameaças de invasores, que se aproveitam da situação vulnerável destas áreas.

O líder indígena Haru Kuntanawa contou que seu território, localizado no rio Tejo, está sofrendo novamente com os efeitos da seca, como isolamento e dificuldade de acesso à água potável. Ele relatou que em vários lugares usados para caça e alimentação dos moradores, os deslocamentos pelo rio levam de cinco a seis horas, quando normalmente o tempo médio é de até meia hora. A situação, apesar de  ter se mostrado recorrente nos últimos anos, assusta lideranças mais antigas, segundo ele.

“Os senhores de 70  e 80 anos estão falando que nunca viram isso nessa época do ano, viram esse rio abaixo assim,  foi mais lá pra setembro”, disse Haru Kuntanawa à Amazônia Real. Ele é presidente da Associação Socio-Cultural e Ambiental Kuntanawa (Askak) e liderança na  aldeia.

O indígena diz que o que acontece em seu território é efeito de uma crise climática mundial, na qual as populações locais e indígenas são as mais afetadas frente à desigualdade social. 

“Tem muita gente que fala em  mudança climática como se fosse uma coisa ainda para o futuro e as mudanças climáticas estão aqui. Fazemos essa observação. Estamos chamando a atenção das pessoas porque esse ano está previsto a maior seca da história, da nossa história aqui”, alertou Haru.

As oscilações dos rios no estado do Acre, com grandes cheias e grandes secas com uma diferença curta de tempo, impactam o cotidiano de populações que mal se adaptam à nova realidade. Em março deste ano, o rio Acre atingiu o auge de seu nível com  17,84 m. Em menos de três meses, o mesmo rio Acre já registra níveis críticos quase abaixo dos 2 m, o ideal é que fique acima de 4,50 m.

Segundo as autoridades públicas locais, o estado deve passar por uma nova estiagem severa, podendo se igualar ou ultrapassar a seca que atingiu o Estado em 2023, na qual o rio Acre chegou a níveis críticos mínimos. De acordo com o Relatório Hidrometeorológico – Previsão Climática e Nível dos Rios,  a cota é  histórica para o período em 10 anos, a média para esse período seria em torno de 5 metros. O diretor da Administração de Desastre da Defesa Civil, Cláudio Falcão, disse que a previsão é a marca do rio mais baixa dos últimos 10 anos para essa mesma época do ano.

“Possivelmente a gente vai sair da marca dos dois metros para baixo ainda no mês de junho e isso não aconteceu antes, normalmente isso acontece nos meses em diante”, afirmou Falcão à Amazônia Real.

O ano em que o rio Acre apresentou a menor marca, antes de 2024, foi em setembro de 2022, quando atingiu 1,25 metros. Naquele ano, o rio estava abaixo dos quatro metros  já no mês de maio. As chuvas também diminuíram. Choveu apenas 54,1 mm durante todo o mês de maio, e a previsão era de 102 mm. Vale ressaltar que em menos de três meses o  rio Acre chegou a registrar 17,89 metros, deixando 120 mil pessoas atingidas e 17 mil desalojadas, como relembra o chefe da Defesa Civil do Estado.

“O que tem sido percebido é que a cada ano piora essas situações de eventos climáticos extremos. Tanto a questão de inundação, quanto a questão da seca nos últimos dois anos. Nós tivemos cheias cada vez mais fortes, então a tendência é também que ela se repita, agora em 2024 ? Podendo até ser mais grave do que já foi antes”, disse.

Seca antecipada

Registro de seca feito 09 de junho no Rio Tejo, em Marechal Thaumaturgo (AC)

(Foto de cedida por Haru Kuntanawa).

O povo Kuntanawa concentra-se em uma área da Reserva Extrativista do Alto Juruá, no município de Marechal Thaumaturgo. O território, que não é demarcado pelo governo brasileiro, é formado por três aldeias, com 400 pessoas, que dependem  dos rios  para locomoção.

Haru Kuntanawa contou à reportagem que a seca do rio Tejo, que normalmente começa no mês junho, o cenário relatado pela liderança era esperado apenas para agosto e setembro. 

