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Abre o olho, Manducão! - Amazônia Real

Abre o olho, Manducão! – Amazônia Real

Saúde é a capacidade de resistir, de lutar contra tudo o que nos oprime.

(Vigia, Povo! Guia de Vigilância Popular em Saúde – Fiocruz/Ceará; ABRASCO/ 2023)


Sob o olhar da Educação Popular, dialogar no atual contexto histórico não tem sido fácil, principalmente quando as pautas exigem de interlocutores olhar problematizador e interventivo sobre a realidade. Não tem sido fácil mesmo! Comprova-se o entrave até mesmo em chefias e categorias diplomadas. Daí a importância de se rever códigos e jeitos de comunicação, quando os propósitos tendem despertar olhares libertários sobre públicos diversos – “analfabetos, analfabetizados, alfabetizados e os ligeiramente alfabetizados” -, conforme a sábia referência de Dr. Jorge Alberto Mendes Jr., Juiz de Direito.

Por essa trilha, entendemos a necessidade emergencial de uma atenção plena às realidades circundantes; de uma vigilância centrada sobre causas e efeitos sistêmicos circunstanciais a uma qualidade de vida equitativa.  

A presente abordagem brotara como fruto de teimosias militantes sob propósitos originalmente popular democráticos: vigiar e agir. Assim, entre os dias trinta e um de outubro e primeiro de novembro do corrente ano, em fortaleza/CE, a FIOCRUZ e a ABRASCO com apoio do Governo Federal trouxeram o Seminário Vigilância Popular e Cuidado em Saúde nos Territórios do Campo, Floresta e das Águas. Em síntese, o evento proporcionara ampliação de olhares sobre a realidade social na reinvenção da Vida em sua totalidade, do SUS, de mundos dignos e possíveis para todos os habitantes da Mãe Terra.

Vigia, Povo! Canção anunciada e ensaiada em tons variados sobre teimosiar possibilidades transformadoras.  A chamada de atenção fluíra como estratégia contagiante a despertares autocríticos, autoeducativos; a uma efetiva vigilância sobre o real-concreto esperançando-se um Bem Viver Universal.

Todo esse painel problematizador trouxera-me memórias lúdicas inventadas nas barrancas da Amazônia sob pretexto de descontração e ao mesmo tempo de manter os olhos em alerta permanente às reais contradições. Numa dessas viagens humorísticas, na década de 2000, Juveco e Pukeca, humoristas natos, assim conhecidos na região, trazem até nós o Manducão: caboco durão, torado no grosso*, inquestionável – típico reprodutor do autoritarismo patriarcal. Em meio a narrativa, Manducão torna-se pai. Passara-se um mês e o curuminzinho* não abria os olhos. Inquieto, buscara resposta médica para o problema. Após minucioso exame, o médico esclarece: “- Abre o olho, Manducão! Esse caboquinho é misturado com japonês”.

Apesar de resíduos discriminatórios camuflados em humor, Juveco e Pukeca traziam em seus diálogos artísticos alertas fundamentais à quebra de machismos, de autoritarismos estruturais.

Retornando às chamadas de atenção anunciadas nos propósitos do Seminário, por aqui, ressoam inquietas provocações à ampliação de nosso olhar crítico observador para além do determinado; sobre afetações a um estilo de vida com dignidade, ou ainda, conforme o popular caboquês, arregalar o olhômetro da consciência sobre cuidados básicos, fundamentais à saúde – direito de todos e dever do Estado.

Enquanto arregalamos a visão crítica/problematizadora é possível visibilizar com clareza em nossa realidade amazônica a inconsistência e fragilidade de políticas públicas, apenas rascunhadas, sobre direitos fundamentais relacionados à garantia de saúde digna, universal. A propósito, clamamos por alimentação saudável livre de agrotóxicos, água sem contaminação, campanhas intensivas de educação popular ambiental envolvendo animais, trânsito, resíduos; revitalização de saberes e práticas popular tradicionais de saúde, atenção a populações de ruas e encarceradas, formações continuadas e transversais e pelo reconhecimento e efetivação do SUS – plano de saúde universal.

O Seminário foi muito além. Tempo para arregalar bem os olhos sobre representatividades políticas mascaradas de esquerda, profissionalizadas em reproduzir estrategicamente oprimidos/opressores, sujeitos subservientes como garantia à manutenção de poderes. Haja cutucadas!

Abre os olhos, Manducão! Você é caboco das barrancas, classe trabalhadora explorada, oprimida!


Falares de Casa

Curuminzinho – menininho, no popular caboquês.

Torado no grosso – comportamento autoritário, embrutecido.


A imagem que abre este artigo é de autoria de Floriano Lins e mostra um recorte de cartazes durante o Seminário Vigilância Popular e Cuidado em Saúde nos Territórios do Campo, Floresta e das Águas.


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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