Segundo o líder indígena, os Kuntanawa enfrentam muita dificuldade para respirar e que as queimadas na região, agravada pela seca, também têm se antecipado devido ao baixo volume de chuvas e a vegetação está seca. Ele não soube dizer a origem das queimadas. 

Perseguido durante todo o século 20, o povo Kuntunawa tem um marco de lutas recentes pela preservação de seus modos de vida ancestrais após passarem por intensa pressão nas chamadas “correrias” no final do século 19 e início do século 20 que quase significou o fim da etnia. Na época da ascensão da borracha, no Acre, os exploradores de borracha tomaram as terras indígenas e expulsaram ou escravizaram os indígenas. Aqueles que resistiam à exploração ou se rebelavam contra os seringalistas.

Recentemente, com a   enchente, os roçados  do território Kuntanawa foram inundados pela água duas vezes  e morreram muitas plantas, criações de galinhas e casas foram destruídas, segundo o líder indígena. O povo ainda estava no processo de reconstruir suas aldeias como conta Haru  “Nem terminamos o trauma da enchente e já estamos vivendo o trauma da seca”, disse.

Sem chuva

Francisco Piyãko, liderança Ashaninka e  coordenador da OPIRJ (Foto: Instagram @opirj.oficial).

A  nova seca extrema no Acre tem preocupado a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), que está realizando a entrega de equipamentos e kits de fortalecimento institucional nas terras indígenas da região do Juruá.  Há mais de um mês não chove na região. A organização alerta que neste período é comum a invasão de terras para a caça por não-indígenas, por isso,  a seca torna-se ainda mais preocupante.

Francisco Piyãko, liderança Ashaninka e  coordenador da OPIRJ,  com sede no município de Cruzeiro do Sul, diz que a organização tem trabalhado em apoio a 11 territórios indígenas. O líder lembra  que em 2023 a seca afetou de forma direta os povos da região do Juruá no Acre e apesar do acompanhamento da situação, ainda não se sabe a proporção que haverá neste ano.

“É Início de junho e parece que já tem muito tempo que estamos num período de seca, como se fosse já o limite de novo, da falta d’água. Não sabemos ainda qual vai ser a intensidade dessa seca e ninguém está preparado. O estado não está preparado, nós povos indígenas não sabemos O impacto disso em nossas plantações ainda, é uma situação muito séria”, disse o líder Ashaninka.

Conforme Piyãko, as altas temperaturas têm sido muito citadas pelas comunidades que precisam seguir com suas produções. Entretanto, não conseguem devido ao calor extremo.“Ninguém aguenta mais tanto calor andar no rio andar nos roçados fazer as roça, né? É um sol fora do normal, não é normal”, diz.

Sobre as invasões a terras indígenas que têm sido observadas pelos indígenas neste período, Francisco Piyãko afirmou que é muito difícil fazer uma vigilância pelas águas nesse momento, porque os barcos não conseguem chegar até os territórios. Mas ele relata que a entrada nesses territórios via terrestre está mais facilitada para caçadas. 

A OPIRJ recebeu algumas denúncias de invasões em terras indígenas, dentre elas de que o ramal do Barbari,  que passa na TI Jaminawa do Igarapé do Preto, tem sofrido pressões. Por meio de um áudio enviado para Francisco Piyãko, obtido pela Amazônia Real, a liderança Lair Jaminawa descreve o que tem acontecido em seu território.

“Tem um pessoal entrando para caçar de dia. De noite entra na mata para  fazer barraca  lá dentro. Para passar de quatro, cinco dias e quando sai, sai com a  sacada de carne, a  gente vê só o rastro deles”, afirmou.

Segundo Francisco Piyãko, na próxima segunda-feira (17), a organização se reúne com todas as lideranças para falar do Decreto de emergência do governo do Acre. “Os povos da região esperam ser ouvidos  e também entender quais são as propostas deste ano para lidar com a seca  e o risco de incêndios”.

Mortes de peixe

Com a estiagem extrema, o rio Juruá e afluentes vê uma mortandade de peixes sem precedentes
Estiagem do rio Juruá na cidade de Marechal Thaumaturgo, no Acre no ano de 2023 (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Sema AC).

A recorrência de alterações climáticas tem sido cada vez mais frequente, como descreve Pedro Silva, morador da comunidade da foz do Rio Breu, também localizada  no município de Marechal Thaumaturgo, 600km da capital Rio Branco. Em entrevista à Amazônia Real ele contou que anomalias tem acontecido tais como a morte de peixes em 2023 em período de muito calor e pouca água em sua comunidade.

Em meio a tantas mudanças, o ribeirinho tem registrado a instabilidade do rio Juruá, que nasce no Peru e que banha os estados do Acre e Amazonas. “Faz uns cinco anos que a cada verão a seca fica mais extrema, as comunidades tradicionais ficam cada vez com mais difícil acesso,e todo ano sempre está piorando”, explica o ribeirinho.

Ele alerta também que as fontes de águas secam e  geralmente  as pessoas bebem a  água do rio que não tem tratamento. Os moradores passam a ter  vômitos, diarreias dentre outros sintomas. Para este ano, ele espera um cenário parecido com o que tem ocorrido nos últimos anos, porém causa insegurança devido ao rio estar mais seco que o previsto para o período. 

“Tudo fica difícil devido o rio ficar muito seco esses impactos prejudicam a agricultura familiar mas, sempre tem um jeitinho, carregando água ou puxando o motor bomba. Não sabemos aqui pra frente como será”, conta Pedro.

De um extremo ao outro

Sala de situação do Governo do Acre que disponibiliza dados qualificados e quantificados para os órgãos que fazem parte da agenda ambiental (Foto: Alexandre Cruz-Noronha/Sema).

O coordenador da Defesa Civil Estadual, coronel Carlos Batista por meio de pronunciamento governamental publicado no início do mês de junho sobre a situação de estiagem , afirma que, com a vazante do rio Acre, no final do mês de março, começaram as primeiras reuniões de monitoramento devido a baixa vazão  do Rio Acre na capital, com cotas que foram as menores dos últimos 10 anos.

“Verificou-se, também, segundo os dados da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), uma redução de 49% de chuvas aqui na bacia do Rio Acre, principalmente na região de Rio Branco, o que fez com que o nível do rio continuasse muito baixo; e a tendência para o mês de junho é que continuem baixas”, disse o coordenador.

Segundo o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia -(Censipam), o fim do El Niño e a transição para uma condição climática neutra, junto com o aquecimento no Atlântico Tropical, vão influenciar o clima. Para o trimestre de junho a agosto de 2024, o esperado é de menos chuvas do que normal no Acre, Rondônia, oeste do Mato Grosso e extremo sul, Mais chuva do que o normal em Roraima, Amapá, norte Chuvas dentro da média em outras áreas da Amazônia Legal. 

O El Niño de 2023 a 2024 foi considerado o quarto evento climático mais poderoso registrado na história  de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM) resultando em secas generalizadas. O fenômeno teve início em 04 de julho de 2023. O esperado para este ano é que haja transição dos fenômenos El Niño para o La Niña, que ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico, acontece a cada 3 ou 5 anos.

Segundo o pesquisador Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, a previsão de  poucas chuvas dos próximos meses  e as temperaturas acima do normal, não são um bom indicativo e significa mais “estresse hídrico” para as florestas, pastos e sociedade o que significa  que se trata de uma situação em que a procura de água por habitante é maior que a capacidade de oferta de um corpo hídrico. 

Com base nos mapas da international research institute for climate and society  ele faz um alerta de que  tudo indica uma seca mais intensa que a do ano passado  em que o nível do rio Acre  apresentava  um volume maior que o atual para o período. Apesar de o El ninõ estar no fim, isso não quer dizer que não será sentido quando estivermos na inflûencia da La Ninã como explica o professor.

“Para este período,  temos uma mescla de fatores que envolvem a transição de El Niño à La Niña,  acompanhada de uma quantidade crescente de gases de efeito estufa, uma redução de enxofre no combustível de navios, e ao mesmo tempo um aumento na atividade solar.  Aparentemente, o que pode explicar a seca antecipada  seja isso,  os gases de efeito estufa e os efeitos ainda influentes do  El Niño ”, disse Brown à Amazônia Real.

Registro de seca feito em 11 de junho do Rio Tejo, na Resex do Alto Juruá, em Marechal Thaumaturgo (Foto cedida por Haru Kuntanawa).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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